O futuro cenário do Direito do Mar na Corte Internacional de Justiça: do Caso Reino Unido v. Albania à atualidade
A perquirição de uma regulamentação e proteção dos oceanos é desenvolvida no plano normativo e institucional. Normativamente, são criadas regras com o objetivo de regular noções de reconhecimento mútuo entre Direito Internacional e Direito Internacional do Mar, enquanto, institucionalmente, são criados organismos internacionais especializados nas questões oceânicas. Disso ressai que o Direito Internacional do Mar não é uma disciplina recente, visto que está em crescente evolução há Séculos [1].
Historicamente, o costume foi um dos grandes desenvolvedores da compreensão normativa do Direito do Mar. Isso porque os espaços marítimos acompanham as relações entre os povos na história e no comércio. Em que pese tenha-se tentado uma sistematização do Direito do Mar, em 1856, no Congresso de Paris, à época limitou-se a buscar um regime apenas referente a navios durante conflitos e, posteriormente, com a Convenção de Genebra (1864), sobre as condições dos feridos do mar [2]. No mesmo sentido, a Conferência de Barcelona, em 1921, formulou a Convenção e o Estatuto sobre liberdade de trânsito e sobre o regime das águas navegáveis de interesse nacional, estabelecendo diretrizes comuns em matéria do uso no mar [3].
Destaca-se que até 1948 não havia ocorrido nenhuma das Conferências das Nações Unidas sobre Direito do Mar, o que torna o Caso Reino Unido V. Albânia (1948), julgado pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), órgão jurisdicional da Organização das Nações Unidas (ONU), uma importante decisão para o Direito Internacional do Mar. Trata-se de um caso submetido pelo Reino Unido à CIJ em 22 de maio de 1947 contra o Governo da República Popular da Albânia, devido a incidentes ocorridos em 1946, envolvendo os navios de guerras britânicos no Estreito de Corfu, em águas territoriais albanesas. O Reino Unido buscava a responsabilização da Albânia pela negligência ao cumprimento das obrigações e dos princípios do direito internacional.
De acordo com o contexto histórico, ocorreram dois fatos que ensejaram a submissão da demanda perante a CIJ. Ambos se relacionam com incidentes marítimos entre navios de guerra britânicos no Estreito de Corfu, em águas territoriais albanesas. O primeiro, ocorrido em maio de 1946, diz respeito ao ataque das forças albanesas a dois cruisers britânicos, que ocasionou uma tensão política entre o Reino Unido e a Albânia. É essencial destacar que este primeiro episódio não gerou danos, razão pela qual a CIJ, posteriormente, considerou apenas o segundo fato, que, por sua vez, ocorreu em outubro de 1946, com a explosão de minas submarinas acionadas pela passagem de dois destroyers do Reino Unido. Constatou-se 44 mortes de membros da tribulação britânica, como consequência da explosão. Destaca-se que a Albânia alegou que a explosão foi em razão da entrada irregular, sem aviso prévio ou autorização, dos navios britânicos em seu território [4].
Frente a isso, a marinha britânica realizou uma operação unilateral de varredura de minas em águas territoriais albanesas, em novembro de 1946. No entanto, o governo albanês afirmou que novamente não teria sido concedida autorização para a realização de tal ação, razão pela qual foi apresentado o Caso perante à CIJ, sob recomendação do Conselho de Segurança da ONU [5].
Diante desse contexto, a controvérsia foi objeto de três sentenças da CIJ. A primeira sentença, proferida em 25 de março de 1948, tratou da questão da jurisdição da CIJ e da admissibilidade da demanda apresentada pela Albânia. A segunda sentença, proferida em 9 de abril de 1949, versou sobre o mérito da controvérsia. A CIJ concluiu que a Albânia era responsável, ao abrigo do direito internacional, pelas explosões que ocorreram nas águas albanesas e pelos danos e perdas de vidas que delas resultaram.
Contudo, a CIJ não aceitou a hipótese segundo a qual a própria Albânia teria instalado as minas submarinas, nem a do conluio da Albânia com um ancoradouro que poderia ter sido executado, a pedido da Albânia, pela marinha iugoslava. Por outro lado, acolheu a reclamação relativa ao fato de ter sido regulamentado sem o conhecimento do Governo albanês. Em uma terceira sentença, proferida em 15 de dezembro de 1949, a CIJ fixou o montante das indenizações devidas pela Albânia ao Reino Unido. Por fim, a Albânia foi condenada a pagar a soma de 844.000 Euros.
É possível concluir que o referido precedente é substantivo não apenas por ter sido a primeira demanda contenciosa julgada pela CIJ, mas também por ter proporcionado diretrizes à responsabilidade internacional dos Estados, em razão de ações violentas cometidas em alto mar, o que influenciou o desenvolvimento do próprio Direito Internacional do Mar.
A propósito, em um lapso temporal posterior, ocorreu a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar (1958), que foi responsável pela futura celebração de quatro convenções sobre o Direito do Mar. Durante a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar (1960), porém, não foi convencionado nenhum acordo entre os Estados participantes. A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar (1973), contribuiu à perquirição de um regime internacional eficaz dos oceanos, além de definir regras claras na atribuição da jurisdição nacional para julgar a matéria [6].
No entanto, somente em 1982, os resultados da Terceira Conferência surtiram efeito, resultando na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) – também conhecida como Convenção Montego Bay, entrando em vigor doze meses mais tarde, em 16 de novembro de 1994, ou seja, doze anos após sua aprovação [7]. A Convenção de Montego Bay, por sua vez, caracteriza-se por ser um tratado multilateral responsável por definir e codificar importantes conceitos referentes a questões marítimas, como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental e outros, estabelecendo os princípios gerais da exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e os do subsolo marinho.
Ademais, a Convenção de Montego Bay foi responsável pela criação do Tribunal Internacional do Direito do Mar, competente para julgar as controvérsias relativas à interpretação e à aplicação das suas disposições. O Tribunal está regulamentado pela CNUDM, pelo seu Estatuto (Anexo VI da CNUDM) e pelo seu Regulamento, adotado pelo próprio Tribunal [8].
Veja-se que anos depois foi regulamentado por meio do artigo 38 (2) da CNUDM [9] o direito de passagem em trânsito, que significa o exercício, de conformidade com a Parte III da CNUDM, da liberdade de navegação e sobrevoo exclusivamente para fins de trânsito contínuo e rápido pelo estreito entre uma parte do alto mar ou de uma zona econômica exclusiva.
No entanto, a exigência de trânsito contínuo e rápido não impede a passagem pelo estreito para entrar no território do Estado ribeirinho ou dele sair ou a ele regressar sujeito às condições que regem a entrada no território desse Estado. Isso reforça a fragilidade do argumento da Albânia quanto à suposta entrada irregular do Reino Unido no seu território e, por essa razão, teria ocorrido a explosão. Segundo a CNUDM – que se tornou vigente somente após o julgamento do caso em análise, o Reino Unido possui o direito de passagem em trânsito e de liberdade de navegação.
Outrossim, observada a abrangência reduzida do estudo, conclui-se que o Direito Internacional do Mar está em constante evolução, sendo que nos últimos anos passou a ser campo normativo fundamental como reflexo de uma sociedade global, cujas preocupações e discursos universais permeiam a solidariedade humana [10]. E, quanto aos limites de uma interpretação evolutiva no Direito Internacional do Mar [11], deve-se admitir uma concepção pluridimensional [12], que fortaleça o crescimento da doutrina especializada, da codificação de normas internacionais e da jurisprudência por meio dos tribunais internacionais.
Por Murilo Borges, bacharelando em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público e em Relações Internacionais no Centro Universitário Internacional, sob a orientação e supervisão do Prof. Dr. Leonardo de Camargo Subtil, Vice-Presidente do IBDMar.
REFERÊNCIAS
[1] SUBTIL, Leonardo. Por um Sistema de Direito Internacional do Mar: Entre o Imaginário e as Controvérsias. In: MENEZES, Wagner. O Estudo do Direito do Mar no Brasil. ARRAES Editores em Revista, p. 96-98, 2021, p. 97. Disponível em: <https://issuu.com/arraeseditores/docs/revistaarraes2021_completo>. Acesso em: 16 ago. 2021.
[2] MENEZES, Wagner. O direito do mar. Brasília: FUNAG, 2015, p. 23.
[3] MENEZES, Wagner. Ibidem, p. 24.
[4] CIJ, Cour Internationale de Justice. Détroit de Corfou (Royaume-Uni de Grande-Bretagne et d’Irlande du Nord c. Albanie). Arrêt du 9 avril 1949. Disponível em: <https://www.icj-cij.org/fr/affaire/1>. Acesso em: 05 ago. 2021.
[5] ROMAY, Giulia; VEIGA, Victor Tozetto da. Uso da Força #3: o caso do Estreito de Corfu (Reino Unido v. Albania). Cosmopolita, 2020. Disponível em: <https://www.cosmopolita.org/post/uso-da-for%C3%A7a-3-o-caso-do-estreito-de-corfu-reino-unido-v-albania-1949>. Acesso em: 05 ago. 2021.
[6] MENEZES, Wagner. O direito do mar. Brasília: FUNAG, 2015, p. 31.
[7] MENEZES, Wagner. Ibidem, p. 32.
[8] ZANELLA, Tiago Vinicius. Direito do Mar: Fundamentos e Conceitos Normativos. 2 ed. Amazon: São Paulo, 2021. p. 77.
[9] ONU, Organização das Nações Unidas. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica, 10 de dezembro de 1982. Disponível em: <http://www.iea.usp.br/noticias/documentos/convencao-onu-mar>. Acesso em: 05 ago. 2021.
[10] MENEZES, Wagner. O direito do mar. Brasília: FUNAG, 2015, p. 215.
[11] SUBTIL, Leonardo. Por um Sistema de Direito Internacional do Mar: Entre o Imaginário e as Controvérsias. In: MENEZES, Wagner. O Estudo do Direito do Mar no Brasil. ARRAES Editores em Revista, p. 96-98, 2021, p. 97. Disponível em: <https://issuu.com/arraeseditores/docs/revistaarraes2021_completo>. Acesso em: 16 ago. 2021.
[12] DUPUY, Pierre-Marie. L’unité de l’ordre juridique international. In: Recueil des cours de l’Académie du droit international de La Haye, v. 297, 2002. p. 09-490.