Rafting de plástico: espécies invasoras “pegam carona” em lixo oceânico
O tsunami que ocorreu no Japão em 2011, ocasionou graves consequências, entre elas a morte de quase 16.000 pessoas, destruindo casas e infraestrutura e levando mais de 5 milhões de toneladas de destroços para o mar[1]. Dez anos após o ocorrido, os sedimentos levados pelo desastre natural hoje são encontrados em diversas áreas do oceano Pacífico, atingindo a costa do Havaí, do Alasca e da Califórnia. Em conjunto com os resíduos sólidos, várias espécies da fauna foram deslocadas, originando uma rota para espécies invasoras.
O Centro de Pesquisa Ambiental Smithsonian (Smithsonian Center for Environmental Research), registrou em 2017 que 289 espécies marinhas japonesas, como caramujos marinhos, anêmonas do mar e isópodes, um tipo de crustáceo[2], foram deslocadas para costas distantes após o tsunami, o que é chamado de um evento de “rafting em massa”.
De acordo com a professora Bella Galil, curadora do Museu Steinhardt de História Natural, Universidade de Tel Aviv, o rafting ou “dispersão oceânica” é um fenômeno natural, antes tido como um processo evolutivo raro e esporádico, que tem se tornado cotidiano a partir da ação humana. O tsunami também trouxe uma novidade: muitos dos animais sobreviveram mais de seis anos à deriva, mais tempo do que se pensava ser possível.
Os organismos marinhos “pegam carona” no lixo marinho e viajam centenas de quilômetros. Além de afetar adversamente habitats críticos, Galil afirma, que alguns são “nocivos, venenosos ou venenosos e representam ameaças claras à saúde humana”. Como por exemplo, os ouriços-do-mar de espinhos longos e medusas nômades, ambos venenosos e nativos do oceano Índico, são duas espécies que agora causam danos no Mediterrâneo[3].
Ademais, as espécies invasoras podem colocar ainda mais pressão sobre os ecossistemas, já estressados pela pesca predatória e poluição. Segundo David Barnes, ecologista marinho bentônico do British Antarctic Survey e professor visitante na Universidade de Cambridge, ao jornal britânico The Guardian[4], afirmou que o rafting aumenta o “risco de extinção [enquanto] reduz a biodiversidade, função do ecossistema e resiliência”.
Ato contínuo, Barnes afirma ainda que encontrou espécies invasoras até em jangadas de plástico no Oceano Antártico, contradizendo a ideia de que as temperaturas congelantes da Antártica afastaria os invasores. A Antártica pode ser particularmente sensível a essas invasões, com suas espécies endêmicas evoluindo quase isoladas e dentro de uma faixa muito restrita de condições ambientais.
Relevante pois questionar quem seria responsável pelo problema do plástico nos oceanos que tem ocasionado o rafting e como mitigá-lo. Existem várias respostas ou tentativas a essa indagação. No contexto do canal de Suez, Galil afirma: “Se aderirmos ao princípio do ‘poluidor-pagador’, a Europa será cúmplice: o canal serve principalmente a esse continente”. Segundo ela, a medida mais eficiente seria uma redução imediata da quantidade de plásticos no meio ambiente e “uma proibição estrita de despejo no oceano”.
Uma ferramenta que pode ajudar é a tecnologia de rastreamento para localizar a origem dos resíduos, como o Sistema Integrado de Observação de Detritos Marinhos (IMDOS). O mesmo trata-se de um sistema, que ainda não foi implementado, que combina imagens de satélite, pesquisas de arrasto, observações de navios e dados enviados a várias organizações para rastrear lixo marinho[5]. Outra medida seria padronizar o monitoramento do plástico marinho, o que propõe o Floating Ocean Ecosystems (FloatEco), que se trata de um projeto multidisciplinar, financiado de forma parcial pela Nasa, “que visa descrever melhor a dinâmica física e biológica dos plásticos flutuantes no oceano aberto e suas propriedades emergentes como um novo ecossistema marinho” [6].
Iniciativas importantes para monitorar os resíduos no oceano e mitigar seu despejo são capitaneados por organizações como a Ospar [7], que agrupa 15 governos e a União Europeia, com o intuito de cooperar na proteção ambiental do Nordeste do Oceano Atlântico. Conforme disse Eva Blidberg, ex-líder do projeto Blastic[8] para o jornal The Guardian[9], “um problema global como o lixo plástico marinho e todos os desafios que ele cria é impossível de resolver sem colaboração”.
O problema se majorou com a pandemia. Com o aumentou da demanda por produtos plásticos biomédicos estima-se que tenha ocorrido o descarte diário de 1,6 milhão de toneladas de equipamentos de proteção individual descartáveis, alguns dos quais acabam no oceano. Com diz diz Blidberg, o monitoramento e a colaboração são importantes, contudo: “O mais importante é eliminar de vez o lixo marinho”.
Por Rayanne Reis Rêgo Cutrim, estagiária do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR), sob supervisão da Doutoranda Luciana Coelho.
REFERÊNCIAS:
Isabela. Espécies invasoras estão pegando “carona” no lixo ocêanico, ameaçando sobrevivência de animais nativos. Ecycle. Disponível em:< https://www.ecycle.com.br/especies-invasoras-estao-pegando-carona-no-lixo-oceanico-ameacando-sobrevivencia-de-animais-nativos/>. Acesso em: 29 de junho de 2021.
KATSANEVAKIS Stylianos Marios; CROCETTA Fabio. Pathways of introduction of marine alien species in Europe and the Mediterranean – a possible undermined role of marine litter. CIESM; 2014. p. 61-68. JRC90466. JRC Publications Repository. Disponível em:< https://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/JRC90466>. Acesso em: 29 de junho 2021.
KIESSLING, Tim; GUTOW, LARS; THIEL, Martin. Marine Litter as Habitat and Dispersal Vector. Marine Anthropogenic Litter,141-181. 02 de junho de 2015. Disponível em:< https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-319-16510-3_6>. Acesso em: 28 de junho de 2021.
Plastic rafting: the invasive species hitching a ride on ocean litter. The Guardian. 14 de junho de 2021. Disponível em: < https://www.theguardian.com/environment/2021/jun/14/plastic-rafting-the-invasive-species-hitching-a-ride-on-ocean-litter>. Acesso em: 27 de junho 2021.
SABATINNI, Amadeo. Rafting plástico: especies invasoras pueden cruzar el Pacífico navegando sobre deshechos. Cba24n. 14 de junho de 2021. Disponível em:< https://www.cba24n.com.ar/internacionales/rafting-plastico–especies-invasoras-pueden-cruzar-el-pacifico-navegando-sobre-deshechos_a60c72fd5a78ebe63d0ba51c7>. Acesso em: 28 de junho de 2021.