Postagens falsas culpam a primeira capitã de navios do Egito por bloqueio no Canal de Suez
Localizado no Egito, o Canal de Suez é uma importante via navegável artificial que liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho. Nos últimos dias, o Canal, que possui um fluxo diário de cerca de 50 embarcações, representando 12% do comércio mundial, teve destaque na mídia em razão do seu bloqueio pelo navio Ever Given, um porta-container de 400 metros de comprimento e aproximadamente 220 mil toneladas que encalhou no local.
Diante dessa situação, o tráfego entre o Mar Vermelho e o Mediterrâneo ficou paralisado entre os dias 23 e 26 de março e, no total, 422 navios, com 26 milhões de toneladas de produtos, ficaram bloqueados. Entre os possíveis motivos do incidente, os fortes ventos, os problemas técnicos e o Bank Effect, efeito de interações hidrodinâmicas entre o navio e um banco de areia que pode gerar a perda do controle da embarcação, foram apontados como os principais.
O que Marwa Elselehdar não esperava, era que ela, primeira mulher do Egito a alcançar o posto de capitã de navio e que no dia do acidente trabalhava no comandando do navio Aida IV, a quilômetros do Canal de Suez, seria falsamente acusada de ser a responsável pelo bloqueio. Ao que parece, tudo começou com uma manchete falsa atribuída erroneamente ao Arab News, que afirmava que Marwa estava envolvida no incidente.
Os responsáveis pela disseminação do boato utilizaram uma foto da capitã publicada em 22 de março em uma notícia real do site Arab News, que elogiava a trajetória de sucesso da profissional que, entre outros feitos, foi a mais jovem e a primeira capitã egípcia a cruzar o Canal de Suez, em 2015. Na imagem modificada, que foi compartilhada diversas vezes em redes sociais como o Twitter e o Facebook, o rosto e o nome de Elselehdar foram vinculados ao acidente do navio Ever Given. Além disso, contas no Twitter com o nome da capitã, espalharam falsas afirmações de que ela estava envolvida no bloqueio. De acordo com a jovem, as fotos alteradas e as informações falsas são parte de uma campanha de difamação contra mulheres árabes.
Marwa Elselehdar, que trabalha há 10 anos com a navegação e, em 2017, foi homenageada pelo presidente do Egito, Abdel Fattah El-Sisi, durante as celebrações do Dia da Mulher, teve medo de que todo o seu esforço fosse prejudicado pelas notícias falsas que alcançaram diversos países. Em entrevista, ela declarou “Este artigo falso estava em inglês, por isso se espalhou para outros países. Eu tentei negar o que estava no artigo porque estava afetando minha reputação e todos os esforços que fiz para estar onde estou agora”.
Em resposta, o Arab News vinculou uma notícia sobre as publicações falsas relacionadas ao seu artigo e a Elselehdar. Nas suas redes sociais, a capitã postou um vídeo explicando o incidente e agradeceu ao site pela reportagem que ressaltou os seus feitos como marinheira e o seu trabalho na Aida IV, navio da autoridade de segurança marítima do Egito que transporta suprimentos para um farol no Mar Vermelho e é usado para treinamento na Academia Árabe de Ciência, Tecnologia e Transporte Marítimo (AASTMT).
Os ataques sofridos por Marwa Elselehdar na internet não foram os primeiros casos de preconceito enfrentados pela capitã dentro de um ambiente majoritariamente masculino, em que as mulheres representam apenas 2% dos 1,2 milhão de marinheiros, segundo dados da Organização Marítima Internacional (OMI). Sobre o assunto, ela disse que “As pessoas em nossa sociedade ainda não aceitam a ideia de mulheres trabalhem no mar longe de suas famílias por muito tempo. Mas quando você faz o que ama, não precisa buscar a aprovação de todos”.
Apesar da situação desconfortável, Elselehdar, que fará em maio o exame final para alcançar o posto completo de capitã, afirmou que focou em todos os comentários positivos. “Decidi me concentrar em todo o apoio e amor que estou recebendo, e minha raiva se transformou em agradecimento”, acrescentou. Por fim, a jovem deixou um incentivo para todas as mulheres “Minha mensagem para as mulheres que querem estar nesta carreira é lutar pelo que amam e não deixar ser afetadas pela negatividade”.
Notícia produzida por Lorena Souza Carvalho Marinho, estagiária do IBDMAR, sob a supervisão de Carina Costa de Oliveira, Professora da Faculdade de Direito da UnB, Colíder do Gern-UnB, Diretora do IBDMAR.