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18 junho 2021

Mar e Direitos Humanos na Opinião Consultiva nº 23/2017 da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Em 14 de março de 2016, o Estado da Colômbia apresentou perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), órgão jurisdicional do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), uma solicitação de Opinião Consultiva [1] sobre as obrigações dos Estados em relação ao meio ambiente no marco da proteção e da garantia dos direitos à vida e à integridade pessoal. A pretensão do Estado colombiano era de que a Corte IDH determinasse como a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) deveria ser interpretada na existência de risco em obras de infraestrutura de grande porte que pudessem afetar seriamente o meio ambiente marinho na Região do Grande Caribe e, consequentemente, o habitat humano essencial ao gozo e exercício dos direitos dos habitantes das costas e ilhas de um Estado à luz das normas ambientais consagradas em Tratados Internacionais e no Direito Internacional costumeiro aplicáveis aos respectivos Estados.

Ainda, o pleito buscava que a Corte IDH esclarecesse como a CADH [2] deveria ser interpretada em relação a outros tratados ambientais que buscassem proteger áreas específicas, como a Convenção para a Proteção e Desenvolvimento do Meio Marinho da Região do Caribe Amplo (1983), na construção de grandes projetos de infraestrutura nos Estados partes desses tratados e as suas respectivas obrigações internacionais para prevenção, precaução, mitigação de danos e cooperação entre os Estados potencialmente afetados.

Nesse cenário, essencial destacar as razões que levaram a Colômbia requisitar a referida Opinião Consultiva. Isso porque as causas para a apresentação do pleito consultivo estavam relacionadas à grave degradação do meio ambiente marinho e humano na região do Grande Caribe, que poderia ter resultado das ações e/ou omissões dos Estados ribeirinhos do Mar do Caribe, no âmbito da construção de novas grandes obras de infraestrutura. [3] Tal contexto se mostra inovador, visto que a Corte IDH proporciona o esclarecimento de direitos e obrigações, por meio da função consultiva, com a aplicação subsequente no caso, que contribui não apenas ao fomento substancial da sua jurisdição, mas também na disposição de novos contornos àqueles direitos e implementação progressiva quanto aos futuros litígios ambientais. [4]

Partindo desses pressupostos, a Colômbia buscava uma resposta ao desenvolvimento de novos grandes projetos de infraestrutura na Região do Grande Caribe que, devido ao seu tamanho e permanência no tempo, poderiam causar danos significativos ao meio ambiente marinho e, consequentemente, aos habitantes das costas e ilhas localizadas naquela região, que dependiam deste ambiente para seu sustento e desenvolvimento.

No ponto, segundo o Estado colombiano, a questão era de interesse não apenas aos Estados da Região do Grande Caribe – cujas populações costeiras e insulares poderiam ser diretamente afetadas pelos danos ambientais sofridos por esta região – mas também à comunidade internacional. Isso porque frequentemente são construídas grandes obras de infraestrutura em áreas marítimas de efeitos transfronteiriços, com possíveis impactos negativos na qualidade de vida e na integridade pessoal das pessoas que dependem do meio ambiente marinho para seu sustento e desenvolvimento. Ademais, vale ressaltar que o artigo 192 da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar estabelece a obrigação geral dos Estados em proteger e preservar o meio ambiente marinho. [5]

Destaca-se que a questão de prevenção e da mitigação dos danos ambientais em áreas sob jurisdição colombiana era de vital importância, visto que parte da sua população vive nas ilhas que fazem parte do Arquipélago de San Andrés, Providencia e Santa Catalina e, portanto, depende do meio ambiente marinho para sua sobrevivência e desenvolvimento econômico, social e cultural. Igualmente, é essencial que os problemas ambientais marinhos sejam abordados considerando seus efeitos sobre as áreas relevantes e sobre o ecossistema como um todo, com a cooperação dos outros Estados que pudessem ser afetados. Isso demonstra que a construção, manutenção e desenvolvimento de grandes projetos de infraestrutura podem ter sérios impactos sobre o meio ambiente e sobre as populações que vivem nas áreas que pudessem ser afetadas, direta ou indiretamente, como resultado de tais projetos.

Frente a isso, a solicitação consultiva da Colômbia proporcionou à Corte IDH uma oportunidade única de fornecer diretrizes detalhadas sobre a interação entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Ambiental Internacional. [6] Nesse sentido, a Corte IDH ampliou o entendimento do artigo 26 da CADH, no tocante ao desenvolvimento progressivo dos direitos humanos, especificamente na obrigação dos Estados de adotar providências para garantir um meio ambiente saudável.

Tal afirmação se dá em função de que as normas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos reconhecem o direito ao meio ambiente sadio como um direito humano. Especificamente, o artigo 11 do Protocolo Adicional à CADH sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também conhecido como Protocolo de San Salvador, determina que toda pessoa tem direito a viver em um meio ambiente sadio e a contar com serviços públicos básicos e estabelece a obrigação positiva aos Estados de proporcionar a promoção da proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente. [7] Este direito, analogicamente, também deve ser considerado incluído entre os aspectos econômicos, sociais e culturais, que são direitos protegidos pelo artigo 26 da CADH. [8]

Ocorre que as questões ambientais no Sistema Interamericano de Direitos Humanos estão em uma crescente progressão, de modo que ainda que a Corte IDH, em um primeiro momento, siga uma tendência em fundamentar os casos ambientais, dando preferência aos direitos civis, através de uma consideração do meio ambiente como direito indireto, requerimentos como o da Colômbia instigam a alteração desse panorama e jurisprudencial melhor tratamento do meio ambiente na jurisprudência na Corte IDH. [9]

A partir disso, quanto à parte resolutiva da OC nº 23 de 2017, a Corte IDH reconheceu a existência de um direito “autônomo” a um meio ambiente sadio sob a égide da CADH. Em razão disso, esclareceu o objetivo extraterritorial da CADH em matéria de meio ambiente, determinando que o termo “jurisdição” englobe qualquer situação na qual um Estado exerça autoridade sobre uma pessoa ou submeta a pessoa ao seu controle efetivo, seja dentro ou fora de seu território.

De igual modo, a Corte IDH esclareceu que os Estados tem o dever de evitar danos significativos ao meio ambiente de outros Estados ou do patrimônio global. Para tanto, os Estados possuem a obrigação de regular, supervisionar e monitorar atividades sob sua jurisdição que possam causar danos significativos ao meio ambiente; realizar avaliações de impacto ambiental; preparar planos de contingência para minimizar a possibilidade de desastres ambientais e mitigar qualquer dano significativo ao meio ambiente, de acordo com a melhor ciência disponível. [10]

Sendo assim, a Corte IDH reconheceu a existência de uma relação substantiva entre a proteção do meio ambiente e a realização de outros direitos humanos, devido ao fato de que a degradação ambiental afeta o exercício efetivo de outros direitos. No ponto, a Corte IDH enfatizou a interdependência e indivisibilidade entre direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, uma vez que o pleno gozo dos direitos humanos depende de um meio ambiente protegido.

Diante disso, é possível perceber que a degradação ambiental viola não somente direitos específicos do indivíduo, como afeta principalmente a condicionante primária de realização destes e de quaisquer outros direitos: o direito à vida. Percebe-se, assim, uma evolução crescente da jurisprudência ambiental de tribunais internacionais de direitos humanos, atestando a tendência inevitável de entrelaçar os direitos individuais com a proteção do meio ambiente.

Por fim, pela primeira vez, a Corte IDH teve a possibilidade de se manifestar em relação às questões ambientais stricto sensu, através da Opinião Consultiva nº 23 de 2017, que foi requerida pelo Estado colombiano em função de uma ocorrência em território marítimo colombiano, o que demonstra uma evolução na jurisprudência interamericana.

Por Murilo Borges, bacharelando em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público e em Relações Internacionais no Centro Universitário Internacional, sob a orientação e supervisão do Prof. Dr. Leonardo de Camargo Subtil, Vice-Presidente do IBDMar.

REFERÊNCIAS

[1] De acordo com o artigo 64 (1) da Convenção Americana de Direitos Humanos, os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Adicionalmente, o artigo 60 (1) e (2) do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos estabelece que as solicitações de Parecer Consultivo, previstas no artigo 64.1 da CADH, deverão formular com precisão as perguntas específicas em relação às quais se pretende obter o parecer da Corte IDH.

[2] OEA, Organização dos Estados Americanos. Convenção Americana de Direitos Humanos. Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, 22 de novembro de 1969. Disponível em: < https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 07 jun. 2021. 

[3] CORTE IDH, Corte Interamericana de Direitos Humanos. Opinión Consultiva nº 23 de 2017. Obligaciones estatales em relación com el médio ambiente em el marco de la protección y garantia de los derechos a la vida y a la integridade personal: interpretación y alcance de los artículos 4.1 y 5.1, em relación com los artículos 1.1 y 2 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos. 15 de noviembre de 2017. Disponível em: < https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_23_esp.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2021.

[4] LIMA, Lucas Carlos. The Protection of the Environment before the Inter-American Court of Human Rights: Recent Developments. Rivista Giuridica Dell’ Ambiente, v. 2, p. 496-522, 2020.

[5] ONU, Organização das Nações Unidas. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica, 10 de dezembro de 1982. Disponível em: < http://www.iea.usp.br/noticias/documentos/convencao-onu-mar>. Acesso em: 07 jun. 2021.

[6] TAVARES, A. M. F.; STIVAL, M. M.; SILVA, S. D. A restritiva jurisprudência ambiental da Corte Interamericana de Direitos Humanos e possíveis inovações sobre proteção ambiental urbana. Belo Horizonte: Veredas do Direito, v. 17, n. 37, p. 241-262, 2020.

[7] OEA, Organização dos Estados Americanos. Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo San Salvador). São Salvador, El Salvador, 17 de novembro de 1988. Disponível em: < http://www.cidh.org/basicos/portugues/e.protocolo_de_san_salvador.htm>. Acesso em: 07 jun. 2021.

[8] VARELLA, M. D. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

[9] STIVAL, M. M. Direito Internacional do Meio Ambiente. Curitiba: Juruá, 2018.

[10] SONELLI, S. The dialogue between National Courts and the European Court of Human Rights: comparative perspectives. University of Leicester School of Law Research Paper, n. 14-12, p. 93-112, 2014.

 

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