Acordo BBNJ: Nações Unidas votam pela adoção de acordo sobre biodiversidade para além de jurisdições nacionais
No dia 20 de junho de 2023, após cerca de 20 anos de negociações, a Conferência Internacional das Nações Unidas para Biodiversidade Marinha em Áreas além da Jurisdição Nacional votou pela adoção do Acordo sobre BBNJ, um documento complementar à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 (CNUDM) que discorre acerca de temas relativos à manutenção da biodiversidade e exploração de recursos marinhos no alto mar e na Área. Ao lado do acordo sobre a implementação da Parte XI, de 1994, e o acordo sobre populações de peixes transzonais e altamente migratórios, de 1995, o Acordo sobre BBNJ foi criado para tratar de importantes questões que, por diversos motivos, não foram devidamente abordadas na CNUDM.
Atentando-se ao aumento de poluição marítima, mudanças climáticas e perda de biodiversidade, as negociações do acordo buscaram inserir no texto final temas que não dispunham de muita relevância em 1982, ou seja, que não estão presentes na CNUDM, além de aprofundar assuntos já apresentados na Parte XII da Convenção. Por exemplo, a Convenção de 82 já trazia, na Seção 4 da referida Parte, a necessidade de se conduzir avaliações de impactos ambientais. No entanto, esta seção se resumia a apenas três artigos que elencaram, de forma vaga, as obrigações dos Estados em observar, avaliar e analisar possíveis impactos ambientais e seus efeitos, bem como publicar relatórios acerca das apurações. Em contrapartida, visando se aprofundar na solução de problemas ambientais, o Acordo sobre BBNJ dedica sua Parte IV exclusivamente às avaliações de impactos ambientais, traçando objetivos, obrigações, modos de realizar as avaliações e relatórios dos resultados, detalhando cada um desses aspectos.
Como foi dito, além de aprofundar questões já existentes, o novo acordo também introduziu novas problemáticas. Talvez a mais notável seja a Parte II, relativa à exploração de recursos genéticos marinhos. Como constata o Prof. Dr. Tiago Zanella (2023), as áreas de pesquisa em engenharia genética evoluíram consideravelmente entre o início da década de 80 e os anos atuais, fazendo-se necessário que o novo acordo regulamentasse a exploração e utilização de materiais genéticos de animais e plantas marinhas em águas internacionais. Ainda nessa temática, o acordo faz referência ao princípio de patrimônio comum da humanidade introduzido na Convenção de 1982, apontando que os resultados e benefícios de tais explorações devem ser igualmente divididos entre os países, em especial aqueles menos desenvolvidos e sem acesso ao mar. Visando garantir o cumprimento desse princípio, foi estabelecido ainda um comitê para acesso e repartição de benefícios. Tal comitê será composto por 15 representantes dos Estados Parte do acordo e buscará garantir a transparência nos processos de exploração de recursos genéticos marinhos.
Ligando-se à crescente procura pelos recursos acima citados, a Parte V do novo acordo é dedicada à transferência de tecnologias marítimas e à capacitação tecnológica de certos Estados. Neste sentido, explicita-se o objetivo de apoiar os Estados Parte em desenvolvimento ou sem acesso ao mar a participar, efetivamente e de forma sustentável, nas atividades de exploração abordadas no acordo. Isto é, busca-se garantir que todos os países membros tenham possibilidade de se beneficiar da exploração de águas internacionais, especialmente através da transferência de tecnologias marítimas de países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento, possibilitando sua integração neste processo. Desse modo, o Artigo 44 expõe uma lista não exaustiva de possibilidades de capacitação e transferência de tecnologias aos países já citados. Somado a isso, em prol de garantir o devido funcionamento da Parte V, o Artigo 46 estabelece a criação de um comitê especializado em transferência tecnológica, que deverá suprir a Conferência das Partes com relatórios e recomendações sobre o tema. c
Ainda no que tange às inovações do Acordo sobre BBNJ, a Parte III do documento se debruça sobre a criação das chamadas area-based management tools (ABMTs). De modo geral, as ABMTs agem como um instrumento de divisão espacial do oceano, com a criação de áreas que podem ser utilizadas para atingir objetivos de diferentes atividades. No caso da BBNJ, o estabelecimento de ABMTs busca delimitar áreas oceânicas que necessitam proteção ecológica, contribuindo para alcançar os objetivos de preservação delimitados no acordo. Com isso, a criação de tais áreas pode ser proposta por quaisquer Estados Parte.
Conclui-se, portanto, que o novo Acordo sobre BBNJ aborda uma gama de novos assuntos que contribuem enormemente para a evolução do direito do mar de maneira ecologicamente sustentável, de modo a proteger a biodiversidade marinha no alto mar e na Área. Com a recente adoção do acordo, resta aguardar que 60 Estados o ratifiquem para que, após 120 dias, ele possa finalmente entrar em vigor.
Notícia produzida por José Victor Afonso Rocha, estagiário do IBDMAR, sob a supervisão do Coordenador do Programa de Estágio Voluntário do IBDMAR, Me. Mario Henrique da Rocha.