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08 dezembro 2020

Velocidade não tão máxima

por Larissa Coutinho
Doutoranda e Mestre em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília
Pesquisadora do Grupo de Direito, Recursos Naturais e Sustentabilidade (GERN) da Universidade de Brasília

Alguns anos atrás, a Marinha do Brasil lançava uma campanha sobre a segurança da navegação. Em vídeo que contava com a participação do velejador Lars Grael[1], usando uma analogia, o narrador explicava que, como no trânsito, o mar também possui suas regras de segurança: as lanchas seriam como os carros, os jet skis como as motos e os banhistas como os pedestres.

No decorrer do tempo, essa aproximação apenas se intensificou. Recentemente, a operação “Lei Seca Marítima”, realizada em parceria com a Capitania dos Portos buscou prevenir acidentes no mar causados pela já conhecida combinação de álcool e direção.

Contudo, a regra de velocidade de navegação permanece de fora dessa correlação. Se por um lado, em todas as vias terrestres, há limites de velocidades estabelecidos, o mesmo não pode ser dito das vias marítimas. Com a exceção de algumas manobras, como o fundeio e a atracação, e da navegação em portos, em marinas ou em águas restritas, em geral, o que se exige é apenas que as embarcações naveguem com velocidade que permita reagir, com segurança, às necessidades da navegação.

É possível que a falta de uma regulamentação da velocidade máxima continuasse a ser a regra, se não fosse pela entrada de uma peça a mais no jogo. Para além da segurança da navegação, estudos recentes apontam que os limites de velocidade também influenciam na questão ambiental.

Em relatório do final de 2019, a Seas at Risk[2] concluiu que a redução da velocidade de navegação dos navios resultaria em uma diminuição de 20% de emissão de gases de efeito estufa e de outros poluentes, como o óxido de nitrogênio. Além disso, os ruídos submarinos decairiam em mais de 60%, bem como as chances de colisões entre baleias e embarcações. Esses números se tornam especialmente importantes quando lembramos que o transporte marítimo é o responsável por 3% das emissões globais relacionados ao aquecimento global e por parcela significante da poluição oceânica.

Assim, do ponto de vista jurídico, fica claro que não ocorre a internalização das externalidades negativas e, como consequência, há o descumprimento do princípio do poluidor-pagador.

É claro que a tarefa de regulamentar a velocidade de navegação, por mais que seja desejável – e nesse sentido já se manifestou a Organização Marítima Internacional
(IMO)[3] – não é uma tarefa fácil. Questões como escolha pela velocidade máxima ou média, forma de fiscalização e diferenças para tipos e tamanhos do navio precisam ser analisados e pesadas.

Com relação à competência é preciso decidir se as normas de comando e controle serão definidas global, regional ou bilateralmente, ou ainda pelos Estados de bandeira ou de Porto. Os problemas aqui são os mesmos encarados por outras formas de poluição: o Oceano não reconhece as divisões da Convenção de Montego Bay.

De toda forma, já é possível destacar algumas vantagens dessa abordagem. Quando os objetivos das normas se misturam, é possível que o meio ambiente se beneficie da efetividade que os regulamentos técnicos-jurídicos de segurança já possuem. Além disso, é sempre desejável que haja, cada vez mais, uma convergência entre as diferentes áreas de conhecimento.

Se a questão evoluir de forma positiva, quem sabe no futuro a propaganda não será ao contrário: os carros e caminhões serão como os navios; as regras de segurança terrestres deverão ser como no mar.

[1]Para ver o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=oHDF1BiQBR4

[2]Ver o relatório em: https://seas-at-risk.org/24-publications/988-multi-issue-speed-report.html

[3]Ver: https://www.imo.org/en/MediaCentre/HotTopics/Pages/Reducing-greenhouse-gas-emissions-from-ships.aspx

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