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20 abril 2021

Problemas no Norte: a nova submissão russa à Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental

Por Julia Cirne Lima Weston. LL.M em Direito Internacional pela University College London, Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pesquisadora voluntária do Institute for Internet & the Just Society.

O Ártico é uma região conhecidamente cobiçada, principalmente devido à alta incidência de petróleo em seu leito marinho.[1] Por conta disso, e assim como em diversas regiões do globo, disputas de Direito do Mar ocorrem em decorrência dos recursos cobiçados por diferentes Estados.  A disputa a qual este artigo busca brevemente contextualizar, com base em um acontecimento recente, ocorre entre a Rússia, a Dinamarca e o Canadá.

Um ponto a se enfatizar é que, como diz respeito ao direito à Plataforma Continental, mais especificamente à Plataforma Continental estendida, a disputa em foco toca em um ponto sensível: a extração de petróleo e gás. Enquanto vemos disputas deste tipo em outras regiões do mundo, é tido que, no caso do Ártico, temos muito maior volume de recursos contestados entre os Estados.[2]

Desde a criação do instituto da Plataforma Continental com a Proclamação Truman de 1945, consolidou-se como costume o direito dos países a declarar uma zona na qual possuam total soberania sobre recursos não-vivos presentes no leito marinho e subsolo.[3] Com a criação da Convenção das Nações Unidas de 1982 veio o instituto da Plataforma Continental estendida, a qual poderá passar das 200 milhas náuticas habituais e se estender até 350 milhas náuticas, desde que reste comprovada uma prolongação natural do continente em relação ao leito marinho.[4] Para que seja definida a existência de uma Plataforma Continental estendida, os Estados devem submeter sua reivindicação, e sua respectiva comprovação, à Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental (CLCS, sigla em inglês), para que seja analisada e confirmada, ou negada, pelo órgão.[5]

Após retomarmos os básicos, vamos à disputa em questão. A Rússia, no dia 31 de março de 2021, submeteu à CLCS novos pontos de mesura para o cálculo de sua plataforma continental estendida; no caso, as linhas de base, ou baselines.[6] O ponto de atrito, porém, se encontra no fato de que as novas linhas para o cálculo acabam por fazer com que a Plataforma Continental estendida reivindicada pela Rússia, estenda-se através das Plataformas canadenses e dinamarquesas, assim como suas respectivas Zonas Econômicas Exclusivas.[7]

A relevância estratégica do Ártico é inegável. Isto ocorre pois, de acordo com estimativas publicadas pela US Geological Survey, a região contém 13% do petróleo não-descoberto do mundo, assim como 30% do gás.[8] Devido à sua geografia, sendo uma região cercada por Estados, é provável que, ao final da demarcação oficial das reivindicações marítimas, grande parte do território do Ártico estará sob a jurisdição de algum país.[9]

De acordo com a fonte de notícias Arctic Today, a nova reivindicação russa faz com que o país reivindique cerca de 70% do leito marinho do Ártico.[10] Segundo a Canada Broadcasting Company, o ministério de relações exteriores canadense insiste em exigir a soberania do país de acordo com o Direito Internacional e está estudando a reivindicação russa para que possa emitir uma resposta adequada.[11] Até a publicação desta coluna, porém, nenhum posicionamento oficial fora publicado, tanto pelo Canadá quanto pela Dinamarca.

É importante ressaltar, nesse caso, que, embora a CLCS tenha o poder de determinar que há o direito de um Estado à extensão de sua Plataforma Continental, este é um parecer meramente declaratório, proferido por sua equipe de cientistas.[12] Não cabe ao órgão, portanto, julgar questões relacionadas a este instituto, nem coagir outros países a respeitar o Direito por ela declarado como existente.[13] Qualquer disputa não resolvida, portanto, deverá ser resolvida por meios pacíficos, seja por negociações, ou por algum dos meios elencados na UNCLOS, como a arbitragem e o Tribunal Internacional do Direito do Mar, por exemplo.[14]

Há muito ainda por acontecer no caso em questão. Neste meio tempo, deve-se aguardar os pronunciamentos oficiais dos países envolvidos. Caso estes sigam os moldes do pronunciamento canadense, deveremos ter diversos posicionamentos dentro do Direito Internacional. Também há de se aguardar o posicionamento oficial da CLCS em relação às provas científicas apresentadas pela Rússia em prol de sua extensão. De toda forma, é imprescindível que foquemos no Direito do Mar e seus institutos para que esta questão seja resolvida da forma mais pacífica possível, tendo em vista a relevância da região contestada.

[1] WWF. Arctic Oil and Gas. Disponível em: < https://arcticwwf.org/work/oil-and-gas/>.

[2] TUFTS. The Arctic and the LOSC. Disponível em: < https://sites.tufts.edu/lawofthesea/chapter-eight/>.

[3] ICJ. Case Concerning the Continental Shelf. Disponível em: https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/68/068-19850603-JUD-01-00-EN.pdf.

[4] Organização das Nações Unidas. United Nations Convention on the Law of the Sea of 1982. Disponível em: https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf. Art. 76(8)

[5] ibid.

[6]COMISSION ON THE LIMITS OF THE CONTINENTAL SHELF. Receipt of two addenda to the executive summary of the partial revised Submission made by the Russian Federation to the Commission on the Limits of the Continental Shelf in respect of the Arctic Ocean. Disponível em: <https://www.un.org/Depts/los/clcs_new/submissions_files/rus01_rev15/20210401UnNvAs0021e.pdf>.

[7] CANADIAN BROADCASTING COMPANY. ‘You cannot claim any more:’ Russia seeks bigger piece of Arctic. Disponível em: <https://www.cbc.ca/news/canada/north/russia-arctic-ocean-canada-united-nations-continental-shelf-1.5983289>.

[8] US GEOLOGICAL SURVEY. Assessment of undiscovered oil and gas in the arctic. Disponível em: <https://pubs.er.usgs.gov/publication/70035000>.

[9] TUFTS. The Arctic and the LOSC. Disponível em: < https://sites.tufts.edu/lawofthesea/chapter-eight/>.

[10] ARCTIC TODAY. Russia extends its claim to the Arctic Ocean seabed. Disponível em: <https://www.arctictoday.com/russia-extends-its-claim-to-the-arctic-ocean-seabed/?wallit_nosession=1>.

[11] CANADIAN BROADCASTING COMPANY. ‘You cannot claim any more:’ Russia seeks bigger piece of Arctic. Disponível em: <https://www.cbc.ca/news/canada/north/russia-arctic-ocean-canada-united-nations-continental-shelf-1.5983289>.

[12] ROTHWELL, Donald; STEPHENS, Tim. The International Law of the Sea. 2, ed, Oxford: Hart, 2016; Organização das Nações Unidas. United Nations Convention on the Law of the Sea of 1982. Disponível em: https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf. Annex II.

[13] Ibid.

[14] Organização das Nações Unidas. United Nations Convention on the Law of the Sea of 1982. Disponível em: https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf. Part XV.

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