A crise dos marítimos parece não ter fim
Por Milena Barbosa de Melo
Doutora, mestre e especialista em Direito Internacional pela Universidade de Coimbra- Portugal, Professora da Universidade Estadual da Paraíba, Diretora acadêmica da ANEDD, Professora conteudista
Como é possível perceber em nossa vida cotidiana, a pandemia do Coronavírus trouxe uma mudança drástica na maneira de viver e de perceber o mundo. Os efeitos foram os mais variados, de maneira que impactou todas as atividades sociais e comerciais, incluindo o comércio marítimo.
Neste caso, o impacto do Covid-19 foi deveras significativo, visto que houve a diminuição em larga escala do uso de transportes marítimos, em virtude dos bloqueios de portos em vários lugares do mundo. Ademais, a redução do uso de transportes marítimos, foi a responsável pela redução de GEE no meio ambiente no ano de 2020, conforme destaca relatório da IMO.[1]
Ainda em se tratando dos efeitos drásticos da pandemia nas atividades comerciais marítimas, destaca-se a questão dos marítimos ou marinheiros (profissionais responsáveis pelas atividades nas embarcações), onde muitos ficaram presos nos navios por um longo período, visto que não conseguiam voltar para casa, justamente em virtude do bloqueio dos portos.
Segundo dados da Organização Marítima Internacional, os marítimos aguardando expatriação durante todo o ano de 2020, totalizaram cerca de 400mil, de maneira que a Organização Internacional do Trabalho (ILO) a partir de uma resolução, convidou os países a envidar esforços no sentido de auxiliar no processo de repatriação dos marítimos e ainda, de colocar os profissionais como prioritários no programa de vacinação para a Covid-19.[2]
O objetivo da resolução seria facilitar a vida dos marítimos que se encontram em pleno trabalho nesta pandemia, muitos inclusive, se esforçando sobremaneira para conseguir suprir as demandas do fluxo comercial marítimo, sem perspectiva de substituição de tripulação e, ainda de vacinação.
Como consequência, os países membros da ILO e da IMO (Organização Marítima Internacional), após um longo trabalho conjunto, conseguiram reduzir em 50% o número de profissionais que aguardavam o retorno para casa. [3]
Entretanto, mesmo com a repatriação da metade dos marítimos, destaca-se que o comércio marítimo não pode ficar estagnado e, para que permaneça em pleno funcionamento, destaca-se a necessidade da continuidade do uso da mão de obra dos referidos profissionais.
Portanto, ao passo em que os marítimos restantes precisam voltar para casa, outros deverão substituí-los, no intuito de dar continuidade aos serviços prestados. O problema, nesse momento é que a pandemia não se encontra controlada em todos os lugares do mundo.
Pois, mesmo a pandemia estando controlada em algumas partes do mundo, nem todos os países conseguiram o mesmo êxito, em virtude da falta de recursos financeiros e da falta de gestão adequada.
A referida questão acaba por gerar descompasso no comércio local e, inclusive mundial, pois os países cuja pandemia está controlada, acaba por adotar mecanismos mais rigorosos de entrada de estrangeiros provenientes de países em que não há esse controle da pandemia, tornando difícil a substituição dos marítimos.[4]
Não há como conter o comércio marítimo, pois o mundo precisa dos suprimentos e por isso precisamos dos marítimos, dessa maneira, não se pode aceitar a permanência no mar destes profissionais por um longo período sem substituição ou bloquear a sua entrada em países estrangeiros.
Por isso, a solução que se apresenta é adotar com urgência as diretrizes estabelecidas pela resolução da ILO, no sentido de se incluir os marítimos como trabalhadores-chaves e, portanto, ser tratados com justiça.
Muito precisa ser feito por parte dos países membros da ILO, pois menos de 60 países compreenderam a importância dos marítimos, mas já estão trabalhando no sentido de garantir que os profissionais entrem na lista prioritária de vacinação e que as viagens realizadas pelos profissionais de e para o local de trabalho, sejam facilitadas. [5]
Todos os esforços devem se destinar a facilitação das atividades profissionais dos marítimos, acima de tudo, por uma questão de humanidade e sobrevivência do comércio marítimo. Dessa maneira, qualquer medida nacional que venha a criar obstáculo para a vacinação dos marítimos deve ser considerada como violadora dos Direitos Humanos, poderá complicar ainda mais a mudança de tripulação que já é demasiadamente complexa.
[1] IMO. International Maritime Organization. Maritime Human Rights Risks and the Covid-19 Crew Change Crisis: A Tool to Support Human Rights Due Diligence. Disponível em: https://wwwcdn.imo.org/localresources/en/MediaCentre/Documents/Maritime%20Human%20Rights%20Risks%20and%20the%20COVID-19%20Crew%20Change%20Crisis%2020210425.pdf.
[2] IMO. New due diligence tool aims to help businesses uphold their responsibility to protect human rights at sea. Disponível em: https://www.imo.org/en/MediaCentre/PressBriefings/pages/Due-Diligence-Tool.aspx.; ILO. General observation on matters arising from the application of the Maritime Labour Convention. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_norm/—normes/documents/publication/wcms_764384.pdf
[3] IMO. New due diligence tool aims to help businesses uphold their responsibility to protect human rights at sea. Disponível em: https://www.imo.org/en/MediaCentre/PressBriefings/pages/Due-Diligence-Tool.aspx.
[4] ibid.
[5] ILO. General observation on matters arising from the application of the Maritime Labour Convention. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_norm/—normes/documents/publication/wcms_764384.pdf