Notícias

28 abril 2021

Case of Feilazoo V. Malta: o Julgamento da Corte Europeia de Direitos Humanos e a Proteção dos Migrantes em Alto Mar

Em 03 de março de 2021, a Corte Europeia de Direitos Humanos julgou o caso Feilazoo V. Malta, que versa sobre as condições de detenção para imigração, bem como a violação dos direitos consagrados nos artigos 3º e 5º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Trata-se de uma demanda que impugna as ações de Malta quanto à proibição de tortura e à liberdade, e segurança. A plataforma fática do caso inicia-se com a terrível situação dos migrantes que tentam cruzar o Mar Mediterrâneo Central em busca de segurança na Europa, em razão das condições desumanas que enfrentam na Líbia e no mar. No entanto, após a sua recepção na Europa, por vezes, não lhe são assegurados condições seguras. [1]

Nesse cenário, em 2 de outubro de 2020, o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas solicitou uma ação urgente para lidar com a referida situação. A chamada ocorreu após uma missão que foi realizada entre os dias 21 a 25 de setembro de 2020 em Malta, por uma equipe de Oficiais de Direitos Humanos durante a qual dialogaram com funcionários do governo, parceiros da Organização das Nações Unidas (ONU), líderes comunitários de migrantes, organizações da sociedade civil e setenta e seis migrantes de 25 anos de nacionalidades diferentes.

Foi possível extrair da missão que em relação ao desembarque em Malta, alguns migrantes afirmaram ter sido detidos por vários meses, com pouco acesso à luz do dia, água potável e saneamento. Eles relataram superlotação severa, más condições de vida e contato limitado com o mundo exterior, incluindo advogados e organizações da sociedade civil. Os migrantes também sustentaram que receberam apenas uma muda de roupa desde que chegaram. No centro de detenção fechado visitado pela equipe, houve vários relatos de autoagressão e tentativa de suicídio. Também houve vários protestos dentro dos centros de detenção nos últimos meses, com as forças de segurança chamadas para restaurar a ordem.

No ponto, a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, reafirmou que as pressões sobre o sistema de recepção em Malta são conhecidas há muito tempo, mas a pandemia claramente piorou uma situação já difícil. Ou seja, a situação se mostra ainda mais grave dado o cenário da crise sanitária que assola o globo mundial (decorrente da COVID-19), na qual como já asseverado pela a Vice-Diretora interina da Europa e Ásia Central na Human Rights Watch (HRW), Judith Sunderland, é inacreditável que o Governo maltês mantenha estas pessoas presas durante semanas em barcos turísticos e em condições miseráveis a fim de pressionar outros países da União Europeia (UE) a resgatá-los.

Destaca-se, no entanto, que a Organização Internacional para Migrações (OIM) já afirmou que os governos e as embarcações têm a obrigação legal e moral de responder a qualquer pedido de ajuda em alto mar, [2] razão pela qual as preocupações com a COVID-19 e as queixas de longa data, parcialmente justificadas, sobre a falta de partilha justa de responsabilidades entre os países europeus não podem desculpar este comportamento escandaloso. Situação parecida foi vivenciada na Grécia que vem sofrendo grande pressão em relação às suas decisões em questões migratórias. Isso porque, há muito tempo é acusada de realizar “pushbacks” que, segundo Nele Matz-Lück, é um termo político utilizado para conceituar a prática de “empurrar para trás” barcos de refugiados, no qual enseja uma violação da obrigação legal de resgatar uma pessoa em perigo no mar. [3]

Em ambas situações, destaque-se que o artigo 98.1 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982), [4] também conhecida como Convenção de Montego Bay, estabelece a obrigação de prestar assistência a qualquer pessoa que se encontre no mar em perigo de desaparecer. Sendo que essa obrigação deve ser exigida pelo Estado ao capitão do navio do qual sua bandeira faz parte, ou seja, a associação é do próprio Estado e não apenas individual do capitão do navio. [5] Isso porque, ainda que não haja convenções ou tratados de direito internacional que definem a migração pelo mar ou mesmo migrantes pelo mar, os Estados não podem se abster de prestar assistência aos migrantes em alto mar, considerando o caráter humano e a vulnerabilidade da situação.

Se faz necessário lembrar, sobretudo, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) [6] é assertiva ao determinar que todas as pessoas possuem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar. Ademais, ressalta-se a importância do chamado princípio do non-refoulement, que contém, na sua essência, a ideia de que o Estado não deve obrigar uma pessoa a retornar a um território onde possa estar exposta à perseguição.

Por essas razões, o resultado das atitudes severas e desumanas realizadas em Alto Mar aos migrantes, mostra-se contrária ao Direito Internacional do Mar, ao Direito Internacional dos Direitos Humanos e à cooperação internacional que, perante inúmeros tratados, deve efetivar-se de modo a proteger os direitos inerentes à condição do ser humano. Consequentemente, evidencia a carência de políticas públicas que efetivem os direitos humanos no plano interno, ao passo que os Estados que permitem o desembarque dos migrantes, por vezes, os mantém em situações degradantes, como a superlotação severa, más condições de vida e contato limitado com o mundo exterior.

Por fim, a Corte Europeia de Direitos Humanos, por unanimidade, declarou as queixas sobre as violações do artigo 3º, a respeito das condições de detenção do requerente e do artigo 5º (1), admissíveis. Razão pela qual, declarou que o Governo maltês violou os direitos consagrados nos artigos 3º e 5º (1) da Convenção Europeia de Direitos Humanos, por não ter erradicado a tortura e prestado assistência legal às condições de liberdade e segurança dos migrantes.

Por Murilo Borges, bacharelando em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público e em Relações Internacionais no Centro Universitário Internacional, sob a orientação e supervisão do Prof. Dr. Leonardo de Camargo Subtil, Vice-Presidente do IBDMar.

REFERÊNCIAS

[1] CEDH, Cour Européenne des Droits del L’homme European Court Of Human Rights. Caso Feilazoo c. Malta. Queixa nº 6865/19. Sentença 11 de março de 2021. Disponível em: <http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-208447>. Acesso em: 25 abr. 2021.

[2] ONU NEWS, Organização das Nações Unidas. Mais de 20 mil migrantes morreram em travessias no Mediterrâneo desde 2014. 06 de março de 2020. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2020/03/1706451>. Acesso em: 25 abr. 2021.

[3] BORGES, Murilo. As políticas externas migratórias: Análise da (des)governança migratória da Grécia. Revista Relações Exteriores, 2020. Disponível em: <https://relacoesexteriores.com.br/as-politicas-externas-migratorias/>. Acesso em: 25 abr. 2021.

[4] CNUDM. Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica, 10 de dezembro de 1982. Disponível em: <http://www.iea.usp.br/noticias/documentos/convencao-onu-mar>. Acesso em: 25 abr. 2021.

[5] CESETTI, Carolina Vicente. Banksy e Migração pelo Mar. Instituto Brasileiro de Direito do Mar. 10 de Setembro de 2020. Disponível em: <http://www.ibdmar.org/2020/09/banksy-e-migracao-pelo-mar/>. Acesso em: 25 abr. 2021.

[6] ONU, Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução nº 217-A-III), 10 de dezembro de 1948. Disponível em: <https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2021.

 

Share via
Copy link
Powered by Social Snap