Pirataria no Golfo da Guiné bate recorde e aumenta preocupação na comunidade internacional
Ao redor do mundo, 135 tripulantes foram sequestrados de seus navios em 2020. Deste total, 95% dos sequestros ocorreu no Golfo da Guiné¹. Ao que tudo aponta, este indicador continuará alto no presente ano, visto que de acordo com o IMB Piracy Reporting Centre – divisão especializada da International Chamber Of Commerce – a África Ocidental continua a reportar um número elevado de incidentes². É especialmente representativo da situação atual dois casos que ocorreram ainda no primeiro trimestre.
Fonte: International Chamber of Commerce
Durante seu trajeto, no dia 23 de janeiro, o navio cargueiro Mozart, de bandeira liberiana, tripulação majoritariamente turca e administrado pela Borealis Maritime, empresa com sede em Londres e Hamburgo³, foi abordado por um número desconhecido de piratas enquanto se encontrava a cerca de 100 milhas náuticas da costa de São Tomé, durante a viagem de Lagos para a Cidade do Cabo. Um tripulante, esse de nacionalidade azerbaijani, foi morto, enquanto outros quinze, todos nacionais turcos, foram sequestrados. Três outros tripulantes foram deixados a bordo e, posteriormente, conseguiram navegar para um porto seguro nas águas do Gabão⁴.
Fonte: TRT World
O sequestro teve repercussão na Turquia, e o presidente Recep Tayyip Erdoğan chegou a falar duas vezes por telefone com o quarto capitão do navio, Furkan Yaren, que permaneceu a bordo após o ataque e disse que navegou às cegas em direção ao Gabão, com danos aos controles do navio e apenas o radar funcionando. Furkan, segundo a agência de notícias estatal Anadolu, disse também que os piratas espancaram os tripulantes e o deixaram com uma perna ferida, enquanto outro ainda a bordo do navio tinha ferimentos por estilhaço⁵⁶⁷. David Johnson, CEO da EOS Risk Group, com sede no Reino Unido, afirmou que “o fato de alguém ter morrido, o número de pessoas presas e o aparente uso de explosivos para violar a cidadela do navio significa que é uma potencial reviravolta.”⁸ A empresa Boden, com sede em Istambul, que fornece serviços de gerenciamento técnico para o navio, foi contatada pelos piratas em 28 de janeiro, e duas semanas depois os quinze marinheiros turcos foram libertos. Em declarações à emissora de TV estatal TRT Haber, Levent Karsan, diretor-geral da Boden, disse esperar que o incidente leve as autoridades das Nações Unidas e da Organização Marítima Internacional a tomar medidas contra a pirataria na região⁹. O Ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlüt Çavuşoğlu, também para a TRT Harber, disse que “devemos aprender com isso e trabalhar juntos para garantir que isso não aconteça novamente”¹⁰.
Cerca de um mês depois, no dia 11 de março, o Davide B, navio-tanque de bandeira maltesa com 21 tripulantes a bordo, incluindo cidadãos ucranianos, romenos e filipinos, foi abordado por nove piratas armados a cerca de 212 milhas náuticas ao sul de Cotonou, Benin¹¹. O alarme foi disparado, mensagens de socorro foram enviadas, e um navio de segurança nigeriano foi enviado para auxílio. No entanto, quando o navio de segurança chegou, quinze tripulantes haviam sido sequestrados. Os seis restantes da tripulação, juntamente do Davide B, foram escoltados em segurança até um porto seguro¹². Poucos dias depois, a De Poli Shipmanagement, empresa holandesa que opera o navio, foi contatada pelos piratas e foi iniciada a negociação pela libertação dos marinheiros¹³. Pouco mais de um mês após o sequestro, todos os quinze tripulantes foram libertados e retornaram às suas casas¹⁴¹⁵.
Fonte: International Chamber of Commerce
Um relatório do IMB Piracy Reporting Centre apontou que o Golfo da Guiné foi responsável por todos os quarenta tripulantes sequestrados no mundo, e a única fatalidade até o momento¹⁶. A preocupação gerada por esses incidentes ecoou na Organização Marítima Internacional, com o seu Secretário-Geral, Kitack Lim, tendo apontado em uma carta circular as medidas que a OMI tem feito para coordenar iniciativas entre partes interessadas, incluindo nisso reuniões com representantes da indústria, a Nigeria Maritime Administration and Safety Agency e o Interregional Coordination Centre. Na próxima sessão do Maritime Safety Committee, MSC 103, programada para ocorrer em maio de 2021, a OMI pretende convocar um grupo de trabalho de segurança marítima com foco no Golfo da Guiné¹⁷.
Preocupação da mesma ordem foi expressada por Aslak Ross, head of maritime standards na gigante dinamarquesa Maersk, que é responsável por ao menos um terço do comércio marítimo no Golfo¹⁸. Ross disse que “é inaceitável nos dias de hoje que os trabalhadores do mar não possam realizar seu trabalho de garantir uma cadeia de abastecimento vital para esta região sem ter que se preocupar com o risco de pirataria”¹⁹, e a Agence France-Presse noticiou que a Maersk quer uma missão internacional semelhante à operação naval que a União Europeia desdobra no Golfo de Aden, ao largo da África Oriental, desde 2008 e à qual se credita uma queda acentuada da pirataria naquela localidade. Coincidência ou não, pouco tempo depois o Reino da Dinamarca, que apoia as tentativas da Maersk de envolver a União Europeia na segurança da região, anunciou que até o fim do ano enviará uma fragata para combater os piratas e apoiar e escoltar a navegação civil na área, atuando em águas internacionais²⁰.
Por sua vez, a União Europeia, aprovou, em 25 de janeiro de 2021²¹, o lançamento do primeiro projeto-piloto da iniciativa Coordinated Maritime Presence (CMP) para o Golfo, que torna a região uma Área Marítima de Interesse sob coordenação do Estado-Maior da UE²². A CMP, liderada pela UE, envolve França, Espanha, Itália e Portugal, e fornece recursos para navios militares que já estão na região, em troca de compartilhamento de informações e inteligência. No entanto, de acordo com Jessica Larsen do Danish Institute for International Studies²³, como não existe mandato para os navios da CMP intervirem em um ataque, a iniciativa da UE está aquém da intervenção esperada pela Maersk e a Dinamarca. Em entrevista à Agence France-Presse, Munro Anderson, da empresa de segurança marítima Dryad Global, completa dizendo que “é improvável que a Nigéria receba uma coalizão naval internacional, pois isso serviria para evidenciar a ineficácia dos esforços nigerianos de combate à pirataria”²⁴.
Notícia produzida por Raphael Pereira da Silva, estagiário do IBDMAR, sob a supervisão do Prof. Dr. Luciano Vaz Ferreira, Professor da Universidade Federal do Rio Grande, Diretor do IBDMAR.
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¹ ICC. Gulf of Guinea records highest ever number of crew kidnapped in 2020, according to IMB’s annual piracy report. Disponível em: https://www.icc-ccs.org/index.php/1301-gulf-of-guinea-records-highest-ever-number-of-crew-kidnapped-in-2020-according-to-imb-s-annual-piracy-report.
² ICC. IMB Piracy & Armed Robbery Map 2021. Disponível em: https://www.icc-ccs.org/index.php/piracy-reporting-centre/live-piracy-map.
³ ANADOLU AGENCY. Ship attacked off Nigeria not Turkish-owned: Company. Disponível em: https://www.aa.com.tr/en/africa/ship-attacked-off-nigeria-not-turkish-owned-company/2122106.
⁴ GCAPTAIN. Borealis Maritime Confirms Deadly Pirate Attack on MV Mozart, Offers Condolences. Disponível em: https://gcaptain.com/borealis-maritime-confirms-deadly-pirate-attack-on-mv-mozart-offers-condolences/.
⁵ ANADOLU AGENCY. Nijerya açıklarında Türk gemisinden mürettebat kaçırıldı. Disponível em: https://www.aa.com.tr/tr/dunya/nijerya-aciklarinda-turk-gemisinden-murettebat-kacirildi-/2120738.
⁶ ANADOLU AGENCY. Cumhurbaşkanı Erdoğan, saldırıya uğrayan geminin kaptanı ile görüştü. Disponível em: https://www.aa.com.tr/tr/turkiye/cumhurbaskani-erdogan-saldiriya-ugrayan-geminin-kaptani-ile-gorustu/2120781.
⁷ ANADOLU AGENCY. Cumhurbaşkanı Erdoğan Nijerya açıklarında saldırıya uğrayan geminin kaptanıyla görüştü. Disponível em: https://www.aa.com.tr/tr/turkiye/cumhurbaskani-erdogan-nijerya-aciklarinda-saldiriya-ugrayan-geminin-kaptaniyla-gorustu/2121495.
⁸ REUTERS. Pirates kidnap 15 Turkish sailors in attack on container ship off Nigeria. Disponível em: https://www.reuters.com/article/ozatp-uk-turkey-ship-kidnapping-nigeria-idAFKBN29V0QN-OZATP.
⁹ REUTERS. Turkish sailors freed after kidnapping off Nigeria: company executive. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-turkey-ship-kidnapping-nigeria-idUSKBN2AC1LP.
¹⁰ ALJAZEERA. Turkish sailors freed after weeks in pirate captivity. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2021/2/12/turkish-sailors-freed-off-nigeria-after-weeks-in-pirate-captivity.
¹¹ SPLASH247. 15 crew abducted from chemical tanker by pirates off Benin. Disponível em: https://splash247.com/15-crew-abducted-from-chemical-tanker-by-pirates-off-benin/.
¹² GCAPTAIN. Pirates Kidnap 15 from Chemical Tanker in Gulf of Guinea. Disponível em: https://gcaptain.com/pirates-kidnap-15-from-chemical-tanker-in-gulf-of-guinea/.
¹³ GCAPTAIN. Contact Established with Kidnapped Crew of MT Davide B. Disponível em: https://gcaptain.com/contact-established-with-kidnapped-crew-of-mt-david-b/.
¹⁴ SAFETY4SEA. 10 kidnapped crew from ”Davide B” released. Disponível em: https://safety4sea.com/10-kidnapped-crew-from-davide-b-released/.
¹⁵ INQUIRER.NET. 15 sailors, among them Filipinos, released after Gulf of Guinea kidnap. Disponível em: https://globalnation.inquirer.net/195197/15-sailors-among-them-filipinos-released-after-gulf-of-guinea-kidnap.
¹⁶ ICC. Gulf of Guinea remains world’s piracy hotspot in 2021, according to IMB’s latest figures. Disponível em: https://www.icc-ccs.org/index.php/1306-gulf-of-guinea-remains-world-s-piracy-hotspot-in-2021-according-to-imb-s-latest-figures.
¹⁷ IMO. IMO urges action to deter piracy in Gulf of Guinea. Disponível em: https://www.imo.org/en/MediaCentre/PressBriefings/pages/03-piracy-Gulf-of-Guinea.aspxv.
¹⁸ GCAPTAIN. Denmark to Send Frigate to Combat Piracy in Gulf of Guinea. Disponível em: https://gcaptain.com/denmark-sends-frigate-to-combat-piracy-in-gulf-of-guinea/.
¹⁹ GCAPTAIN. Piracy Surge Off West Africa Prompts Maersk Call for Action. Disponível em: https://gcaptain.com/piracy-surge-off-west-africa-prompts-maersk-call-for-action/.
²⁰ DANISH MINISTRY OF DEFENCE. Denmark deploys a vessel contribution in order to fight the pirates in the Gulf of Guinea. Disponível em: https://fmn.dk/en/news/2021/denmark-deploys-a-vessel-contribution-in-order-to-fight-the-pirates-in-the-gulf-of-guinea/.
²¹ COUNCIL OF THE EU. Gulf of Guinea: Council conclusions launching the pilot case for the Coordinated Maritime Presences concept. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2021/01/25/gulf-of-guinea-council-conclusions-launching-the-pilot-case-for-the-coordinated-maritime-presences-concept/.
²² MARQUES, João Victor. O protagonismo da União Europeia na segurança marítima do Golfo da Guiné. Boletim Geocorrente, n. 134, p. 6-7. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/egn/sites/www.marinha.mil.br.egn/files/Boletim%20Geocorrente%20134%20-%2011%20FEVEREIRO%202021.pdf.
²³ DANISH INSTITUTE FOR INTERNATIONAL STUDIES. Jessica Larsen. Disponível em: https://www.diis.dk/en/experts/jessica-larsen.
²⁴ BARRON’S. Maersk Pleads For Military Backup Against West Africa Pirates. Disponível em: https://www.barrons.com/news/maersk-pleads-for-military-backup-against-west-africa-pirates-01614955506.