Trabalhadores Marítimos em tempos de pandemia: qual deve ser o seu lugar na fila da vacina?

29 março 2021

Trabalhadores Marítimos em tempos de pandemia: qual deve ser o seu lugar na fila da vacina?

É de conhecimento da indústria naval que marinheiros saudáveis ​​e vacinados são essenciais para manter as nações abastecidas, porém, parte da população mundial ainda não havia se atentado para este fato.  Considerando a relevância da função social desses trabalhadores, a Câmara Internacional de Navegação (ICS, sigla em inglês) tem chamado a atenção dos governos para que priorizem os marítimos e trabalhadores marítimos da linha de frente nas respectivas filas nacionais das vacinas contra o COVID-19 e os designem como trabalhadores-chaves, deste modo evitando uma repetição da “crise de mudança de tripulação” de 2020.

Como 90% do comércio mundial é movido por mar, é possível afirmar que esses trabalhadores são responsáveis pelo transporte da maior parte dos  alimentos, remédios e bens de que consumimos. Apesar disso, os marítimos permanecem invisibilidados por grande parte da população e seus direitos decorrentes da Convenção do Trabalho Marítimo e demais instrumentos internacionais são recorrentemente violados. As restrições decorrentes do COVID-19 agravaram esse quadro de vulnerabilidade já existente. Vários trabalhadores foram forçados a extrapolar seus contratos de trabalho, quanto ao prolongamento de turnos de vigilância além da duração especificada nos contratos de trabalho, intensificando as preocupações em relação à segurança do navio, fadiga da tripulação e acessos aos cuidados de saúde. Em decorrência da crise de troca de tripulação, alguns marinheiros estão presos no mar há aproximadamente dois anos. Com o limitado apoio dos governos nacionais, a preocupação principal é que, caso novas restrições sejam impostas, este número possa aumentar rapidamente. Como consequência, já se tem falado que o Covid-19 gerou uma “crise humanitária” no setor.

A disseminação de novas variantes do COVID-19 no Brasil, África do Sul e Reino Unido teve como consequência o aumento das restrições à mudança de tripulação. As Filipinas, por exemplo, expandiram sua proibição temporária de mudança de tripulação para 35 países, impedindo que marítimos estrangeiros desembarquem em portos filipinos. O Reino Unido proibiu viajantes da América do Sul, e os EUA endureceram seus requisitos de entrada. Todas essas medidas, fazem parte de uma contenção global mais ampla em torno da facilidade de viajar, dado que a indústria naval tem o receio de que isso acarrete em vários trabalhadores marítimos, se tornando o dano colateral da inação do governo.

Diante desse quadro, o ICS, que representa mais de 80% dos armadores globais, está exigindo dos governos – que mais uma vez estão restringindo as viagens, em razão de uma reação às novas mutações do COVID-19 – o reconhecimento do papel vital que os marítimos desempenham na cadeia de suprimentos.

De fato, mais de 40 países escutaram o apelo e reconheceram os marítimos como trabalhadores-chave, ou seja, para que estes trabalhadores marítimos possam ser aliviados e repatriados de maneira segura durante a pandemia do COVID-19. Cingapura, foi o primeiro grande país a listar os trabalhadores marítimos como prioridade para as vacinas contra o COVID-19. Por sua vez, o governo brasileiro, por intermédio do Ministério da Saúde, incluiu os profissionais da área de transporte – portuários e aquaviários – no grupo prioritário para a vacinação no dia 18 de janeiro de 2021. Todavia, a maioria dos governos ainda não reconheceram, o que gerou uma demanda crescente dentro da indústria por novas soluções para a distribuição de vacinas antes que a crise humanitária enfrentada pelos marítimos piore.

Em 2021, o transporte marítimo e os marítimos terão um papel mais importante, visto que grande parte das vacinas, suprimentos médicos e equipamentos de proteção individual (EPI), serão transportados por via marítima. Nesse sentido, o Secretário-Geral do ICS, Guy Patten, comentou que devem ser óbvios os benefícios, para a vacinação dos responsáveis pelo transporte da vacina e dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Ademais, a classificação dos marítimos como “trabalhadores-chaves” atende aos direitos humanos desses trabalhadores, que estão incapacitados de deixar seus locais de trabalho. Além disso, os governos não serão capazes de vacinar seus cidadãos sem a indústria naval, ou, mais importante, nossos marítimos.

Por Rayanne Reis Rêgo Cutrim, estagiária do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR), sob supervisão da Doutoranda Luciana Coelho.

 

 

Referências:

BALBINO, Fernanda. Imunização de portuários ocorrerá quando houver vacinas, diz Ministério da Saúde. A Tribuna. Porto & Mar. 21 de janeiro de 2021. Disponível em: <https://www.atribuna.com.br/noticias/portoemar/imuniza%C3%A7%C3%A3o de-portu%C3%A1rios-ocorrer%C3%A1-quando-houver-vacinas-diz-minist%C3%A9rio-da-sa%C3%BAde-1.138993.>. Último acesso em: 01.03.2021.

Give seafarers COVID-19 vaccine to avoid crew change crisis, says ICS.
Port Technology International Team
. 21 de janeiro de 2021. Container Handling, Environment and Sustainability, Global Trade, News, Ports and Terminals, Supply Chain). Disponível em: <https://www.porttechnology.org/news/give-seafarers-covid-19-vaccine-to-avoid-crew-change-crisis/>. Último acesso em: 01.03.2021.

Shipping industry demands vaccine priority for seafarers amid renewed crew change struggles. International Chamber of Shipping. 19 de janeiro de 2021. News, Press Releases and Statements. Disponível em: <https://www.ics-shipping.org/press-release/shipping-industry-demands-vaccine-priority-for-seafarers-amid-renewed-crew-change-struggles/>. Último acesso em: 01.03.2021.

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