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03 maio 2021

Seaspiracy: Mar Vermelho, progresso ou problema? (Contém spoilers)

O novo documentário “Seaspiracy: Mar Vermelho” está entre os mais populares no serviço de streaming Netflix desde a sua estreia no dia 24 de março de 2021. O documentário é dirigido e narrado pelo cineasta britânico Ali Tabrizi e tem como tema central investigar os diversos impactos negativos da indústria pesqueira no meio ambiente marinho. No entanto, em conjunto com sua popularidade, o filme também tem gerado controvérsias entre cientistas, setores da sociedade civil (incluindo ONGs) e representantes do setor pesqueiro. A presente notícia tem como objetivo abordar os principais pontos positivos e negativos apontados em redes sociais. Para uma análise jurídica, vejam a coluna de Carolina Cesetti[1].

No transcorrer do documentário, que segue uma linha investigativa, o narrador apresenta à plateia casos relacionados à indústria pesqueira em diversas partes do mundo, tanto em países em desenvolvimento, quanto em países desenvolvidos, que colocariam em dúvida a possibilidade de existir algum tipo de pesca sustentável. Entre os casos discutidos destaca-se a matança de golfinhos em Tiaji, Japão; a captura acidental de golfinhos na Europa; o boicote e posterior saída do Japão da Comissão Internacional da Baleia (IWC na sigla em inglês) em 2018; a depleção dos estoques, a sobrepesca, os descartes e desperdícios; a pesca ilegal; o impacto da poluição por plástico, inclusive por redes fantasmas; a aquicultura mal manejada; e a violação sistemática dos direitos humanos, como abusos trabalhistas de Gana à Libéria, Tailândia e Reino Unido.

A crítica do autor em relação à inexistência de um conceito preciso sobre o que seja “pesca sustentável” tem como base uma série de entrevistas realizadas com representantes de ONGs, do setor de pesca industrial e de entidades de certificação de pesca. Segundo os trechos, os entrevistados não souberam precisar os elementos que caracterizariam a sustentabilidade de uma pescaria. Deixa-se subentendido, e em certos momentos é afirmado, que um discurso mais contundente de proibição à pesca é evitado, porque algumas dessas entidades não querem confrontar estruturas de poder, enquanto outras guardariam conexões indiretas com o setor pesqueiro industrial.

Em contrapartida, representantes dos setores entrevistados denunciam que suas entrevistas foram recortadas e empregadas fora de contexto, enquanto membros da academia científica afirmam que os dados utilizados estão desatualizados e que o documentário deveria ter ouvido um número maior de cientistas[2]. Por exemplo, o estudo científico ao qual o documentário faz referência, publicado em 2006, que previa que até o ano de 2048 o oceano estaria vazio foi posteriormente revisto. Em relação ao conceito de pesca sustentável, de acordo com a bióloga Cintia Miyaji[3], o documentário busca argumentar que tal definição é uma narrativa inventada, e se utiliza de informações inverídicas para colocar em cheque a idoneidade de ONGs, selos ambientais e esquemas de certificação. Contudo, falha em considerar os profissionais que arduamente buscam uma transformação dos modelos de pesca e agricultura, que são atividades econômicas de extrema importância para o bem–estar de pessoas, do oceano, ecossistemas e do nosso planeta.

Algumas das organizações citadas também se manifestaram. Por exemplo, a Marine Stewardship Council (MSC, sigla em inglês) afirmou que trabalha incansavelmente para garantir estoques de peixes para as futuras gerações[4]. Inclusive, seu impacto positivo é reconhecido pelas Nações Unidas. David Phillips, diretor da International Marine Mammal Project (IMMP, sigla em inglês), responsável pelo selo Dolphin Safe, destacou que a diminuição histórica de mortes de golfinhos pelos navios de pesca de atum é uma demonstração da contribuição do selo[5]. Já a ONG Oceana reafirmou seu compromisso de garantir a pesca sustentável, ao passo em que apontou que o trecho da entrevista reportado foi descontextualizado[6].

Outro pontos de destaque do documentário são a denúncia da violação sistemática de direitos trabalhistas e tráfico de pessoas realizados pela indústria da pesca, situação que ainda é invisibilizada, segundo a ONG Human Rights at Sea[7]. Ademais, o mesmo traz à baila a necessidade de utilizar a nomenclatura fauna selvagem para os peixes, algo pouco realizado nos países, e de extrema relevância para centralizar as espécies marinhas na discussão sobre políticas para recuperação de espécies ameaçadas e mudanças de padrões de consumo[8]. Ao final, duas propostas são apresentadas como aptas a reverter esse quadro de destruição nos oceanos: apoiar a criação de mais áreas marinhas protegidas e parar de consumir proteína animal.

Em relação às soluções propostas, a Oceana afirmou que deixar de consumir frutos do mar não é uma escolha factível para muitas pessoas ao redor do mundo que dependem da pesca costeira e cuja realidade é de pobreza, desnutrição e fome. Igualmente, a Cintia Miyaji afirma que muitas pessoas dependem da pesca para sobreviver e tem sua cultura ligada à atividade pesqueira. A bióloga complementa que a promoção da atividade pesqueira de maneira organizada, bem administrada e com fiscalização, acarretará benesses para os ecossistemas.

Algumas iniciativas, que se baseiam em ciência de boa qualidade, permitem que haja a recuperação e crescimento dos estoques, dentre elas: a criação de zonas de exclusão, limite de licenças, regulamentação de práticas e mecanismos de pesca e cultivo que acarretem menos impactos, entre outras medidas.  Assim, além de garantir pescas sustentáveis, permitem a aplicação de métodos apropriados para a recuperação de áreas e ecossistemas degradados. Cabe ressaltar que no Brasil vem sendo construído os alicerces da Aliança Brasileira pela Pesca Sustentável, baseada no trabalho cooperativo, colaborativo e de impacto coletivo, em razão da falta de apoio financeiro e de uma governança precisa.

Diante dos prós e contras apresentados, cabe a você leitor responder se o documentário Seaspiracy tem o intuito de ser uma “arma” eficaz para engajar o público geral na proteção do oceano, dos recursos e ecossistemas que são extremamente importante para todos ou, em contrapartida, aumentou a polarização dualística entre ciência e ativismo, ONGs “boas” e ONGs “más”, veganos e não veganos, pescadores e aquicultores, pesca artesanal e industrial, certificações e recomendações.

Fica então o convite para assistir ao documentário!

 

Por Rayanne Reis Rêgo Cutrim, estagiária do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR), sob supervisão da Doutoranda Luciana Coelho.

 

 

 

 

 

 

 

Referências:

AMBIENTE Y SOCIEDADE. Seaspiracy: documental de Netflix acusado de tergiversación por parte de los participantes; ONG, etiquetas de sostenibilidad y expertos. Hemisferios/ Ambiente y Sociedad.2021. Disponível em:< https://www.hemisferios.info/2021/04/01/seaspiracy-documental-de-netflix-acusado-de-tergiversacion-por-parte-de-los-participantes-ong-etiquetas-de-sostenibilidad-y-expertos/>. Acesso em: 19 abr 2021.

AUR, Deise. Existe pesca sustentável? Seaspiracy: novo documentário da Netflix está dando o que falar.2021. Disponível em:< https://www.greenme.com.br/viver/arte-e-cultura/79904-documentario-seaspiracy/>. Acesso em: 15 abr 2021.

CESETTI, Carolina Vicente. Seaspiracy é necessário (contém spoilers). IBDMAR. Disponível em:< http://www.ibdmar.org/2021/04/seaspiracy-e-necessario-contem-spoilers/>.2021. Acesso em: 14 abr 2021.

GRAY,Charles A. & KENNELLY, Steven J.. Bycatches of endangered, threatened and protected species in marine fisheries.2021. Disponível em:< https://link.springer.com/article/10.1007/s11160-018-9520-7>. Acesso em: 19 abr 2021.

INTERNATIONAL MARINE MAMMAL PROJECT STATEMENT. International Marine Project Statement on Seaspiracy Film. 2021. Disponível em:< http://savedolphins.eii.org/news/entry/international-marine-mammal-project-statement-on-seaspiracy-film>. Acesso em: 15 abr 2021.

MARINE STEWARDSHIP COUNCIL. Our Seaspiracy response. 2021. Disponível em:< https://www.msc.org/media-centre/news-opinion/news/2021/03/26/response-to-netflix-seaspiracy-film>. Acesso em: 15 abr 2021.

MESQUITA, João Lara. Seaspiracy, documentário mostra realidade dos oceanos. Estadão. 2021. Disponível em:< https://marsemfim.com.br/seaspiracy-documentario-mostra-realidade-dos-oceanos/>. Acesso em: 13 abr 2021.

MIYAGI, Cintia. Seaspiracy e a armadilha das meias verdades.2021. Disponível em:< https://www.batepapocomnetuno.com/post/seaspiracy-e-a-armadilha-das-meias-verdades>. Acesso em: 17 abr 2021.

NASCIMENTO, Victor. Polêmico, filme da Netflix choca com informações falsas.2021. Disponível em:< https://observatoriodocinema.uol.com.br/filmes/2021/04/filme-da-netflix-e-alvo-de-acusacoes-e-e-detonado-por-especialistas>. Acesso em: 12 abr 2021.

OCEANA. A statement from Oceana on Netflix’s Seaspiracy. 2021. Disponível em:< https://oceana.org/statement-oceana-netflixs-seaspiracy>. Acesso em: 15 abr 2021.

SEASPIRACY (Disponível na Netflix): https://www.imdb.com/title/tt14152756/. Acesso em 11 de abr. de 2021.

THE GUARDIAN. Seaspiracy: Netflix documentary accused of misrepresentation by participants. The Guardian.2021. Disponível em:< https://www.theguardian.com/environment/2021/mar/31/seaspiracy-netflix-documentary-accused-of-misrepresentation-by-participants>. Acesso em: 15 abr 2021

THE GUARDIAN. Seaspiracy shows why we must treat fish not as seafood, but as wildlife. 2021. Disponível em:< https://www.theguardian.com/commentisfree/2021/apr/07/seaspiracy-earth-oceans-destruction-industrial-fishing>. Acesso em: 17 abr 2021.

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