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16 maio 2021

Energia offshore é o futuro – e ele já chegou

Por Pablo Ruan Siqueira Lopes, graduando em Direito pela UEPB; aluno do Centro de Estudos em Direito do Mar ‘Vicente Marotta Rangel’, da USP; e estagiário no IBDMAR.

 

Notícia supervisionada por Fabiana Ventura Piassi.

 

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº 576/2021, de autoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN), que regulamenta o aproveitamento do potencial energético offshore no Brasil, seja eólica, solar ou das marés. O PL define offshore como a “área do Mar Territorial, da Plataforma Continental, da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) ou de outro corpo de água sob domínio da União”[1].

 

As instalações offshore são flutuantes (em repouso permanentemente), ou fixas (instaladas no leito da água). No caso da energia eólica, por exemplo, há a possibilidade de serem utilizadas torres mais altas e com maior capacidade produtiva do que aquelas localizadas em terra.

 

As primeiras turbinas de teste no mundo foram instaladas nos mares da Europa na década de 1990[2]. No Reino Unido, o setor eólico offshore gerou eletricidade suficiente para 39% de famílias em 2020, contra 30% em 2019[3], em um país que não possui uma gama de locais apropriados e disponíveis em terra. No ano passado, os países europeus construíram 2,9 GW de energia produzida a partir do vento no mar, aumentando para 25 GW a capacidade instalada total do continente. Esperam, assim, chegar aos 300 GW até 2050[4].

 

A Dinamarca, por exemplo, é um dos maiores produtores de petróleo da União Europeia, mas esse país aprovou plano para construir uma ilha artificial no Mar do Norte e usá-la como centro de energia limpa. A ilha fornecerá energia para casas e hidrogênio verde para o uso em navios, aviação, indústria e transporte pesado. Tal decisão está de acordo com os planos da União Europeia (UE) de transformar o fornecimento de eletricidade do grupo. A localização contribui: os níveis de água ao redor da costa dinamarquesa são baixos, tornando mais fácil e mais barato a construção de parques eólicos no oceano[5]. Alemanha, Holanda e Bélgica também se destacam no campo offshore.

 

No Brasil, segundo o senador Prates, a inexistência de um marco regulatório sobre a atividade representa um entrave para a atração de investimentos no setor. Hoje, essa energia possui custos mais elevados do que outras fontes renováveis. Não obstante, o potencial de redução de custos pode ser atingido por meio de políticas públicas de longo prazo, como as que foram realizadas a partir da crise do petróleo de 1973, que culminou em um perceptível investimento estatal para as energias renováveis.

 

Sob a ótica da Convenção Das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (CNUDM)[6], quando trata-se de espaço nos limites do mar territorial, a soberania é exercida de forma plena, ressalvada a passagem inocente, e o Estado costeiro deve conciliar a segurança de navegação com a produção energética eólica offshore em seu mar territorial. A instalação, produção e remoção de estruturas com aerogeradores no mar e no oceano depende da vontade política do Estado costeiro[7].

 

A tecnologia para instalação de energia eólica offshore além do mar territorial está em crescimento: os parques eólicos se moveram para mais longe da costa e em águas mais profundas[8]. A instalação e produção de parques offshore na zona econômica exclusiva também é direito do Estado costeiro. Alguns países adotam processos públicos objetivos com critérios competitivos de seleção pela ocupação das áreas situadas nas respectivas zonas econômicas exclusivas. O PL 576/2021 prevê que a autorização de uso de bens da União para geração offshore de energia poderá ser outorgado de acordo com a outorga planejada (exploração de central geradora em prismas pré-delimitados pelo poder concedente conforme planejamento espacial do órgão competente, ofertados por meio de processo seletivo público) ou de acordo com a outorga independente (exploração de central geradora em prismas sugeridos por interessados, ressalvada a realização de consulta pública). O PL estabelece, para além da definição de offshore, as definições de prisma energético e de descomissionamento.

 

Os parques offshore enquadram-se na categoria de instalações ou estruturas para fins econômicos prevista no artigo 60 da CNUDM, que faz referência às instalações e estruturas para os fins designados no artigo 56, como as utilizadas para a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos.

 

O Artigo 60 da CNUDM prevê, em torno das estruturas offshore, as zonas de segurança, que são espaços criados como medida de segurança para a navegação e para as instalações ou estruturas no mar. A distância entre cada aerogerador pode ser superior a 1 quilômetro, gerando uma passagem entre eles, que compromete a segurança das navegações. A legislação da Bélgica – artigo 3 da Arrêté royal de 11 de abril de 2012 – prevê a criação de uma zona de segurança de 500 metros a partir de cada ponto da fronteira exterior da integralidade das instalações ou estruturas para a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos[9]. O PL 576 não faz referência às zonas de segurança, mas veda a constituição de primas energéticos em áreas coincidentes com as rotas de navegação marítima.

 

Nas zonas de segurança, é o Estado costeiro que deve tomar medidas apropriadas para garantir a segurança da navegação e da própria instalação ou estrutura de produção energética[10]. A CNUDM prevê a obrigação de remoção das instalações e estruturas abandonadas ou desativadas, bem como sua publicidade. O estabelecimento de instalações e estruturas offshore, e sua zona de segurança, é proibida quando interferir na utilização “das rotas marítimas reconhecidas essenciais para a navegação internacional”. Podemos inferir que tais rotas de circulação compreendem as vias de circulação e os dispositivos de separação de tráfico assim estabelecidos, tendo em vista as recomendações da OMI, e as indicadas nas cartas marítimas públicas[11].

 

O Brasil goza de todas as prerrogativas para o exercício soberano de conceder a instalação e produção de energia offshore em seu mar territorial e em sua zona econômica exclusiva. A devida regulamentação do tema pelo país significa segurança jurídica para investidores, e prevê limites a suas atuações. Nota-se que a crescente demanda pelo uso dos mares e oceanos por diversos setores da economia gera um conflito de interesses entre a pesca, a indústria shipping, o turismo, a proteção do meio ambiente marinho, as energias marinhas renováveis, a indústria petrolífera, a instalação de cabos submarinos e a exploração de recursos marinhos[12]. São discussões legítimas da década dos oceanos: a energia offshore revela-se como mais um importante caminho na garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, desde que respeitadas as devidas medidas para a sua segura implementação. Contudo, ainda há um grande caminho no que diz respeito a sua regulamentação.

[1] O Projeto de Lei pode ser acessado a partir do site: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/146793

[2] Disponível em: http://www.gesel.ie.ufrj.br/app/webroot/files/publications/19_castro184.pdf

[3] Disponível em: https://opetroleo.com.br/setor-eolico-alimenta-39-das-casas-do-reino-unido/

[4] Disponível em: https://eco.sapo.pt/2021/02/08/europa-investe-recorde-de-26-mil-milhoes-em-energia-eolica-offshore-em-2020/#:~:text=No%20ano%20passado%2C%20os%20pa%C3%ADses,aos%20300%20GW%20at%C3%A9%202050.&text=%E2%80%9C26%20mil%20milh%C3%B5es%20em%20novos,confian%C3%A7a%20na%20energia%20e%C3%B3lica%20offshore.

[5] Disponível em: https://marsemfim.com.br/ilha-artificial-para-produzir-energia-limpa-na-dinamarca/

[6] Disponível em: http://www.iea.usp.br/noticias/documentos/convencao-onu-mar

[7] Cavalcante, M.M e Mont’Alverne, T. C. F. A inclusão da energia eólica offshore na gestão dos espaços marinhos. Disponível em: http://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/54955/1/2016_capliv_tcfMont%27Alverne.pdf

[8] Ibid.

[9] Ibid.

[10] Ibid.

[11] Ibid.

[12] Ibid.

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