A decisão do governo japonês de despejar água de Fukushima no oceano e suas implicações no Direito do Mar
No dia 13 de abril de 2021, o Japão aprovou o plano de despejar a água contaminada da usina nuclear de Fukushima no Oceano Pacífico, após receber tratamento para reduzir os níveis de radiação. Desde 2011, quando os reatores da usina foram danificados por um terremoto e um tsunami que causaram explosões de hidrogênio, contaminando a sua água de resfriamento, cerca de 1,3 milhões de toneladas dessa água vêm sendo armazenadas em tanques na unidade.
Segundo o governo japonês, o despejo terá início em dois anos, que é o tempo que a operadora da usina, Tokyo Electric Power (Tepco), precisará para filtrar a água e obter aprovações regulatórias, e poderá levar décadas para ser concluído [1]. Destaca-se que até o final de 2022 a capacidade de armazenamento dessa água estará esgotada, levando à necessidade de dar algum destino a ela.
Como justificativa para adoção dessa controversa medida, o primeiro-ministro do Japão argumentou que a liberação da água tratada é inevitável para a desativação da usina e reconstrução da área de Fukushima. Afirmou, ainda, que o governo irá garantir a segurança da operação e ajudar os agricultores e pescadores, bem como o turismo local.
O governo japonês salientou que os processos de filtragem e de diluição removerão a maioria dos elementos radioativos, deixando somente o trítio, que será diluído para que seus níveis fiquem abaixo dos limites permitidos. Essa substância só é considerada prejudicial à saúde se estiver em alta concentração, mas, ainda assim, aumentará os níveis de radiação da água se despejada no mar.
O plano é apoiado pela Agência Internacional de Energia Atômica, tendo em vista ser uma prática semelhante às adotadas por outras usinas nucleares para descartar líquidos radioativos. Os Estados Unidos também manifestaram seu apoio, ressaltando que o Japão “foi transparente sobre sua decisão e parece ter adotado uma abordagem de acordo com os padrões de segurança nuclear aceitos globalmente” [1].
Por outro lado, tal decisão não agradou a indústria pesqueira, haja vista o receio de que o comércio da região seja prejudicado pelo despejo da água contaminada. Os países vizinhos, tais como China, Coreia do Sul e Taiwan, também manifestaram suas preocupações, já que a medida afeta a segurança e a saúde pública internacional, bem como o meio ambiente marítimo de outros países.
Ao lado desses, o Greenpeace expressou sua oposição à decisão, a qual ignora os direitos humanos dos cidadãos japoneses e das nações vizinhas. Um ativista do clima da ONG, Kazue Suzuki, declarou que “em vez de usar a melhor tecnologia disponível para minimizar os riscos de radiação, armazenando e processando a água a longo prazo, eles optaram pela opção mais barata”.
Ainda, acrescentou que “a decisão do Gabinete falhou em proteger o meio ambiente e negligenciou a oposição e as preocupações dos residentes locais de Fukushima, bem como dos cidadãos vizinhos ao redor do Japão”. A Diretora Executiva do Greenpeace, Jennifer Morgan, destacou que os oceanos já vêm enfrentando diversas dificuldades nas últimas décadas e que essa decisão viola as obrigações assumidas pelo Japão sob a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM) [2].
De fato, a preservação do meio marinho é um tema recorrente ao longo da Convenção, que possui uma parte específica para tratar sobre o assunto, estabelecendo, logo no primeiro artigo, um dever geral de preservação. Cumpre destacar que as disposições dessa parte se aplicam a todos os espaços marítimos, inclusive às águas interiores [3].
Além disso, a CNUDM determina a adoção de todas as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição, qualquer que seja a sua fonte, utilizando para este fim os meios mais viáveis de que disponham e em conformidade com as suas possibilidades. Tais medidas devem reduzir, tanto quanto possível, a emissão de substancias tóxicas, prejudiciais ou nocivas.
Daí surgem duas questões relevantes para identificar se houve ou não violação por parte do governo japonês: se a água oriunda da usina deve ser considerada prejudicial e se há outras alternativas viáveis para resolver o problema do armazenamento dessa água, a fim de verificar a indispensabilidade do despejo.
O Japão assegurou que a medida é segura e que a água tratada não apresenta nenhum risco cientificamente comprovado, bem como alegou ser essa a solução mais viável. O Greenpeace, todavia, ressaltou que qualquer radioatividade liberada no meio ambiente terá uma consequência, além de ter publicado em março de 2021 um relatório detalhando alternativas para a desativação da usina.
Outro ponto importante é que a Convenção impõe aos Estados o dever de garantir que as atividades sob a sua jurisdição não causem poluição em outros Estados. Além disso, ela cria um dever de cooperação mundial e regional, estimulando a troca de informações sobre a poluição do meio marinho. Com relação a isso, destaca-se que o governo sul-coreano declarou que a decisão foi tomada unilateralmente, sem consultas suficientes ao seu país.
Desse modo, percebe-se que ainda existem muitas questões a serem debatidas sobre o tema antes do início da execução do plano e o Japão pode ter que enfrentar forte resistência de organizações ambientalistas e de países vizinhos, bem como de sua própria população.
Referências:
[1] Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/jap%C3%A3o-decide-despejar-no-mar-%C3%A1gua-tratada-da-usina-de-fukushima/a-57186056. Accessed on May 15, 2021.
[2] Disponível em: https://www.greenpeace.org/international/press-release/47207/the-japanese-governments-decision-to-discharge-fukushima-contaminated-water-ignores-human-rights-and-international-maritime-law/. Accessed on May 15, 2021.
[3] ZANELLA, Tiago V. Manual de Direito do Mar. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.