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12 setembro 2021

Sob a Presidência da Índia, o Direito do Mar entrou na agenda do Conselho de Segurança em Agosto.

Em Agosto, o Direito do Mar e o regime da CONVEMAR ganharam destaque na agenda do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Após os membros do Conselho compartilharem suas visões em relação à importância da segurança marítima e da proteção dos oceanos para uso legítimo, o Presidente do Conselho em exercício no mês de Agosto, o Primeiro-Ministro da Índia, apresentou um Presidential Statement {Declaração Presidencial} sublinhando as principais conclusões que surgiram das discussões em nome do Órgão. Dentre os vários pontos de vista interessantes compartilhados pelos 15 membros do Conselho durante o encontro, algumas declarações se destacaram devido ao envolvimento do Estado pronunciante em disputas ou controvérsias marinhas atuais, incluindo os membros permanentes do CSNU.

Vladimir Putin, Presidente da Federação Russa, afirmou que a Rússia promove uma aderência estrita às normas e aos princípios chaves, como o respeito à soberania, à não-intervenção em assuntos domésticos, e à resolução pacífica de disputas através do diálogo. Ele disse que seu país está fazendo muito para fortalecer o Estado de Direito internacional na segurança marítima, especialmente ao engajar em larga extensão nesses assuntos no âmbito das Nações Unidas e em múltiplas instâncias regionais, incluindo o Grupo de Contato sobre Pirataria na costa da Somália, o fórum regional da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), e nas cúpulas do Leste Asiático. Após reiterar a experiência da Rússia com operações antiterroristas e de prevenção de crimes, ele propôs o estabelecimento de uma estrutura especial dentro das Nações Unidas para endereçar diretamente a luta contra crimes marítimos em várias regiões, baseada no apoio pelos Estados Membros, o que iria engajar especialistas, a sociedade civil, a academia e o setor privado.[1]

O representante chinês expressou a importância de manter a segurança marítima em meio a pandemia, embora notando que alguns países estão perseguindo exclusivamente estratégias regionais na região do Pacífico Asiático, em detrimento de um plano de segurança marítimo comum. Ademais, após afirmar que a cooperação pela segurança marítima deve sustentar o princípio da “comunidade com um futuro compartilhado”, ele partiu para tocar em alguns eventos importantes que se destacaram recentemente no campo do Direito do Mar. Primeiro, ele endereçou a questão do Mar do Sul da China, apontando que “o Conselho de Segurança não é o lugar certo para discutir o problema do Mar do Sul da China”, e que com esforços conjuntos da China e dos países da ASEAN, a situação se mantém estável. Por fim, ele abordou a decisão japonesa de soltar o esgoto de Fukushima no oceano, urgindo fortemente ao Japão para que revogue sua “decisão errada”.[2]

Em um certo contraste com os dois anteriores, Anthony Blinkin, Secretário de Estado dos Estados Unidos, fez um discurso com uma visão negativa em relação a ambas as situações do Mar do Sul da China e da Criméia. Ele afirmou que os princípios da ordem marítima estão sob ameaça no Mar do Sul da China, onde existem encontros perigosos entre navios e ações provocativas para se avançar reivindicações marítimas ilegais. Outrossim, ele relembrou o Tribunal Arbitral criado cinco anos atrás, que emitiu uma “decisão unanime e legalmente vinculante, rejeitando firmemente tal expansão ilegal como inconsistente perante o direito internacional”. Além disso, ele mencionou que Estados estão ilegalmente clamando interesses no Golfo Persa e no Mar Negro, reafirmando o apoio Estadunidense à soberania da Ucrânia, e estressando que quando nações pretendem redesenhar fronteiras, elas minam a igualdade soberana dos Estados Membros, um princípio orientador das Nações Unidas.[3]

Curiosamente, o representante dos EUA afirmou que a comunidade internacional tem se beneficiado longamente da ordem marítima baseada em regras, onde a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 estabelece o quadro jurídico para as atividades no mar.[4] Os Estados Unidos, no entanto, não ratificaram a Convenção. O senado estadunidense ainda não chegou na maioria de dois terços necessária para tal ratificação, apesar dos pedidos feitos pelos presidentes Clinton, Bush e Obama em favor da aprovação.[5] A maioria dos que argumentam contra a ratificação continuam a criticar os termos do regime de mineração do fundo do mar baseados em uma preocupação única do Presidente Reagan rejeitando o tratado de 22 anos atrás.[6] Isso faz com que a posição deles seja um pouco contraditória quando criticam terceiros Estados, colocando-os em um local desconfortável.

Por fim, em 9 de Agosto, em conexão com as considerações do Conselho, o Presidente do CSNU emitiu um Presidential Statement em nome do Conselho endereçando o tópico discutido. Dentre as afirmações incluídas no documento, pode-se destacar a consideração de que “o direito internacional, como refletido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de Dezembro de 1982, estabelece o quadro legal aplicável às atividades no oceano, incluindo o combate a atividades ilícitas no mar”[7]. Esta é uma reivindicação forte considerando o quão complexo ainda é para alguns Estados aderir à CONVEMAR completamente.

Ademais, o Presidential Statement incluiu uma convocação para os Estados Membros considerarem, conforme apropriado, a ratificação, ou a ascensão a, e a implementação de diversas convenções como a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas[8] – embora a escolha de não ter incluído a CONVEMAR aqui seja uma escolha interessante.

Tendo dito isso, estes detalhes são importantes porque o Primeiro-Ministro Indiano, Presidente em exercício do Conselho para o mês de Agosto, decidiu tomar uma abordagem que buscou construir um consenso, iniciando consultas com todos os membros do CSNU meses antes para este fim.[9] Portanto, embora o regime legal da CONVEMAR seja reconhecido como um que reflete o direito internacional, a Convenção não foi incluída no parágrafo em que o documento lista um hall de tratados perante os quais os Estados Membros são chamados a ratificar e ascender – tal adição provavelmente não seria atingida por consenso. Claro, malgrado o fato de que presidential statements sejam um documento oficial do Conselho, feito pelo presidente em nome do Conselho, estes não são uma fonte vinculante no direito internacional. No entanto, ter o regime legal da CONVEMAR sendo discutido neste palco multilateral e ter todos estes Estados abordando suas posições legais perante o assunto nos encontros é, no mínimo, bem interessante.

Para concluir, isso pode ser visto como uma vitória diplomática para a Índia. Antes de Agosto, outros Estados tentaram incluir o tópico na agenda do Conselho, mas sem sucesso.[10] Agora, em um período em que vários Estados influentes estão enfrentando problemas no campo do Direito do Mar, com certeza a abordagem diplomática indiana para construir e emitir este presidential statement pode ser vista como um breve momento de alívio.

Por Augusto Guimarães Carrijo, graduando em Direito na Universidade Federal de Uberlândia, sob a orientação do Dr. Felipe Kern Moreira, diretor do IBDMAR

[1] UNITED NATIONS. Press Release – Security Council/14598, 9 August 2021. Available at: https://www.un.org/press/en/2021/sc14598.doc.htm.

[2] Idem, ibidem.

[3] Idem, ibidem.

[4] Idem, ibidem.

[5] MIRASOLA, Christopher. Why the US should Ratify UNCLOS: A view from the South and East China Seas. Harvard Law School National Security Journal. Available at: https://harvardnsj.org/2015/03/why-the-us-should-ratify-unclos-a-view-from-the-south-and-east-china-seas/.

[6] Idem, ibidem.

[7] UNITED NATIONS. Presidential Statement. S/PRST/2021/15, 9 August 2021. Available at: https://undocs.org/S/PRST/2021/15.

[8] UNITED NATIONS. Presidential Statement. S/PRST/2021/15, 9 August 2021. Available at: https://undocs.org/S/PRST/2021/15.

[9] MOHAN, Geeta. UNCLOS ‘Laws of the Seas’ at heart of UN Security Council consensus, China onboard. India Today. New Delhi, 10 Aug. 2021. Available at: https://www.indiatoday.in/india/story/unclos-law-of-sea-un-security-council-maritime-security-open-debate-india-presidency-1838903-2021-08-10.

[10] Outros Estados Membros do CSNU tentaram mover um debate sobre segurança marítima, mas sempre foram parados, principalmente pela China. Tentativas antigas pelo Vietnã (Abril de 2021) e pela Guiné Equatorial (Fevereiro de 2019) por uma discussão completa não foram bem-sucedidas. Veja: MOHAN, Geeta. UNCLOS ‘Laws of the Seas’ at heart of UN Security Council consensus, China onboard. India Today. New Delhi, 10 Aug. 2021. Available at: https://www.indiatoday.in/india/story/unclos-law-of-sea-un-security-council-maritime-security-open-debate-india-presidency-1838903-2021-08-10.

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