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15 novembro 2021

MPF opõe recurso em face de decisão do STF sobre afastamento de imunidade de jurisdição

No dia 23/09/2021, apreciando o tema 944 da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento ao recurso extraordinário movido por familiares de um pescador brasileiro em face da República Federativa da Alemanha.

Na 1ª instância, o juízo extinguiu a ação ordinária de ressarcimento de danos sem resolução de mérito em razão da declinação de competência, nos termos do artigo 267, VI, do CPC/1973. Por sua vez, a Quarta Turma do STJ negou seguimento ao recurso em face da decisão de 1ª instância, tendo em vista que a relativização da imunidade da jurisdição deve ser concedida por esta Corte Superior somente em ações que envolvam relações de natureza civil, comercial ou trabalhista, portanto, não abrange ato de império. Como ato de guerra constitui ato de império, não seria possível a responsabilização da Alemanha nesta ação de indenização no Poder Judiciário brasileiro.

A Corte também fundamentou seu entendimento com o precedente da Corte Internacional de Justiça, o Caso das Imunidades Jurisdicionais do Estado (Alemanha vs. Itália: Intervenção da Grécia), o qual manteve a doutrina clássica e reafirmou que ato de império é de competência absoluta e não comporta exceção à imunidade de jurisdição do Estado soberano.

Contudo, o STF decidiu pela derrotabilidade da imunidade de jurisdição  no que tange a atos de império praticados por Estado soberano, por conta de graves delitos ocorridos em violação à proteção internacional da pessoa natural (art. 4º, II e V, da CF/88). O Tribunal fundamentou-se, em síntese, no fato da imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro brasileiro ser regida pelo direito costumeiro. 

Além disso, considerando o artigo 6, b, do Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg sobre “crimes de guerra” e o artigo 6 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos sobre violação ao direito humano à vida, o STF entendeu que os atos praticados em períodos de guerra contra civis em território nacional, ainda que sejam atos de império, são ilícitos e ilegítimos.

O Tribunal também alegou que o Caso da CIJ não possui eficácia erga omnes nem vinculante, nos termos do artigo 59 do Estatuto da CIJ, bem como é distinta do caso em tela por assentar-se na reparação global. O STF adotou o entendimento do Juiz Cançado Trindade, voto vencido no julgamento, em que não há imunidade de jurisdição “para graves violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, por crimes de guerra e crimes contra a humanidade”. Nesse sentido, fixou-se a seguinte tese: “Os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos não gozam de imunidade de jurisdição”.

No dia 14 de outubro, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, opôs embargos de declaração ao STF contra o acórdão sobre o tema 944 da repercussão geral. No recurso, o Ministério Público Federal (MPF) busca esclarecimentos sobre os parâmetros de aplicação da tese adotada no julgamento do recurso extraordinário. 

Destaca-se a omissão do acórdão no que tange a restrição das possibilidades de afastamento da imunidade de jurisdição estabelecida na tese. A utilização de uma terminologia ampla como “ato ilícito” pode insinuar que as possibilidades de desconsideração da imunidade de jurisdição foi expandida para hipóteses além daquelas expressas na motivação do voto ou nos precedentes internacionais que orientaram a posição do Ministro Relator.

Os precedentes internacionais e a doutrina utilizados no voto flexibilizam a regra da imunidade de jurisdição em hipóteses bem restritas. No voto do Juiz Cançado Trindade no Caso das Imunidades Jurisdicionais do Estado, a flexibilização restringe-se aos crimes internacionais, destacando sempre sua natureza gravosa. O PGR ressalta que a utilização desse termo é mais restritiva do que a terminologia “ato ilícito”. 

À vista disso, o MPF recomenda “a adoção na tese fixada da terminologia “crimes internacionais que impliquem grave violação aos Direitos Humanos e ao Direito Humanitário” como hipótese excepcional de afastamento da imunidade de jurisdição, em consonância com as hipóteses contidas na fundamentação do voto vencedor”. Dessa forma,  há a garantia de maior segurança na aplicação da hipótese excepcional, restringindo o afastamento da imunidade de jurisdição somente às possibilidades previstas como crimes internacionais, bem como respeita os princípios da soberania das nações e as regras do Direito Costumeiro.

Outra omissão no acórdão seria a delimitação territorial da tese, em que apesar de constar em trechos da fundamentação e nos itens 3 e 8 da ementa do julgado, o alcance territorial somente aos ilícitos cometidos dentro do território brasileiro não está inserida na tese fixada. Faz-se mister a delimitação territorial em respeito aos princípios da segurança jurídica, da soberania, da não-intervenção e da igualdade entre os Estados (art. 4º, da CF/88).

Nesse ínterim, o PGR propõe a seguinte tese: “Os crimes internacionais que impliquem grave violação a Direitos Humanos e ao Direito Humanitário, praticados em território nacional por Estados estrangeiros, não gozam de imunidade de jurisdição.”

 

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