Quem me navega é o mar
Por Bruno Costelini é Oceanógrafo pelo CEM/UFPR e doutorando em Direito pela Durham University (Reino Unido)
Na primeira coluna de 2020, registrei aqui que esse seria um ano decisivo para a Ciência e o Direito do Mar. Os preparativos para a Década das Nações Unidas para os Oceanos (2021-2030) se acelerariam, as negociações para o Código de Mineração de Oceanos Profundos e para o Tratado de Biodiversidade Marinha em Áreas Internacionais chegariam ao termo, e ainda uma segunda grande Conferencia dos Oceanos em Lisboa poderia ser uma apoteose de todos esses processos.
Pretendia tratar desses eventos em detalhe, pois participaria de todos em eles in loco, no entanto, logo em março fomos surpreendidos pelos efeitos devastadores de uma pandemia e, presos em casa, nada mais pudemos fazer senão aguardar. Muitos acadêmicos, viram nesse momento uma oportunidade de intensificar suas colaborações, participar de seminários, conferências, projetos, facilitados pela comunicação instantânea de que felizmente dispomos hoje. Curiosamente, a paralisia geral deixou todos em pé de igualdade e de repente um pesquisador no interior do Brasil tinha tanto acesso a um evento na Europa ou na China com outro local, o que sempre representou uma barreira significativa.
De minha parte, contudo, preferi me recolher aos bons e velhos livros e aproveitei para ler e reler alguns clássicos, tratados históricos e análises aprofundadas, aos quais normalmente não damos a atenção devida. À famosa ‘revisão de literatura’ que fazemos constantemente, mas sempre de maneira entrecortada e utilitarista, a partir de artigos muitas vezes superficiais e repetitivos, procurei adicionar essa dimensão histórica, filosófica e até, por que não, artística. É uma pena que em nossa sanha de tecer comentários rápidos, reagir à última decisão de tribunal, à última inovação jurídica ou descoberta científica, releguemos a contemplação filosófica e estética a planos secundários.
Assim, ocupei esse espaço nos últimos meses com breves resenhas de alguns livros que julguei poderiam aproveitar aos colegas que estudam os oceanos e as diversas formas pelas quais atuamos sobre eles, ou por meio deles. E não foi sem um pouco de surpresa que recebi muitas reações positivas e entusiasmadas diante dessas notas, que a princípio pensei que poderiam soar enfadonhas ou pretensiosas, além de aparentemente distantes dos interesses profissionais da maioria. Há sim uma sede por esse tipo de cultura, e é preciso aplacá-la.
Nesse mesmo sentido, a primeira coluna “Um mar de cultura”, publicada há poucos dias aqui no site do IBDMAR por Soraya Fontaneles, foi outra grata surpresa que merece ser festejada e que espero que tenha seguimento no próximo ano, pois para cada verso de Sophia Andresen, poderíamos responder com uma canção de Caymmi, ou uma tela de Pancetti, enfim.
Mas prefiro não arriscar previsões para 2021. Uma braçada de cada vez. Entre novo normal e velho normal algum equilíbrio teremos de encontrar. Espero poder me entusiasmar novamente em breve com o mundo da governança dos oceanos, mas ao mesmo tempo não pretendo abandonar essa redescoberta da História e das Artes, então do que essa coluna tratará no ano que vem, só o tempo dirá. Nas palavras de Hermínio Bello de Carvalho e Paulinho da Viola, “Não sou eu quem me navega / quem me navega é o mar / É ele que me carrega / como nem fosse levar”.