Trabalhadores Marítimos em tempos de pandemia: qual deve ser o seu lugar na fila da vacina?
É de conhecimento da indústria naval que marinheiros saudáveis e vacinados são essenciais para manter as nações abastecidas, porém, parte da população mundial ainda não havia se atentado para este fato. Considerando a relevância da função social desses trabalhadores, a Câmara Internacional de Navegação (ICS, sigla em inglês) tem chamado a atenção dos governos para que priorizem os marítimos e trabalhadores marítimos da linha de frente nas respectivas filas nacionais das vacinas contra o COVID-19 e os designem como trabalhadores-chaves, deste modo evitando uma repetição da “crise de mudança de tripulação” de 2020.
Como 90% do comércio mundial é movido por mar, é possível afirmar que esses trabalhadores são responsáveis pelo transporte da maior parte dos alimentos, remédios e bens de que consumimos. Apesar disso, os marítimos permanecem invisibilidados por grande parte da população e seus direitos decorrentes da Convenção do Trabalho Marítimo e demais instrumentos internacionais são recorrentemente violados. As restrições decorrentes do COVID-19 agravaram esse quadro de vulnerabilidade já existente. Vários trabalhadores foram forçados a extrapolar seus contratos de trabalho, quanto ao prolongamento de turnos de vigilância além da duração especificada nos contratos de trabalho, intensificando as preocupações em relação à segurança do navio, fadiga da tripulação e acessos aos cuidados de saúde. Em decorrência da crise de troca de tripulação, alguns marinheiros estão presos no mar há aproximadamente dois anos. Com o limitado apoio dos governos nacionais, a preocupação principal é que, caso novas restrições sejam impostas, este número possa aumentar rapidamente. Como consequência, já se tem falado que o Covid-19 gerou uma “crise humanitária” no setor.
A disseminação de novas variantes do COVID-19 no Brasil, África do Sul e Reino Unido teve como consequência o aumento das restrições à mudança de tripulação. As Filipinas, por exemplo, expandiram sua proibição temporária de mudança de tripulação para 35 países, impedindo que marítimos estrangeiros desembarquem em portos filipinos. O Reino Unido proibiu viajantes da América do Sul, e os EUA endureceram seus requisitos de entrada. Todas essas medidas, fazem parte de uma contenção global mais ampla em torno da facilidade de viajar, dado que a indústria naval tem o receio de que isso acarrete em vários trabalhadores marítimos, se tornando o dano colateral da inação do governo.
Diante desse quadro, o ICS, que representa mais de 80% dos armadores globais, está exigindo dos governos – que mais uma vez estão restringindo as viagens, em razão de uma reação às novas mutações do COVID-19 – o reconhecimento do papel vital que os marítimos desempenham na cadeia de suprimentos.
De fato, mais de 40 países escutaram o apelo e reconheceram os marítimos como trabalhadores-chave, ou seja, para que estes trabalhadores marítimos possam ser aliviados e repatriados de maneira segura durante a pandemia do COVID-19. Cingapura, foi o primeiro grande país a listar os trabalhadores marítimos como prioridade para as vacinas contra o COVID-19. Por sua vez, o governo brasileiro, por intermédio do Ministério da Saúde, incluiu os profissionais da área de transporte – portuários e aquaviários – no grupo prioritário para a vacinação no dia 18 de janeiro de 2021. Todavia, a maioria dos governos ainda não reconheceram, o que gerou uma demanda crescente dentro da indústria por novas soluções para a distribuição de vacinas antes que a crise humanitária enfrentada pelos marítimos piore.
Em 2021, o transporte marítimo e os marítimos terão um papel mais importante, visto que grande parte das vacinas, suprimentos médicos e equipamentos de proteção individual (EPI), serão transportados por via marítima. Nesse sentido, o Secretário-Geral do ICS, Guy Patten, comentou que devem ser óbvios os benefícios, para a vacinação dos responsáveis pelo transporte da vacina e dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Ademais, a classificação dos marítimos como “trabalhadores-chaves” atende aos direitos humanos desses trabalhadores, que estão incapacitados de deixar seus locais de trabalho. Além disso, os governos não serão capazes de vacinar seus cidadãos sem a indústria naval, ou, mais importante, nossos marítimos.
Por Rayanne Reis Rêgo Cutrim, estagiária do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR), sob supervisão da Doutoranda Luciana Coelho.
Referências:
BALBINO, Fernanda. Imunização de portuários ocorrerá quando houver vacinas, diz Ministério da Saúde. A Tribuna. Porto & Mar. 21 de janeiro de 2021. Disponível em: <https://www.atribuna.com.br/noticias/portoemar/imuniza%C3%A7%C3%A3o de-portu%C3%A1rios-ocorrer%C3%A1-quando-houver-vacinas-diz-minist%C3%A9rio-da-sa%C3%BAde-1.138993.>. Último acesso em: 01.03.2021.
Give seafarers COVID-19 vaccine to avoid crew change crisis, says ICS.
Port Technology International Team. 21 de janeiro de 2021. Container Handling, Environment and Sustainability, Global Trade, News, Ports and Terminals, Supply Chain). Disponível em: <https://www.porttechnology.org/news/give-seafarers-covid-19-vaccine-to-avoid-crew-change-crisis/>. Último acesso em: 01.03.2021.
Shipping industry demands vaccine priority for seafarers amid renewed crew change struggles. International Chamber of Shipping. 19 de janeiro de 2021. News, Press Releases and Statements. Disponível em: <https://www.ics-shipping.org/press-release/shipping-industry-demands-vaccine-priority-for-seafarers-amid-renewed-crew-change-struggles/>. Último acesso em: 01.03.2021.