Como A Vida Na Água iniciará a Década Oceânica
Por Carolina Vicente Cesetti
Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) Pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito, Recursos Naturais e Sustentabilidade (GERN/UnB)
O ano de 2020 trouxe muitas mudanças coletivas e individuais, muitas dessas mudanças vieram para ficar, bem como as consequências das mesmas. Observar os rumos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n. 14 não é uma exceção às modificações ocorridas neste ano conforme o Relatório dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de 2020[1].
Ao contrário do esperado, algumas notícias não são totalmente negativas, por isso é interessante observar por onde a ODS 14 andou navegando nos últimos tempos e como ela iniciará no ano que vem, no primeiro ano da Década Oceânica das Nações Unidas.
Vale lembrar que o relatório tratado no presente texto, é referente exclusivamente ao Objetivo 14 e alguns de seus objetivos que foram abordados e destacados ao longo do documento oficial da ONU. Desta forma, os temas tratados no relatório englobaram a acidificação do oceano, as áreas marinhas protegidas e a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN)
Insta destacar, igualmente, que dentre os 17 objetivos das Nações Unidas, de forma direta ou indireta, há relação com a vida na água e estes outros objetivos também contribuem para o desenvolvimento da ciência oceânica.
Conforme as Nações Unidas, antes da COVID-19 o nível de acidificação dos oceanos continuava a crescer e ameaçar o meio ambiente marinha, os dados eram de 100% a 150% de aumento na acidificação que projetava afetar metade da vida marinha até 2100. As implicações da pandemia, conforme o relatório do Objetivo 14, foi que a drástica diminuição das atividades humanas poderia ser vista como uma chance para os oceanos se recuperarem destas.
Se formos ainda mais longe, houve um grande aumento no percentual global de áreas marinhas protegidas. Nos anos 2000 eram 30,5%, em 2015 se tornaram 44,8% e, mais recentemente, em 2019 o número aumentou para 46% de áreas marinhas protegidas os redor do globo.
No que concerne a pesca, alguns avanços também puderam ser identificados como a assinatura de 97 países no acordo internacional de Medidas do Estado de Porto Destinadas a Prevenir, Impedir e Eliminar a Pesca Ilegal Não Declarada e Não Regulamentada (INDNR)[2].
Os avanços são positivos, entretanto, é preciso detalhar melhor cada um deles uma vez que ainda têm um longo percurso a navegar. Observar essas situações não apenas como uma chance para o oceano se restaurar, mas igualmente, como um oportunidade para buscar um caminho de recuperação sustentável que garantirá meios de subsistência por décadas e décadas.
Acerca da acidificação dos oceanos, é constatado que a mudança química nos oceanos pode afetar o comportamento da vida na água[3]. Desta forma, conforme relatório das Nações Unidas, a diminuição da atividade humana durante a pandemia pode ser um momento de reorganização para que o objetivo 14.3 possa ser fortalecido, este objetivo tem como finalidade “minimizar e enfrentar os impactos da acidificação dos oceanos, inclusive por meio do reforço da cooperação científica em todos os níveis”. É um objetivo ambicioso e por isso o atual momento pode torna-lo mais propício para o aprofundamento dos debates e pesquisas do tema.
Sobre as áreas marinha protegidas, o percentual cresceu significativamente, mas segundo o relatório das Nações Unidas, muitas dessas áreas fundamentais para a preservação de ecossistemas e espécies vulneráveis têm apenas cobertura parcial da área protegida.
A proteção destas áreas é afetada por diversas atividades como, por exemplo, mais um fator citado pelo relatório que é a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN). Trata-se de um problema real que precisa ser enfrentado com medidas eficazes de combate a essa prática, que vem sendo apontada pelas Nações Unidas como um empecilho ao desenvolvimento da pesca sustentável[4].
A pesca INN ameaça aspectos sociais, econômicos e ambientais que envolvem a atividade pesqueira. O relatório da ONU destaca o importante progresso devido a assinatura de 97 países no acordo das Medidas do Estado de Porto Destinadas a Prevenir, Impedir e Eliminar a Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamentada (INDNR), mas evidencia que para combater esta prática destrutiva é preciso que haja implementação de instrumentos internacionais.
Haja vista que existe um conceito sobre a pesca INN, há necessidade de um conceito robusto para uma pesca responsável que apesar de ser prevista no Código de Conduta para Pesca Responsável[5], não é definida de forma explícita na norma. Acrescentando parâmetros e diretrizes que visam a concretização de uma pesca sustentável visando o distanciamento da prática irresponsável de uma pesca INN.
Desenvolver e fortalecer as parcerias nacionais, regionais e globais para que haja um verdadeiro intercâmbio amplo de informações científicas e tecnológicas bem como um arcabouço jurídico robusto acerca do tema, facilitariam o desenvolvimento e as ações em busca da sustentabilidade das atividades realizadas no ambiente marinho[6].
Estes objetivos ainda têm um longo caminho para navegar ao longo da Década Oceânica das Nações Unidas visando a sustentabilidade das atividades realizadas no oceano. Insta destacar a importância da pesca sustentável de pequena escala para a economia de países em desenvolvimento que conforme o relatório, ainda são comunidades marginalizadas conforme o relatório da ONU.
Os avanços precisam continuar uma vez que essa pausa global causada pela pandemia em diversos setores, não é o suficiente para evitar o colapso do estoque pesqueiro. A próxima década será primordial ao incentivo e produção acadêmica sobre o tema para que a vida na água continue a nadar.
[1] The Sustainable Development Goals Report 2020. United Nations. Fl. 52-53.
[2] Disponível em https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/noticias/2020/dezembro/mensagens-com-texto-de-acordos-internacionais-seguem-para-o-congresso-nacional acesso em 14 dez. 2020.
[3] Disponível em: https://www.noaa.gov/education/resource-collections/ocean-coasts/ocean-acidification acesso em 14 dez. 2020.
[4] FILHO, Mutsuo Asano. O Brasil e a Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamentada – INN. Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, Síntese, ano III, n. 14, maio-jun. 2013.
[5] Code of Conduct For Responsible Fisheries. Disponível em: http://www.fao.org/docrep/005/v9878e/v9878e00.htm Acesso em: 14 de dez de 2020
[6] Glossário de termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14: Conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Organização das Nações Unidas. 2018.