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08 junho 2021

Nós e os oceanos

Por Bruno Costelini
Oceanógrafo e doutorando em Direito pela Universidade de Durham, Reino Unido


 

Como nossa colega Julia Weston disse em sua última coluna, esse 8 de junho marca o Dia Mundial dos Oceanos, uma celebração dos oceanos e de nossa ligação com eles. O tema desse ano é “O Oceano: Vida e Meio de Subsistência”, numa alusão direta àquela conexão. Mas o que exatamente existe de tão especial nos oceanos? O que especificamente os separa da terra e da atmosfera? Seriam eles apenas espaços a serem conquistados, explorados por seus recursos, ocupados, ou há algo intrínseco a sua natureza que podemos capturar, algo que eleve a relação que temos levado com a natureza historicamente?

Vejam bem, minha intenção aqui não é fazer pegadinhas filosóficas, mas dizer que há, de maneira evidente, uma distinção ontológica em relação aos oceanos, facilmente perceptível, que somos forçados a reconhecer. Os oceanos são (em sua maior parte) líquidos, eles têm volume, profundidade e movimento. E ainda que a vida provenha dos oceanos, segundo as teorias mais aceitas sobre a origem da vida na Terra, em nosso estado atual temos dificuldade de retornar a ele. E ainda assim o fazemos. Há milênios o homem tem retornado aos oceanos, seja navegando, pescando, cultivando, nadando ou mergulhando.

Como aquela natureza ontológica reflete na forma como nossas leis e regulamentos tentam domar os oceanos, isso é outra história. Os leitores juristas e advogados com certeza estão familiarizados com a distinção entre ontologia e deontologia, sendo a primeira a natureza das coisas em si mesmas, e a última os valores axiomáticos que impingimos sobre elas, construindo realidades jurídicas e impondo morais e comportamentos ideais, que em última instancia alheios a sua natureza. E isso naturalmente ocorre também com os oceanos.

Quando representantes de dezenas de países se sentaram para escrever uma Convenção sobre o Direito do Mar (o que levou ao menos três tentativas ao longo de três décadas), eles estabeleceram linhas, dividindo mar territorial, zonas econômicas exclusivas, plataformas continentais estendidas e a ‘Área’ (os fundos marinhos para além das jurisdições nacionais). Eles não apenas aplicaram diferentes regimes a esses espaços, como também distintas possibilidades e decisões, não obstante o fato de essas serem áreas adjacentes, comunicáveis e em constante fluxo e movimento.

A realidade logo se impôs, no entanto, e assim descobrimos que pescarias a montante afetavam pescarias a jusante, e assim acordos bi e multilaterais foram necessários para superar esses problemas. O mesmo vale para a poluição e sua diluição pelas correntes de superfície, que são globais e inevitáveis. Grandes incidentes, como o derramamento de óleo da BP Deepwater Horizon no Golfo do México, afetando todo o Caribe, ou o desastre da usina de Fukushima Daishii espalhando elementos nucleares por todo o Pacífico, ambos são exemplos que nenhuma linha fixada sobre o fundo do mar pode dar conta da natureza conectada dos oceanos.

E os oceanos certamente tampouco estão contidos em si mesmos. Vapor d’água flui atmosfera acima, influenciando nosso clima o tempo todo. Em sua forma solida, os oceanos bloqueiam regiões inteiras do planeta e, agora que estão rapidamente derretendo, podem elevar o nível do mar e inundar áreas enormes das costas, onde a maioria dos seres humanos vivem. Os oceanos também funcionam como sorvedouros de carbono, consumindo a maior parte do CO2 que espalhamos pela atmosfera, e se aumento tem levado a um processo de acidificação e a uma serie de mudanças ecossistêmicas que mal compreendemos.

Mas então meu ponto é que, quando pararmos por um segundo para celebrarmos o Dia Mundial dos Oceanos, lembremos que os oceanos têm sim uma natureza única, e que de fato em alguns momentos os separam da terra. Ao mesmo tempo, não esqueçamos que essa singularidade é parte de um todo. O pálido pontinho azul que é nosso planeta só é azul por conta dos oceanos. Eles extravasam para todos os espaços e permitem que a vida floresça. Eles são parte de nós e nós somos parte deles, então quando os celebramos, celebramos a nós mesmos, assim tratemos para que essa seja a melhor parte de nós e não a pior.


Créditos da imagem da capa:

UNWOD Photo Contest 2019 – 1st place Human Interaction by David-Salvatori

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