Evitando uma “Corrida do Ouro” na Área
Por Julia Cirne Lima Weston
LL.M in International Law at University College London, Assistant Researcher in International Law and Moot Court Coach.
Nesta semana, esta autora deparou-se com uma notícia de um blog relacionado a assuntos de energia chamado Oil Price, cujo título era: “Deep Sea Mining Is An $8 Trillion Opportunity” (Mineração do Leito Marinho é uma oportunidade de 8 Trilhões de Dólares).[1] A chamada da matéria definitivamente cumpriu seu papel de surpreender o observador desavisado. Alguém que não acompanhe os debates atuais em Direito do Mar pode ter se perguntado: por que estamos parados em cima de tanta riqueza e ainda não fizemos nada?
Mas a verdade é, como nós, profissionais de Direito do Mar sabemos, mais profunda que isso (trocadilho proposital). De fato, não sabíamos sob o que estávamos parados até recentemente, quando contratos de exploração foram concedidos pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) e Estados puderam finalmente mandar seus cientistas e equipamento para descobrir.
Não foi até ser negociada a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 (UNCLOS) que os Estados tinham decidido o que fazer com o espaço de terra que agora chamamos de Área. Através das palavras do Embaixador maltês Arvid Pardo, o que antes era uma ‘terra de ninguém’ tornou-se a Área. [2] Por meio destas palavras e de sua codificação posterior, os benefícios da exploração e explotação do leito marinho foram destinados ao ‘benefício da humanidade’.[3]
Com a UNCLOS, foi estabelecido um regulamento sólido que conseguiu, com sucesso, evitar a exploração unilateral da Área por Estados cujas tecnologias possibilitariam que o fizessem, se assim quisessem, muito antes dos Estados em desenvolvimento. [4] Também foram elaboradas algumas regras de base importantes, especialmente relacionadas ao meio ambiente marinho e como ele deve ser respeitado dentro da Área. [5]
Outro aspecto importante que foi muito bem-vindo em termos de desenvolvimento do regulamento da UNCLOS para a Área foi a Opinião Consultiva emitida pelo Tribunal Internacional do Direito do Mar (TIDM). Nela, o Tribunal conseguiu esclarecer quais seriam as responsabilidades e obrigações de Estados partes quando se trata de patrocínio de atividades na Área. [6]
Dentre as responsabilidades que devem ser asseguradas por Estados em relação às suas entidades patrocinadas na Área, algumas chamam a atenção quando falamos de uma abordagem cuidadosa em relação aos recursos da Área. Estas são as de aplicar o princípio da precaução e melhores práticas ambientais. [7] Isto é especialmente importante quando discutimos a Área, já que ainda desconhecemos a dimensão dos impactos humanos sobre a biodiversidade da Área que havia, até agora, ficado intacta em relação a impactos humanos direto.
Esta coluna chama a atenção à importância do uso da precaução quando falamos sobre a Área. Afinal, como ainda estamos em uma fase de exploração, ainda estamos esclarecendo quais serão os possíveis impactos que a mineração do leito marinho terá no bioma.
A necessidade de agir com cuidado, na visão desta autora, é uma das grandes lições a serem aprendidas com a Opinião Consultiva do TIDM. Afinal, vivemos no contexto do II World Ocean Assessment e do Relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), que nos deram uma noção do estado dramático no qual estamos. O nível do mar está subido através do globo devido às emissões de carbono. [8] Os oceanos estão sofrendo com acidificação, assim como com outros impactos humanos, como a poluição de suas várias formas e as comunidades costeiras, por consequência, estão em perigo. [9]
A partir destes relatórios, é indubitável o fato de que a influência humana no meio ambiente já teve seus impactos negativos. Isto acrescenta às razões pelas quais nós devemos evitar causar mais impactos adversos devido à atividade humana o máximo possível, ao seguirmos em frente.
É claro que os ganhos que podemos obter a partir da Área, principalmente para um mundo cada vez mais movido por baterias, são imensos. [10] E isto é por um bom motivo, já que a busca por mais baterias, como no caso do uso para veículos elétricos, também é voltada a diminuir a nossa pegada de carbono e para cumprir com regulamentos de controle de mudanças climáticas, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. [11] Mais razões ainda para nós buscarmos dar o nosso melhor para não causar mais impactos ambientais enquanto tentamos evitar outros.
Tanto a UNCLOS quanto a jurisprudência internacional nos determinam que devemos ser cuidadosos. Enquanto há muito a ser ganho com a explotação da Área, ainda há muito o que se levar em consideração, especialmente o seu ambiente especial. Portanto, devemos nos ater à nossa regulamentação, sendo o mais cuidadosos que pudermos antes que a explotação comece, evitando assim uma próxima ‘Corrida do Ouro’ para dentro da Área, apesar dos desejados lucros financeiros que podemos obter dela, tais como os mencionados pela reportagem mencionada no início da coluna.
Imagem de capa disponível em: https://earth.org/deep-sea-mining-worlds-oceans-facing-a-new-threat/
[1] OIL PRICE. Deep Sea Mining Is An $8 Trillion Opportunity. Disponível emt: <https://oilprice.com/Metals/Commodities/Deep-Sea-Mining-Is-A-8-Trillion-Opportunity.html>.
[2] UNITED NATIONS. United Nations General Assembly, Twenty-Second Session, First Committee, 1515th Meeting. Disponível em: <https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/pardo_ga1967.pdf>.
[3] UNITED NATIONS. United Nations Convention on the Law of the Sea of 1982. Disponível em: < https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf>.
[4] INTERNATIONAL SEABED AUTHORITY. About the ISA. Disponível em: < https://www.isa.org.jm/about-isa>.
[5] UNITED NATIONS. United Nations Convention on the Law of the Sea of 1982. Disponível em: < https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf>.
[6] INTERNATIONAL TRIBUNAL FOR THE LAW OF THE SEA. Responsibilities and obligations of States sponsoring persons and entities with respect to activities in the Area Advisory Opinion. Disponível em: <
[7] ibid.
[8] INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Climate change widespread, rapid, and intensifying – IPCC. Disponível em: < https://www.ipcc.ch/2021/08/09/ar6-wg1-20210809-pr/>.
[9] INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Climate change widespread, rapid, and intensifying – IPCC. Disponível em: < https://www.ipcc.ch/2021/08/09/ar6-wg1-20210809-pr/>; UNITED NATIONS. The Second World Ocean Assessment. Disponível em: < https://www.un.org/regularprocess/sites/www.un.org.regularprocess/files/2011859-e-woa-ii-vol-ii.pdf>.
[10] THE METALS COMPANY. Nodules. Disponível em: <https://metals.co/nodules/>.
[11] Ibid. UNITED NATIONS. United Nations Framework Convention on Climate Change. Disponível em: < https://unfccc.int/resource/docs/convkp/conveng.pdf>.