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25 março 2021

Hard Power e Direito Internacional no Mar do Sul da China

Por Gustavo A. M. Vieira.
Doutorando em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Advogado.


Duas forças-tarefas navais capitaneadas por porta-aviões nucleares.

Esse foi o “cartão de visitas” enviado pela Administração Biden ao Mar do Sul da China. A recente demonstração do poder naval da marinha americana ocorre menos de um mês após a posse do novo presidente dos Estados Unidos e assinala a disposição de Washington em manter oposição às pretensões de Pequim na região.

O Mar do Sul da China consiste em uma área de aproximadamente 3,5 milhões de quilômetros quadrados na qual se sobrepõe reivindicações territoriais de diversos países do Sudeste Asiático, entre os quais, Malásia, Filipinas, Brunei, Vietnã e, destacadamente, a China. A região, rica em recursos pesqueiros e reservas potenciais de petróleo e gás estimados em bilhões de dólares, concentra rotas marítimas pelas quais passa cerca de 1/3 do comércio mundial[1].

A disputa geopolítica pelo controle desse espaço vem gerando acesas controvérsias acerca dos limites e potencialidades do Direito Internacional do Mar. A sistemática construção e militarização de ilhas artificiais pela China a partir de arrecifes, rochedos e baixios a descoberto – e sobre elas reivindicar o pleno exercício de direitos soberanos, é algo sem precedentes – choca-se frontalmente com o disposto na Convenção de Montego Bay (1982), que rege a matéria. A recusa de Pequim em cumprir decisão desfavorável em laudo arbitral proferido pela Corte Permanente de Arbitragem, órgão de solução de controvérsias definido pelo tratado, torna ainda mais candente a questão[2].

A atuação chinesa não parece alicerçada puramente em aspectos de hard power, estranhos ao Direito das Gentes. A criação deliberada de um modus vivendi favorável às aspirações de controle na região podem, com efeito, consubstanciar ao longo do tempo uma prática reiterada (consuetudo) com convicção de obrigatoriedade (opinio jure sive necessitatis). Em outras palavras, a atuação da China pode em longo prazo converter-se em norma costumeira, e como tal, em decorrência da paridade hierárquica de fontes primárias no direito internacional, eventualmente derrogar norma convencional anterior que lhe seja contrária. A ofensiva diplomática de Pequim para obtenção de reconhecimento de seus alegados direitos no Mar do Sul da China parece confirmar essa tese.

A atual demonstração de força dos Estados Unidos nesse impasse no Sudeste Asiático igualmente não se encontra destituída de considerações de Direito Internacional. Ao realizar as chamadas Operações de Livre Navegação nos Mares, além de ditames de Realpolitik, Washington deliberadamente faz uso de uma racionalidade jurídica, que visa justamente se contrapor a possíveis argumentos consuetudinários chineses. Com efeito, embora se reconheça que o costume tem aptidão para vincular terceiros países, essa regra não se aplica àquele sujeito que, desde antes de seu surgimento, já se opunha à sua formação. Ao atuar como “objetor persistente”, os norte-americanos impedem que se constitua contra si qualquer pretensão de domínio sobre o Mar do Sul da China.


[1] COUNCIL OF FOREIGN AFFAIRS. China’s Maritimes Disputes. Disponível em: https://www.cfr.org/chinas-maritime-disputes/#!/chinas-maritime-disputes?cid=otr-marketing_use-china_sea_InfoGuide. Acesso em 02/03/2021

[2] PERMANENT COURT OF ARBITRATION. The South China Sea Arbitration (The Republic of Philippines v. The People’s Republic of China). Disponível em: https://pca-cpa.org/en/cases/7/. Acesso em: 02/03/2021

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