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04 julho 2023

Tragédia Grega: violação do Direito do Mar e Responsabilidade Estatal em náufrago na costa do Mediterrâneo

Mais de 300 cidadãos paquistaneses perderam a vida em um trágico naufrágio ocorrido em 14 de junho de 2023 envolvendo um barco de pesca superlotado nas águas próximas à costa da Grécia. O presidente do Senado do Paquistão, Muhammad Sadiq Sanjrani, divulgou os números em um comunicado no dia 18 de junho expressando suas condolências às famílias enlutadas e ressaltando a “necessidade urgente de abordar e condenar o abominável ato de tráfico humano ilegal”. Em um tweet posterior, ele enfatizou a importância de conduzir “investigações minuciosas” sobre o caso, visto que a guarda costeira grega foi acusada de negligência e omissão ao se recusar a prestar socorro e assistência humanitária aos refugiados.

Até o momento, as autoridades gregas ainda não confirmaram o número de mortos relatado pelo Paquistão. No entanto, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que até 500 pessoas ainda estejam desaparecidas, agravando ainda mais a dimensão dessa trágica catástrofe humanitária. O barco, que estava superlotado, transportava centenas de homens, mulheres e crianças quando naufragou, de acordo com informações divulgadas pela Agência de Migração das Nações Unidas (OIM), se tornando uma das piores tragédias registradas no Mar Mediterrâneo, conforme destacado pela Comissária da União Europeia para Assuntos Internos, Ylva Johansson.

As autoridades gregas têm sido alvo de críticas em relação à forma como lidaram com o desastre, levantando questões desconfortáveis sobre as atitudes adotadas pelos países europeus diante dos migrantes. As alegações iniciais das autoridades gregas de que a guarda costeira manteve distância foram contestadas. O porta-voz do governo, Ilias Siakanderis, disse que a guarda costeira chegou duas horas antes do naufrágio, depois que o motor do barco quebrou, e não havia “nenhuma conexão” entre os dois. Entretanto, evidências encontradas até o momento sugerem uma situação diferente: a Alarm Phone, uma linha direta para refugiados em perigo no Mediterrâneo, afirmou ter alertado as autoridades gregas às 17h53 (horário local) do dia do naufrágio, após serem contatados por aqueles a bordo em busca de ajuda. Além disso, investigações da mídia apontam que o barco mal se movia nas sete horas anteriores ao incidente, o que contraria as afirmações da guarda costeira grega de que a embarcação estava a caminho da Itália e havia rejeitado ajuda.

A comunidade internacional, incluindo as Nações Unidas, recebeu com satisfação a proposta de uma investigação independente sobre o naufrágio. A Comissão Europeia, por outro lado, destacou a importância de que qualquer investigação seja “minuciosa e transparente”, a fim de se obterem respostas sobre o episódio. A luz do Direito Internacional, se comprovado nexo causal entre as ações das autoridades gregas e o naufrágio do barco de refugiados, o país pode ser responsabilizado pelo ocorrido e devidamente penalizado; a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece o dever de resgate como um princípio fundamental no mar. O dever de resgate é estabelecido no Artigo 98 da Convenção, que declara que “Todo Estado deve incentivar a realização de operações de busca e salvamento no mar e adotar medidas adequadas para garantir a eficácia dessas operações“. Além disso, o Artigo 18 estabelece que “Toda pessoa tem o dever de prestar assistência a qualquer pessoa no mar que esteja em perigo de ser perdida, afogada ou em situação semelhante“.

Os artigos refletem o princípio humanitário de salvar vidas no mar e representam normas estabelecida no direito consuetudinário internacional. O dever de resgate se aplica a todos os navios, sejam eles comerciais, de pesca ou de outras atividades marítimas, bem como a todos os Estados costeiros e de bandeira. Omer Shatz, advogado internacional e diretor jurídico da front-LEX, centro jurídico que questiona as políticas de migração da UE nos tribunais europeus e internacionais, disse, em entrevista ao jornal Al Jazeera, que estava claro que a Grécia deveria ter realizado imediatamente um resgate.

“De acordo com a lei marítima, a Grécia estava obrigada a lançar uma operação urgente de busca e resgate, duas vezes: primeiro como estado costeiro responsável pela zona de busca e resgate em que o barco estava localizado e, segundo, como estado bandeira cujas embarcações estiveram por tantas preciosas horas acompanhando e interagindo com uma embarcação em perigo”.

Além das múltiplas violações do Direito do Mar, é importante ressaltar que essa situação trágica não é um incidente isolado, mas sim reflexo de uma questão política mais ampla dentro da União Europeia no tratamento dos refugiados. Um exemplo emblemático extremamente similar ocorreu em 2022, quando a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) proferiu uma decisão no caso Safi, em que a guarda costeira grega tentou, sem sucesso, rebocar um barco de refugiados em direção às águas turcas, resultando no naufrágio da embarcação e na perda de muitas vidas, incluindo crianças e mulheres. A repetição de casos envolvendo o resgate de refugiados pode desvendar uma problema muito maior do que a simples negligência: a perseguição criminal de populações provindas do Oriente Médio, de origem asiática.

Notícia produzida por Laura de Azevedo Viana, estagiária do IBDMAR, sob a supervisão do Coordenador do Programa de Estágio Voluntário do IBDMAR, Me. Mario Henrique da Rocha.

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