O Impasse Turco-Grego no Mar Egeu
Turquia e Grécia são rivais históricos na região do Mar Egeu, tendo em duas oportunidades, 1987 e 1996, quase iniciado hostilidades militares devido a disputas sobre a soberania da região. Os aspectos geográficos do local talvez sejam as principais razões para a constante faísca, já que o vasto número de ilhas Gregas espalhadas por todo o Mar provoca consequências de todos os tipos, inclusive no reino do Direito do Mar.
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Aegean_with_legends.svg
Como pode ser visto na imagem 1, a Grécia possui soberania sobre a maioria das ilhas do Egeu, incluindo algumas extremamente perto do território continental Turco, como a ilha de Samos. Sob a Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, o regime de ilhas em relação ao mar territorial, zona contígua, ZEE, e a plataforma continental, exceto quando elas são rochedos que não podem sustentar habitação humana ou vida econômica própria, são determinados de conformidade com as disposições aplicáveis a outras formações terrestres.[1] Isso implicaria que, no Mar Egeu, todas as ilhas Gregas com habitação humana ou vida econômica própria teriam sua própria plataforma continental e ZEE, fazendo com que uma porção considerável da região caísse sob dominação Grega.
Sem surpresa, nesse sentido, a Turquia não aceita manifestamente o regime estabelecido pela CONVEMAR e não é parte da Convenção. Ao invés disso, a Turquia afirma que ilhas não podem ter uma ZEE completa e que sua própria ZEE é coextensiva à sua plataforma continental, baseando-se no cumprimento relativo das linhas costeiras adjacentes – uma posição política, assim como jurídica, que desfavorece completamente estas ilhas e é uma interpretação única dentro do Direito Internacional.[2] Ademais, a Turquia defende o que é chamado de “Turkey’s Blue Homeland”:
Fonte: https://turkeygazette.com/blue-homeland-turkeys-national-maritime-strategy-and-policy/
Essa interpretação Turca dos limites marítimos no Direito do Mar desenha uma linha média no Mar Egeu e ignora a existência de direitos marítimos Gregos ao redor de suas ilhas. O Ministro de Relações Exteriores Grego, Nikos Dendias, declarou que a teoria da “Blue Homeland” possui “um caráter de campanha de comunicação que não pode mudar a legitimidade internacional, meramente estabelecendo a imagem da Turquia como uma perpetradora”[3].
Em 28 de Novembro de 2019, o Presidente Turco Erdogan assinou um Memorando de Entendimento (Memorandum of Understanding) em Istambul com o Primeiro-Ministro do Governo do Acordo Nacional da Líbia (GNA), Fayez al-Sarraj, para demarcar zonas marítimas no Leste do Mediterrâneo entre a Turquia e a Líbia.[4] O Memorando foi recebido negativamente por outro Estados europeus que, em sua maioria, consideraram o acordo como ilegal dentro do Direito Internacional.[5] Ademais, foi ventilado que a Turquia estaria explorando a situação frágil da Líbia para ganhar controle sobre o Mediterrâneo, em contraste com os esforços internacionais para resolver a Guerra Civil da Líbia e conter o influxo de imigrantes para a Europa.[6]
Fonte: https://maps.southfront.org/map-update-turkey-gna-claimed-shared-maritime-zone-in-eastern-mediterranean/
Em resposta ao acordo Líbio-Turco, a Grécia começou a fazer seus próprios negócios bilaterais, os quais aconteciam sob a luz das regras da CONVEMAR, e eram bem recebidos por certos membros da comunidade internacional.[7] No acordo realizado com a Itália, por exemplo, parte da ZEE das pequenas ilhas gregas de Strofades, Othoni, e Mathraki foi trocada por uma área equivalente em outro lugar. De acordo com Dendias, isso cria um grande precedente para futuras negociações com a Turquia.[8] Outrossim, é perceptível que, no geral, as movimentações bilaterais construídas pela Grécia estão criando precedentes positivos para uma possível negociação Greco-turca, considerando a coerência destas com o Direito Internacional.
A União Europeia vem expressando preocupação com os movimentos Turcos e apoio aos acordos Gregos. Manfred Weber, líder do Partido Popular Europeu, o maior partido no Parlamento Europeu, recebeu o acordo Grego-Egípcio como um desenvolvimento positivo que “fortalece a estabilidade no Leste do Mediterrâneo”, e urgiu para que a União Européia “fique firme com a Grécia” contra o que ele chamou de tentativas Turcas de “minar o Direito Internacional na região”[9]. Além disso, vários Estados condenaram publicamente as ações da Turquia e o Parlamento Europeu emitiu um chamado para que o Conselho Europeu prepare sanções na Turquia.[10]
O fato é que, atualmente, apesar de ter detalhado sua posição em relação às fronteiras e direitos marítimos em várias cartas para a ONU, a Turquia ainda não respondeu se aceita até mesmo a existência da direitos Gregos e Cipriotas à plataforma continental no Leste do Mediterrâneo, e se está preparada para dar efeito aos direitos Gregos e Cipriotas na delimitação de fronteiras.[11] Como a Corte Internacional de Justiça já afirmou no caso “North Sea Continental Shelf”, apenas quando direitos marítimos se sobrepõe que a questão da delimitação de fronteiras surge.[12] Em consequência, onde um Estado rejeita a existência de direitos marítimos de outro Estado, existe pouco espaço para um compromisso negociado sobre fronteiras marítimas.
De acordo com Papadakis, a Grécia indica que todos os problemas do Egeu são assuntos legais que idealmente podem ser arbitrados em Cortes Internacionais, enquanto a Turquia entende que eles são questões políticas que não devem ser levadas perante a CIJ.[13] Tendo em mente a jurisprudência da Corte, principalmente em razão do caso Ucrânia-Romênia, é esperado que a Turquia ganhe apenas uma pequena porcentagem da área disputada.[14] No entanto, através dos anos, o Estado Turco tem sido bastante ativo na zona disputada, tendo enviado navios de exploração para próximo da nova fronteira marítima com a Líbia[15], expandido sua área de “Responsabilidade de Pesquisa e Resgate” no Mar Egeu[16], entre outras ações.
Em resposta, a Grécia e aliados têm enviado navios para patrulhar e guardar a região e, em 18 de Novembro de 2020, a Grécia assinou um pacto de defesa com os Emirados Árabes Unidos destinado a estabelecer uma mútua proteção contra a Turquia.[17]
Neste cenário cheio de tensões, parece que uma decisão por parte da Corte Internacional de Justiça poderia resolver o impasse legal sem ter muitos problemas. Entretanto, o fato que uma possível intervenção da Corte através do Direito aplicável deixaria a Turquia com apenas uma pequena porção do Mar Egeu sob seu controle, combinado com a não ratificação Turca da CONVEMAR, e sua opinião dissidente perante o regime aplicável às ilhas Gregas, demonstra que uma decisão nesta disputa pode estar longe de acontecer. Ademais, conversas diretas entre os dois Estados sobre fronteiras marítimas estão bloqueadas por 5 anos[18], tranformando esta situação em um verdadeiro impasse político.
Por Augusto Guimarães Carrijo, graduando em Direito na Universidade Federal de Uberlândia, sob a orientação do Dr. Felipe Kern Moreira, diretor do IBDMAR.
[1] UNITED NATIONS. United Nations Convention for the Law of the Sea, 10 Dez. 1982, art. 121. Disponível em: https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf.
[2] GEROPOULOS, Kostis. Turkey, Libya delimitation deal raises geopolitical tensions. New Europe. Brussels, 29, Nov. 2019. Disponível em: https://www.neweurope.eu/article/turkey-libya-delimitation-deal-raises-geopolitical-tensions/
[3] CNN. Dendia comments on Erdogan’s map with the “Blue Homeland”. In: CNN. CNN Greece. Greece, 2 Sep. 2019. Disponível em: https://www.cnn.gr/politiki/story/189327/sxolio-dendia-gia-ton-xarti-toy-erntogan-me-ti-galazia-patrida
[4] JOHNSON, Keith. Newly Aggressive Turkey Forges Alliance with Libya. Foreign Policy. Washington, 23 Dec. 2019. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2019/12/23/turkey-libya-alliance-aggressive-mideterranean/
[5] Por exemplo, veja: EKATHIMERINI. Berlin message to Ankara for respect for sovereign rights. In: EKATHIMERINI. Ekathimerini. Greece, 12 Nov. 2019. Disponível em: https://www.kathimerini.gr/world/1055734/minyma-verolinoy-stin-agkyra-gia-sevasmo-ton-kyriarchikon-dikaiomaton/.; CNN. Marcon’s stern message to Erdogan: Respect Greece’s sovereign rights. In: CNN, CNN Greece. Greece, 4 Dec. 2019. Disponível em: https://www.cnn.gr/kosmos/story/199518/aystiro-minyma-makron-se-erntogan-na-sevasteis-ta-kyriarxika-dikaiomata-tis-elladas.
[6] Por exemplo, veja: CARASSAVA, Anthee. Greece fears Turkish encroachment over oil exploration deal with Libya. The Times. London, 2 Dec. 2019. Disponível em: https://www.thetimes.co.uk/article/greece-fears-turkish-encroachment-over-oil-exploration-deal-with-libya-hpzcdgkk5.
[7] Por exemplo, veja: IEFIMERIDA. Support from Arabia: Praises Greece-Egypt agreement on EEZ. In: IEFIMERIDA. Iefimerida. Greece, 14 Oct. 2020. Disponível em: https://www.iefimerida.gr/politiki/saoydiki-arabia-exire-symfonia-elladas-aigyptoy-aoz ; PROTOTHEMA. The State Department for the Greece-Egypt agreement: In favor of the peaceful settlement of disputes. In: PROTOTHEMA. Protothema. Greece, 07 Aug. 2020. Disponível em: https://www.protothema.gr/politics/article/1033028/to-state-department-gia-ti-sumfonia-elladas-aiguptou-uper-tis-eirinikis-epilusis-ton-diaforon/.
[8] HUFFPOST. Dendias: We tell the Turks to be extremely careful. In: HUFFINGTON POST. Huffpost. Greece, 19 Jun. 2020. Disponível em: https://www.huffingtonpost.gr/entry/dendias-leme-stoes-toerkoes-na-einai-exairetika-prosektikoi_gr_5eec4edec5b6f2720db370e7?utm_hp_ref=gr-homepage.
[9] CNN. Weber: Greece-Egypt agreement strengthens peace and stability in the East Mediterranean. In: CNN. CNN Greece. Greece, 8 Aug. 2020. Disponível em: https://www.cnn.gr/politiki/story/230058/vemper-h-symfonia-ellados-aigyptoy-enisxyei-tin-eirini-kai-ti-statherotita-stin-anat-mesogeio.
[10] EUROPEAN PARLIAMENT. Eastern Mediterranean: Turkey must immediately end illegal drilling activities. Press Release from 17 Sep. 2020. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room/20200910IPR86828/eastern-mediterranean-turkey-must-immediately-end-illegal-drilling-activities.
[11] SCHULTHEISS, Christian. Charting a peaceful course for the Eastern Mediterranean Sea Disputes. European Leadership Network. London, 21 May 2021. Disponível em: https://www.europeanleadershipnetwork.org/commentary/charting-a-peaceful-course-for-the-eastern-mediterranean-sea-disputes/
[12] ICJ. North Sea Continental Shelf case. Judgment of 20 February 1969. Disponível em: https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/52/052-19690220-JUD-01-00-EN.pdf. para. 46.
[13] PAPADAKIS, Konstantinos. The Greece-Turkey dispute in the Aegean and the ICJ sea border delimitation case Ukraine-Romania: similarities and differences in a comparative perspective. European Quarterly of Political Attitudes and Mentalities, v. 7, n. 3, pp. 36-46, 2018. p. 42.
[14] Ibidem.
[15] Veja: EUROPEAN COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. Timeline. Disponível em: https://ecfr.eu/special/eastern_med/timeline
[16] KARAISMAILOGLU, Adil. Turkey search and rescue responsibility expanded. 17 Oct. 2020. Twitter: @akaraismailoglu . Disponível em: https://twitter.com/akaraismailoglu/status/1317355306041696257.
[17] CHAUDARY, Smriti. UAE, Greece Sign Defense Pact To Counter Turkish Aggression. The Eurasian Times. India, 23 Nov. 2020. Disponível em: https://eurasiantimes.com/uae-greece-sign-defense-pact-to-counter-turkish-aggression/.
[18] SCHULTHEISS, Christian. Charting a peaceful course for the Eastern Mediterranean Sea Disputes. European Leadership Network. London, 21 May 2021. Disponível em: https://www.europeanleadershipnetwork.org/commentary/charting-a-peaceful-course-for-the-eastern-mediterranean-sea-disputes/.