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30 junho 2021

A voz do oceano: o som predominante não é mais o da biodiversidade.

Por: Samira Scoton.
Doutoranda em Estudos Marítimos (PPGEM/EGN); Mestre em Segurança Internacional e Defesa (PPGSID/ESG); Pesquisadora do LSC/EGN e do NEPEDI/UERJ; Advogada (FND/UFRJ).


As atividades desempenhadas pelo ser humano estão interferindo na vida marinha. Essa afirmação, por si só, não é novidade alguma, visto que as atividades do ser humano no oceano são parte da nossa própria história. Na coluna desse mês, gostaria de trazer a problemática dos ruídos subaquáticos antropogênicos, ou seja, da poluição sonora causada pelas atividades humanas nos oceanos. Em artigo[1] publicado na Science, no primeiro semestre de 2021, apontou-se que desde a revolução industrial os oceanos se tornaram substancialmente mais barulhentos.

O estudo aponta para dois fatores que intensificam o problema: o desenvolvimento de atividades relacionadas a infraestrutura – tais como produção de energia, construção, motores de navios, sonar ativo, pesquisas sísmicas, sons sintéticos e dispositivos acústicos de dissuasão –, que aumentam os sons antropogênicos; e a redução dos sons de origem biológica (biofonia) devido caça, pesca e degradação dos habitats.

Além disso, as mudanças climáticas também têm afetado os sons naturais da biodiversidade, interferindo na fisiologia, no comportamento, na alimentação e, consequentemente, impactando a sobrevivência das espécies. Não é necessário ser um especialista em lógica ou em matemática para perceber que essa conta não fecha.

No oceano, som permite queas espécies sobrevivam. Isso porque o som se propaga em ambiente marinho de forma a alcançar maiores distâncias e é por meio dele que animais, desde invertebrados até grandes mamíferos (como as baleias), incluindo pássaros e répteis, exploram e interpretam o ambiente, além de interagir com outras espécies. Devido à queda massiva do número de animais que produzem som, aliado aos ruídos antropogênicos e aos efeitos das mudanças climáticas, as paisagens sonoras do oceano estão mudando e impactando a biodiversidade marinha.

Quando falamos em comunicação por meio do som, imediatamente pensamos nas baleias. Elas se comunicam pelo som, havendo estudos sobre a frequência sonora que elas precisam atingir para que essa comunicação seja possível. Inclusive, partindo da ideia que sempre utilizo de que algo só é valorizado e respeitado quando é conhecido, recomendo que escutem a cantoria das baleias. Deixo no final dessa coluna uma sugestão[2] para que vocês escutem um pouco o canto das jubartes.

O ruido antropogênico interfere de tal forma na biodiversidade, que o estudo da Science sugeriu que fosse equiparado aos danos causados pelo dióxido de carbono e pelos poluentes orgânicos (leia-se esgoto). Embora o ruído sonoro seja um poluente de origem específica, seus danos irradiam pelo oceano, porém, ao se remover as fontes causadoras, seus efeitos diminuem rapidamente.

A escolha desse tema não foi por acaso. Quem olha para o mar com o intuito de contemplá-lo, não imagina que abaixo daquele visual que pode nos trazer tanta paz, também há uma situação de caos para parte da biodiversidade. A poluição sonora é causada, como já dito, principalmente por infraestrutura, navios, sonar ativo, pesquisas sísmicas, sons sintéticos e dispositivos acústicos de dissuasão. Em outras palavras, os causadores desse tipo de impacto não são parte do dia a dia da maioria das pessoas, de certa forma, tornando, esse problema menos palpável.

Se a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável[3], pretende realmente seguir à risca o seu lema “a ciência de que precisamos para o oceano que queremos”, não se pode priorizar uma das metas em detrimento de outra. Então, cabe à essa agenda, também, olhar por aqueles cujas vozes estão, literalmente, sendo confundidas pelo barulho do ser humano. Mais do que isso, essa agenda tem o potencial de priorizar o conhecimento desses fatores pelas pessoas que não tem ideia do que está se passando. Não pode ser mais uma agenda de cientistas e diplomatas falando dentro de paredes fechadas na mesma voz de sempre. Novas vozes precisam ser ouvidas.

Uma vez que o oceano pode ser considerado uma possível fonte de expansão das atividades humanas, o gerenciamento do ruido e das atividades precisa ser implementado de forma a evitar que a situação piore.  Para que seja possível um oceano saudável e resiliente, como objetiva a Década da Ciência Oceânica, soluções tecnológicas têm que ser aplicadas e desenvolvidas não apenas visando o desenvolvimento econômico, mas, sim, o desenvolvimento sustentável. Em outras palavras, talvez mais diretas, o barulho do ser humano não pode ser mais alto do que as vozes da natureza. O som do oceano deve prevalecer e cabe a nós buscarmos formas de consertar os danos que causamos até agora.

 


[1]DUARTE, Carlos M. et al. The soundscape of the Anthropocene ocean. Science. 05 fev 2021. DOI: 10.1126/science.aba4658

[2] Projeto Baleia Jubarte: https://www.baleiajubarte.org.br

[3] UN. Decade of Ocean Science for Sustainable Development. Available in: The Decade of Ocean Science for Sustainable Development (oceandecade.org)

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