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18 setembro 2021

A ciência e o vasto oceano por descobrir diante de nós

By Samira Scoton
Doutoranda em Estudos Marítimos (PPGEM/EGN); Mestre em Segurança Internacional e Defesa (PPGSID/ESG); Pesquisadora do Grupo Economia do Mar (GEM); do Laboratório de Simulações e Cenários (LSC/EGN); e do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Direito Internacional do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (NEPEDIMA/UERJ); Advogada (FND/UFRJ).


A coluna desse mês é mais uma reflexão do que propriamente uma tentativa de trazer à tona questões pulsantes (e talvez alarmantes) relacionadas ao oceano. Desde que iniciei minhas colunas, adotei a postura de abordar os temas de forma menos acadêmica, mais leve e com um pouquinho de poesia (quando possível), de forma que, tanto os leitores imersos quanto os emersos na temática do oceano pudessem entender pouco de toda essa problemática. Esse mês, no entanto, decidi trazer à tona um tema bastante espinhoso: a divulgação da ciência para além dos centros de pesquisa.

Nos últimos tempos a importância da ciência tem sido questionada de forma veemente por parcela da população. Isso é bastante inquietante, principalmente para quem trabalha dia e noite para produzir conhecimento visando trazer progressos para a sociedade. Na cabeça do cientista (e eu me coloco nesse grupo) é inacreditável que se questione a importância da ciência.

Se tem algo que um cientista faz é questionar. Questiona-se o método, a aplicação, a teoria, o problema… É tanta pergunta que nossa mente não para. Mas jamais questiona-se a importância da ciência. A partir dessa observação, me percebi pensando (e questionando) o porquê disso. Será que nós, cientistas, temos uma parcela de responsabilidade nessa atual realidade? Seria uma questão de comunicação?

Um idioma é construído por várias linguagens e, talvez, a linguagem acadêmica em geral não seja acessível às pessoas. É necessário envolver, gerar o sentimento de pertencimento e proximidade para que quem não trabalha no dia a dia produzindo ciência, se sinta parte dela. E assim, questione os problemas e os métodos, mas não a sua importância.

Para isso foram pensados programas de extensão das Universidades. Mas até onde eles são tão inclusivos assim? Até onde chega à extensão de um programa de extensão? Eles são necessários, porém, ao invés de se expandirem, são cortados a cada dia pela falta de verba destinada à educação, resultando em um distanciamento sociedade-universidade cada vez maior. Transformando em universos distintos.

Dentro dos muros das Universidades e das paredes dos laboratórios e bibliotecas, estão cientistas questionando problemas e pensando soluções às quais a sociedade sequer terá acesso ao debate. À menos que leiam publicações voltadas para a comunidade científica. Mas quem lê esses trabalhos que não os acadêmicos? Temos aí outro problema: as pessoas (i) não sabem que elas existem, (ii) se sabem que existem, não sabem onde procurá-las, (iii) se sabem onde procurá-las, não sabem como fazê-lo. Uma vez mais, um abismo. Universos diferentes.

E o que isso tem a ver com o oceano? Embora o Brasil tenha o mar como sua maior fronteira em extensão, nem todos tem acesso a ele. Dos que têm acesso, poucos entendem a dimensão das riquezas que se pode encontrar ali. Não é algo que pode se observar de forma relativamente fácil, como a mata do cerrado ou a floresta amazônica. Corroborando com esse ponto, inclusive, foi cunhado o termo Amazônia Azul[1], nos anos 2000, para conscientizar a população brasileira sobre a grandeza das riquezas existentes no mar brasileiro a partir de uma analogia com a Amazônia Verde.

Além disso, a Década das Nações Unidas para a Ciência Oceânica[2] tem, dentre suas metas, um oceano conhecido e valorizado. Vejam como tudo está atrelado. Uma década voltada para o desenvolvimento da ciência oceânica buscando minimizar a degradação do oceano que tem como uma das metas um oceano conhecido e valorizado. Para que seja possível valorizar os mares, é impossível desatrelar a produção de conhecimento por meio da ciência, do conhecimento transferido à população. É um ciclo virtuoso do qual não se pode distanciar. A Década iniciou esse ano. Ainda há tempo.

Ainda na corrente das agendas internacionais que estão em voga, não se pode deixar de mencionar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº4 da Agenda 2030, intitulado “educação de qualidade”[3].  Esse ODS visa assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, inclusive, ampliando o acesso à educação para pessoas vulneráveis. Essa proposta é, também, uma forma de plantar o grão de areia da curiosidade para que estudantes de todas as idades tenham interesse na ciência, além de possibilitar que todos possam acessar os meios de conhecer a produção científica.

Por fim, sugiro que nós, cientistas, façamos uma autoanálise sobre nossa forma de agir. Falar com a população de forma clara e com linguagem compreensível deve ser, sim, uma agenda nossa. O desenvolvimento da ciência voltada para o oceano deve incluir a conscientização das pessoas que não estão imersas nesses temas. Conhecendo e estando consciente sobre o problema é possível que a própria população pressione os governos por políticas públicas mais eficazes a respeito desse tema. E para isso, as pessoas devem se sentir que estão contribuindo para uma possível mudança.

Em outras palavras, não cabe a nós apenas a missão de construir conhecimento, cabe a nós saber conversar com pessoas de fora da área acadêmica, nos fazer entender, inclusive, por aqueles que nunca molharam seus pés no mar. É uma questão de criar meios e linguagem para que todos se sintam parte dessa grande narrativa que constrói o respeito pelo oceano.


* Fonte da imagem de capa: Freepik. Disponível em https://br.freepik.com/fotos-gratis/planeta-terra-na-praia-arenosa_945173.htm.

[1] CARVALHO, Roberto de Guimarães. A outra Amazônia. Folha de São Paulo. São Paulo, 25 fev. 2004.
[2] UNITED NATIONS – UN. International (UN) Decade of Ocean Science for Sustainable Development. Resolution adopted by the IOC Assembly at its 29th Session, Paris, 21–29 June 2017, (Resolution XXIX-1), 2017
[3] UNITED NATIONS – UN. Ensure inclusive and equitable quality education and promote lifelong learning opportunities for all. Disponível em https://sdgs.un.org/goals/goal4.
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