Caso de pesqueiro torpedeado por submarino nazista: imunidade de jurisdição alemã é afastada pelo STF
No último mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu, por maioria, o recurso extraordinário movido por familiares de um pescador brasileiro em face da República Federativa da Alemanha, pleiteando ressarcimento por danos morais e materiais pela morte de familiar em torpedeamento ocorrido em 1943.
O Tribunal julgou procedente o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 954.858, com repercussão geral (Tema 944), no que tange ao “alcance da imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro em relação a ato de império ofensivo ao direito internacional da pessoa humana”.
Conforme a relatoria do Ministro Edson Fachin, “trata-se de definir a possibilidade de submissão de Estado soberano à solução de lide promovida pelo Poder Judiciário de outra estatalidade, à luz da igualdade jurídica entre os Estados na sociedade internacional, nos termos do art. 4º, V, do Texto Constitucional”. No caso em tela seria a possibilidade aos familiares do pescador de ajuizarem ação indenizatória em face da Alemanha no Poder Judiciário brasileiro.
ORIGEM DO CASO
Em 31 de julho de 1943, durante a 2ª Guerra Mundial, o submarino nazista U-199, comandado por Hans Werner Kraus, bombardeou o barco pesqueiro Changri-lá dentro do mar territorial brasileiro, próximo a Costa de Cabo Frio – RJ. O ataque causou a morte dos 10 pesqueiros a bordo, dentre eles, Deocleciano Pereira da Costa.
No ano de 2001, o Tribunal Marítimo reconheceu oficialmente que a causa do naufrágio do Changri-lá foi o torpedeamento do submarino. A princípio, o processo 812/1943 tinha sido arquivado, em 1944, dada a insuficiência de provas. Todavia, o caso foi reaberto em razão do surgimento de novos documentos trazidos pelo historiador Elísio Gomes, comprovando o ataque ao Changri-lá pelo U-199.
Em 2006, os descendentes do pescador Deocleciano ajuizaram uma ação de ressarcimento por danos morais e materiais em face da República Federal da Alemanha pela morte do familiar no bombardeio. Na 1ª instância, o juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro extinguiu a ação sem resolução de mérito em razão da declinação de competência, conforme o artigo 267, VI, do CPC/1973.
Nos termos do artigo 105, II c, da CF/88, os familiares interpuseram recurso ordinário constitucional ao STJ, o qual não foi acolhido uma vez que a Corte não responsabiliza Estado estrangeiro por ato de guerra, como previsto no artigo 557 do CPC/1973.
Nesse diapasão, a família impetrou recurso extraordinário no STF, alegando violação dos artigos 1º, III, 3º, IV, 4º, II, IV e V, 5º, II, XXXV e LIV, e 133, da CF/88. Todavia, o Vice-Presidente do STJ não admitiu o recurso. Por fim, a parte impetrou um agravo contra essa decisão de inadmissibilidade, sendo fixada a seguinte tese de repercussão geral pela Corte: “Os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos não gozam de imunidade de jurisdição”.
Notícia produzida por Izabela Saralha Friguetto, estagiária do IBDMAR, sob a supervisão do Prof. Dr. André de Paiva Toledo, Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, Diretor do IBDMAR.