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12 março 2021

A nova lei chinesa da guarda costeira: garantindo a sua soberania ou arriscando a paz na região marítima da Ásia?

A China recentemente aprovou uma nova lei da guarda costeira, que entrou em vigor no dia 1 de Fevereiro. A lei confere à Guarda Costeira Chinesa (GCC) completa autoridade para usar força militar para impedir a entrada de embarcações estrangeiras no que Pequim considera ser as suas “águas jurisdicionais”.

A lei, pela primeira vez, deixa claro o papel da guarda costeira chinesa quanto à segurança marítima, aplicação de leis administrativas, investigação criminal e cooperação internacional. Ela também regula o uso de equipamentos e armas, além de definir limites de sua autoridade e os procedimentos para aplicação de tais medidas. [1]

Ademais, a lei enfatiza a composição das unidades militares, focando na patrulha das águas sob soberania chinesa ao “prevenir, parar e eliminar atos que coloquem em risco a soberania nacional, a segurança e os direitos e interesses marítimos” (art. 12). Ela confere à GCC o poder para “tomar todas as medidas necessárias, inclusive utilizando armas de fogo” (art. 22). [2]

Outro ponto importante da nova lei diz respeito ao papel da GCC como polícia marítima. Ela especifica que, se um sujeito, em uma tentativa de “fugir de penas administrativas”, resolver “destruir evidências”, dificultando o trabalho da marinha chinesa de coletá-las, a GCC “pode, na presença de outras evidências, presumir fatos como verdadeiros” (art. 35) a menos que o acusado responda à acusação com outra evidência contrária. [3]

Considerando que a China possui disputas acerca da soberania marítima com o Japão no Mar da China Oriental e com diversos outros países do sudeste asiático no Mar do Sul da China, surgiram preocupações entre os países vizinhos à China, visto que a China supostamente já enviou outras vezes a GCC para perseguir embarcações pesqueiras de países estrangeiros, às vezes resultando no afundamento de tais embarcações. [4]

Assim, demonstra-se essencial destacar que não se trata do primeiro capítulo desse conflito em relação à extensão da soberania chinesa sobre a chama “Linha das nove raias” e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). O South China Sea Arbitration Case, disputa entre as Filipinas e a China, ressaltou a tensão que permeia a região e a dificuldade de se encontrar um meio-termo no conflito. Nesse caso em particular, o tribunal decidiu que “entre as Filipinas e a China, as reivindicações da China aos direitos históricos, além de outros direitos ou jurisdições soberanas, no que diz respeito às áreas marítimas do Mar do Sul da China englobadas pela parte relevante da ‘linha de nove raias’ são contrárias à Convenção e sem efeito legal, na medida em que excedem os limites geográficos e substantivos dos direitos marítimos da China nos termos da Convenção; e declara ainda que a Convenção substituiu quaisquer direitos históricos ou outros direitos ou jurisdições soberanas além dos limites nele dispostos”. [5]

Dessa forma, tendo em vista que a China tem contestado o alcance de sua “Linha das nove raias”, a nova lei poderia conferir amplos poderes ao GCC contra nações que contestam a sua extensão. A sua natureza extraterritorial permite à GCC utilizar “todos os meios necessários” para remover à força presença estrangeira não autorizada, além de qualquer estrutura construída por outro Estado (arts. 17 e 20).

Li Zhanshu, presidente da Comissão Permanente do 13º Congresso Nacional do Povo (CNP), afirmou em 22 de Janeiro que a nova lei da guarda costeira confere garantias legais para efetivamente proteger a soberania nacional, a segurança nacional, os seus direitos marítimos e interesses. Além disso, a diretora do Departamento de Informações do Ministério das Relações Exteriores da República Popular da China, Hua Chunying, ao responder a uma pergunta de um jornalista japonês, disse que a lei está de acordo com a prática internacional. Ela ressaltou que a política marítima chinesa permanece inalterada e expressou seu desejo de que o Japão conseguirá resolver suas diferenças com a China pela diplomacia para manter a paz e a estabilidade na região. [6]

Diversos questionamentos surgiram por parte da comunidade internacional acerca da nova lei da guarda costeira chinesa, já que ela supostamente poderia não somente representar ameaças significativas à geopolítica marítima da Ásia, mas inclusive poderia ser classificado como um desrespeito às normas previstas na CNUDM, cuja China é signatária.  Enquanto o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês Wang Wenbin reiterou que “parte substancial do projeto de lei estava de acordo com as convenções internacionais e práticas de diversos países” e que “a política chinesa e posição em relação aos assuntos marítimos permanece inalterada”, a lei da guarda costeira chinesa se encontra em uma zona cinzenta em relação ao cumprimento das normas da CNUDM. [7]

Apesar de o primeiro artigo da referida lei versar que ela é necessária para proteger e salvaguardar a soberania chinesa, sua segurança e interesses, ainda há incerteza em relação às medidas que serão adotadas pela China e se estarão em total acordo com as obrigações impostas pela CNUDM, além da reação da comunidade internacional.

 

 

[1] CGTN. China passes coast guard law to safeguard maritime interests. Disponível em: https://news.cgtn.com/news/2021-01-25/China-passes-coast-guard-law-to-safeguard-maritime-interests-XkPkv1KgUM/index.html. Acesso em: 04 de Mar. 2021.

[2] CHINA. The Coast Guard Law of the People’s Republic of China. Disponível em: http://lawinfochina.com/display.aspx?lib=law&id=34610. Acesso em: 05 de Mar. 2021.

[3] PANDA, J. China’s Coast Guard Law Tests Resilience of Maritime Asia. Disponível em: https://japan-forward.com/asias-next-page-chinas-coast-guard-law-tests-resilience-of-maritime-asia/. Acesso em: 04 de Mar. 2021.

[4] TIAN, Y. L. China authorises coast guard to fire on foreign vessels if needed. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-china-coastguard-law-idUSKBN29R1ER. Acesso em: 04 de Mar. 2021.

[5] South China Sea Arbitration, Filipinas v China, Caso TPA Nº 2013-19, ICGJ 495 (TPA 2016), 12 de Julho de 2016, Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA), p. 476, para. 2.

[6] Veja nota 1

[7] Veja nota 4

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