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07 maio 2021

A imaginação geográfica e os fundos marinhos

Por Bruno Costelini
Oceanógrafo e doutorando em Direito pela Universidade de Durham, Reino Unido

 

No que pensamos quando pensamos nos fundos marinhos? O que exatamente conforma nossa visão deles, fisicamente falando, mas também levando em conta suas possibilidades como lugar de expansão do conhecimento, de obtenção de recursos, ou de proteção? Essas questões podem parecer um tanto vagas e sem sentido, mas há uma corrente de debates geográficos e sociológicos que busca examinar essas visões, na medida em que elas dão forma às maneiras pelas quais agimos sobre esses lugares tão remotos.

Sheila Jasanoff, a professora de Harvard que celebremente cunhou o conceito de “co-produção” nos anos 1980 para se referir às maneiras como o desenvolvimento tecnológico e a regulação caminham de mãos dadas, recentemente virou sua atenção para aquelas questões. Num artigo de 2009, em co-autoria com Sang-Hyun Kim, ele desenvolveram um novo conceito , que chamam de “imaginários sociotécnicos”, isto é, narrativas coletivamente imaginadas que “descrevem futuros alcançáveis e prescrevem futuros que os estados acreditam que devem ser alcançados”.[1] Em suma, a maneira como percebemos a tecnologia e suas possibilidades dá forma às maneiras pelas quais pensamos em agir sobre o mundo.

Agora na ultima edição especial do periódico Centaur, uma publicação estabelecida do campo da História da Ciência, vários acadêmicos se voltam para o mundo da diplomacia científica para explorar como a ciência participa na elaboração de alguns dos principais tratados, acordos e regulações que estão constantemente sendo negociados em fóruns internacionais. Essas negociações, no fim das contas, são também diretamente influenciadas por aqueles “imaginários sociotécnicos” que mencionamos no parágrafo anterior.

Embora Jasanoff e Kim tenham elaborado seu conceito a partir de experiências nacionais, Sam Robinson, um dos colaboradores daquela edição especial da Centaur, expande a noção para o mundo transnacional da diplomacia dos oceanos, estudando a história das negociações da UNCLOS que levaram à criação da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, que como sabemos criou as bases para um regime de exploração e explotação mineral dos fundos marinhos.[2]

Quando os diplomatas estavam negociando a Convenção, sua concepção de fundos marinhos estava balizada pelas novidades que a Oceanografia financiada por programas militares trazia à tona. Ideias como instalar bases permanentes no assoalho marinho, com mergulhadores e veículos operados, capazes de extrair grandes quantidades de minérios. E ainda, a possibilidade de instalar lançadores de mísseis, o que no contexto da Guerra Fria causava muita preocupação, levando a uma desmilitarização na Área.

Mas mais importante, aqueles imaginários sociotécnicos moldaram a percepção dos fundos marinhos como uma fronteira de exploração, assim como o Meio-Oeste na experiência historia dos Estados Unidos, um ambiente alienígena, repleto de recursos esperando para serem recolhidos. Isso também levou a uma divisão Norte-Sul, em que países em desenvolvimento tentavam reequilibrar a distribuição de expertise técnica e de capacidade financeira, o que os deixava efetivamente fora da jogada. Várias cláusulas na Convenção respondem a isso.

Agora, quase 50 anos mais tarde, com as negociações para uma serie de regulações para a Explotação chegando ao fim na Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos, a questão que coloco é: que tipo de imaginários sociotécnicos estão influenciando nas negociações? Ainda estamos alinhados à visão setentista dos fundos marinhos como uma página em branco sobre a qual podemos navegar livremente recolhendo bolas de metal, sem qualquer impacto ou consequência significativas? Ou terá a série de desastres ambientais das ultimas décadas ligados à mineração e às atividades humanas sobre a atmosfera mudado a nossa percepção do impacto que podemos causar aos fundos marinhos?

 

A resposta virá da versão final dessas regulações e de como procederemos a partir dali. Por ora, tudo o que podemos fazer é imaginar.

 


[1] Sheila Jasanoff and Sang-Hyun Kim ‘Containing the atom: Sociotechnical imaginaries and nuclear power in the United States and South Korea’ Minerva, 2009.

[2] Sam Robinson ‘Scientific imaginaries and science diplomacy: The case of ocean exploitation’ Centaurus, 2021.

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