Um novo impulso na direção da mineração de fundos marinhos
Por Bruno Costelini
Oceanógrafo e doutorando em Direito pela Universidade de Durham, Reino Unido
Em minha última coluna mencionei como em alguma altura a realidade sempre se impõe, e como a natureza dos efeitos da ação humana sobre os oceanos eventualmente supera todos os limites e fronteiras artificialmente estabelecidas pela CNUDM ou quaisquer outras regulações internacionais. Nessa semana acabamos de testemunhar o contrário, quando a República de Nauru enviou um comunicado à Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês), invocando uma cláusula do Acordo de Implementação (IA) disparando um gatilho de dois anos para que as regulações para explotação sejam finalizadas. Aqui vemos, portanto, o Direito Internacional tentando se sobrepor às realidades da mineração de fundos marinhos.
Quando o IA foi assinado há mais de 27 anos ele buscava apaziguar alguns dos Estados mais ligados a questões comerciais, efetivamente eliminando muitas das atribuições concebidas para a ISA e sua Empresa. Ao fazê-lo, substituiu um sistema centralizado de exploração e explotação por uma arquitetura institucional do tipo regulatória, em linha com o pensamento liberal capitalista que havia superado os arranjos institucionais mais “socialistas” e “cooperativos” imaginados pelos negociadores da CNUDM.
Daí a existência de cláusulas como essa agora invocada por Nauru, uma pequena ilha do Pacífico sem capacidade própria real de minerar, mas que se associou com a empresa canadense DeepGreen Metals. Na carta, o Presidente de Nauru informa a ISA de sua intenção de submeter um Plano de Trabalho para explotação dentro de dois anos, em conformidade com a Seção 1, 15 (b) do IA.[1]
Esse dispositivo funciona como um mecanismo de gatilho, forçando a aprovação de regulações uma vez que um Estado que presumivelmente já conduziu atividades de exploração pelo período regular, agora se mostra disposto e interessado em partir para as atividades comerciais de explotação. Mecanismos similares já foram acionados no passado levando às negociações para as regulações de exploração em 1999, e para a extensão dos contratos de exploração de 10 para 15 anos. Mas agora esses prazos estão chegando ao fim e Nauru está tornando públicos seus planos.[2]
Isso levou a uma série de notícias e alertas de grupos ambientalistas de que a explotação poderia começar imediatamente, cedo demais uma vez que a tecnologia ainda não estaria suficientemente madura e as regulações não finalizadas, embora estejam sendo negociadas há mais de cinco anos. Estas últimas vêm se arrastando desde o início da pandemia, mas a sua parte principal está bem delineada e as recomendações ambientais acabaram de passar por uma rodada de consulta pública, cujos resultados ainda precisam ser apreciados.[3]
O fato é que nosso conhecimento dos fundos marinhos continua precário. Ainda que enormes quantidades de dados tenham sido obtidas pelos contratantes durante seus contratos de exploração e centralizados pela Autoridade, nenhuma análise de impacto real ainda viu a luz do dia. O projeto MiningImpact, financiado pela União Europeia e levado a cabo por cientistas alemães é o mais perto que temos disso. Ele compreende uma simulação de mineração de pequena escala, feita nos anos de 1980, com tecnologia que provavelmente já é obsoleta, e mesmo assim, até hoje o meio ambiente naquele espaço não se recuperou.[4]
Em todo caso, a cláusula do IA não significa que a aprovação dos Planos de Trabalho propostos por Nauru ou qualquer outro Estado será acelerada, mas sim que que sua avaliação será feita de acordo com as regulações que tenham sido adotadas provisoriamente, bem como com a Convenção e outras regulações da ISA. Em teoria, isso pode significar uma adaptação das atuais regulações de exploração para a explotação.
Mas mesmo que esse seja o caso, ainda assim a ISA precisa trabalhar duro para conseguir finalizar as regulações em tempo, permitindo assim uma análise mais específica e consistente dos Planos que eventualmente sejam propostos. Se eles seguirem os princípios da precaução e demais cláusulas ambientais da CNUDM, isso deveria ser o suficiente para que qualquer Plano pouco confiável fosse rejeitado, ou ter seus elementos alterados para atender a padrões que não provoquem danos ao meio ambiente.
Na prática, contudo, o futuro ainda é imprevisível. Num cenário ideal, estaríamos vendo simulações e modelagens sendo feitas antes que qualquer Plano de Trabalho entrasse em operação. Dados de base, não apenas das áreas diretamente afetadas, mas de grandes porções dos fundos marinhos, bem como da coluna d’água, deveriam ser coletados por anos, os ecossistemas melhor compreendidos e suas conexões melhor exploradas, a fim de que tivéssemos uma estimativa real do valor de se proceder com a mineração vis-à-vis as pegadas antropogênicas que serão geradas. Se o Direito se impuser agora, certamente uma hora a realidade retomará seu lugar, e aí teremos que dar conta de nossas escolhas.
[1] Vide o release para a imprensa da ISA: https://www.isa.org.jm/index.php/news/nauru-requests-president-isa-council-complete-adoption-rules-regulations-and-procedures
[2] 15.A Autoridade elaborará e adotará, em conformidade com o Artigo 162, parágrafo 2 o) ii) da Convenção, normas, regulamentos e procedimentos baseados nos princípios contidos nas Seções 2, 5, 6, 7 e 8 deste Anexo, assim como quaisquer normas, regulamentos e procedimentos adicionais que sejam necessários para facilitar a aprovação de planos de trabalho para exploração ou aproveitamento, nos seguintes termos:
- a) O Conselho poderá empreender a elaboração de tais normas, regulamentos ou procedimentos no momento em que considere que sejam necessários para a realização de atividades na Área, ou quando determine que a exploração comercial seja iminente, ou ainda por solicitação de um Estado cujo nacional tencione solicitar a aprovação de um plano de trabalho para aproveitamento;
- b) Se uma solicitação for feita por um Estado referido na alínea a), o Conselho, em conformidade com o Artigo 162, parágrafo 2 o), da Convenção, completará a adoção de tais normas, regulamentos e procedimentos dentro dos dois anos seguintes ao pedido;
- c) Caso o Conselho não tenha finalizado a elaboração das normas, regulamentos e procedimentos relativos ao aproveitamento dentro do prazo prescrito, e esteja pendente a aprovação de uma solicitação de plano de trabalho para aproveitamento, esse órgão de toda maneira deverá considerar e aprovar provisoriamente tal plano de trabalho com base nos dispositivos da Convenção e quaisquer normas, regulamentos e procedimentos que o Conselho tenha adotado provisoriamente, ou com base nas normas da Convenção e nos termos e princípios deste Anexo, bem como no princípio de não-discriminação entre os operadores.
[3] https://www.theguardian.com/world/2021/jun/30/deep-sea-mining-could-start-in-two-years-after-pacific-nation-of-nauru-gives-un-ultimatum
https://www.bbc.com/news/science-environment-57687129
[4] https://miningimpact.geomar.de/