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30 novembro 2020

Estados Unidos vendem barris de petróleo iranianos apreendidos em agosto

No dia 29 de outubro, os Estados Unidos (EUA) anunciaram a venda do petróleo apreendido em quatro navios cargueiros que levavam petróleo iraniano para a Venezuela, totalizando 40 (quarenta) milhões de dólares. Em julho deste ano, procuradores estadunidenses preencheram um processo para apreender a gasolina nas quatro embarcações que o Irã enviara para o país latino-americano. Em agosto, cortes nacionais americanas determinaram suficientes as evidências dos procuradores, que apontavam a ligação entre os navios e sua carga com organizações terroristas. Assim, entre julho e agosto, os EUA realizaram a primeira apreensão de navios cargueiros por violação de sanções relacionadas ao Irã.

É importante retomar que tanto o país persa como a Venezuela estão sobre sanções econômicas dos EUA, o que tem prejudicado fortemente suas economias dependentes da produção e exportação do petróleo. As sanções têm aumentado continuamente nos dois países, com um ápice, no caso venezuelano, em agosto de 2019, quando os EUA impuseram sanções econômicas totais ao governo venezuelano, congelando seus bens e bens de empresas venezuelanas nos EUA, e impedindo transações internacionais. Além disso, em abril deste ano, Washington impôs um bloqueio naval no Caribe, visando impedir o acesso físico a Venezuela.

Já o caso iraniano remonta a saída dos EUA do pacto sobre o projeto nuclear iraniano, em 2018. A partir do aumento de tensões, o estabelecimento de sanções econômicas, com a justificativa de apoio e financiamento iraniano ao terrorismo internacional, tem levado a novas tensões, das quais a morte do General iraniano Qasem Soleimaini, em janeiro deste ano, é um exemplo fundamental.

O estabelecimento de sanções aos dois países tem sido extremamente prejudicial às suas economias e populações. As sanções afetam as exportações de petróleo, das quais ambos os países são dependentes, na medida em que os potenciais compradores se sentem ameaçados de serem atingidos pelas sanções, o que resultaria na proibição da entrada e do comércio com os EUA e do uso do dólar, fundamental no atual comércio internacional. Como consequências, as sanções têm não apenas impedido o abastecimento interno dos países, como afetado seus crescimentos econômicos.

No caso da Venezuela, desde a ascensão de Nicolas Maduro, em 2013, o PIB venezuelano caiu mais de 50%, o que tem provocado uma crise migratória nos últimos anos, como colocado pela BBC, visto a falta de abastecimento do país e a crise econômica. Isso afetou a produção e exportação da empresa Petróleos da Venezuela (PDVSA), produtora estatal de petróleo do país. Apesar de a Venezuela possuir a maior reserva do mundo, não possui o material e o capital suficiente para conseguir produzir, assim como não consegue demanda para enviar sua produção. No Irã, de forma similar, após o estabelecimento de sanções, tem observado o declínio do seu crescimento econômico, uma crise inflacionária e a queda na produção de petróleo.

A realidade das sanções tem encorajado o comércio entre os dois países, que já mantinham relações próximas desde o fim da década de 1990. Nos últimos meses, navios e cargas iranianos têm sido enviados a Venezuela contendo alimentos, materiais sanitários para a pandemia de Covid-19, gasolina, e técnicos e material para a produção de petróleo. Esse cenário já foi trabalhado em junho deste ano pelo IBDMAR, ao tratar sobre a chegada dos navios iranianos à Venezuela e a escalada de tensões com os Estados Unidos. Assim, pode-se conceber a apreensão recente dos navios Luna, Pandi, Bering e Bella pelos EUA em agosto, e a venda de sua carga no fim de outubro como parte deste cenário de tensão internacional.

Veículos como o The Wall Street Journal têm divulgado ações como o bloqueio a Venezuela e a apreensão das quatro embarcações como “parte de uma operação mais ampla para pressionar os governos em Teerã e Caracas a cumprir demandas dos EUA” (2020). A apreensão das cargas foi justificada pelo governo de Washington pela suposta ligação da gasolina enviada a empresários iranianos ligados ao Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica, considerado grupo terrorista pelos Estados Unidos. Essa organização é acusada de apoiar milícias xiitas no Oriente Médio, segundo o New York Times.

É importante mencionar que as embarcações não são iranianas, com divulgado em alguns veículos de imprensa. Os quatro navios navegam utilizando a bandeira da Libéria, e pertencem a empresas gregas de transporte de combustíveis. De acordo com o governo estadunidense, em conjunto com outros cinco navios, estes de fato iranianos, os quatro apreendidos eram parte de uma frota a caminho da Venezuela, e acompanhados por outro navio, este da inteligência naval iraniana. No entanto, os quatro navios se encontravam separados já antes do momento da apreensão. Enquanto os cargueiros Bering e Bella estavam Cabo Verde no momento em que a reclamação de confisco foi emitida nos EUA, os outros dois, Luna e Pandi tinham como última localização, no mês de junho, as águas nacionais de Omã.

A operação de apreensão da carga se deu em águas internacionais, sem a participação direta de autoridades americanas ou de outros países. Além disso, a apreensão não contou com uso ou ameaça do uso da força. Todo o contato estabelecido pelos Estados Unidos com os operadores dos navios e com os donos das empresas foi realizado de forma remota. No contato ficou evidente que pedidos de sanção contra a empresa, os navios e a tripulação seriam realizados se a carga não fosse entregue. Segundo o The Wall Street Journal, as sanções incluiriam o banimento do acesso à bancos e à moeda americana. Assim, a empresa concordou em transferir a carga para navios gregos e dinamarqueses que, após o recebimento, foram a caminho dos Estados Unidos, aportando em Houston, no Estado do Texas.

Ao fim do mês de outubro, no dia 29, foi anunciada a venda dos um milhão e cem mil barris de petróleo refinado apreendidos por quarenta milhões de dólares. O dinheiro será destinado para o Fundo dos Estados Unidos para Vítimas de Terrorismo Financiado por Estados, do Departamento de Justiça. Na divulgação da venda também se anunciou que o Departamento do Tesouro sancionou oito entidades do Irã, da China e de Singapura pelo envolvimento na venda e compra de produtos petroquímicos iranianos, como publicado pela Reuters.

A resposta do governo iraniano se deu ainda em agosto, por meio do embaixador iraniano em Caracas, Hojjat Soltani, que tuitou:

“Outra mentira e guerra psicológica da máquina de propaganda dos #EEUU (EUA). Os barcos não são iranianos nem sua bandeira tem nada a ver com o #Irán (Irã). O terrorista #trump (Trump) não pode compensar sua humilhação e derrota contra o Irã com falsas propagandas.” (2020, tradução e adendos nossos)

É muito pouco provável que o comércio ou o relacionamento entre Irã e Venezuela se interrompa nos próximos meses. Alvos de sanções estadunidense que continuamente aumentam em número, os dois países têm aprofundado suas relações nos últimos anos, para o descontentamento de Washington, que não aprova a presença iraniana na América Latina, sua área tradicional de influência. Assim, o abastecimento a Venezuela por meio de navios iranianos irá continuar, como já foi expressado pelos dois governos. O Irã já enviou outros petroleiros iranianos ainda no início de outubro. Os navios Forest, Fortune e Vaxon, em conjunto entregaram mais de um milhão de barris ao governo de Maduro.

Isso sugere o aumento da tensão entre os três países nos próximos meses, com a abertura do precedente de apreensão da carga de Washington, outras embarcações podem ter sua carga apreendida. Neste caso, a quantia já havia sido paga pela Venezuela, não havendo prejuízo financeiro ao Irã. O contínuo de apreensões de cargas que violem as sanções estadunidenses pode dificultar ainda mais a economia venezuelana, assim como o acesso a produtos básicos, e aumentar a instabilidade do governo de Maduro.

O comércio entre os dois países tem aumentado também as tensões nos países vizinhos, tendo o presidente colombiano, Ivan Duque, acusado Maduro de negociar a compra de mísseis iranianos em agosto, assim como de abastecer com armamento russo rebeldes na Colômbia. A fala foi ironizada por Maduro dias depois, concebendo a compra como uma “boa ideia” a qual ele não tinha pensado antes. Maduro afirma que a Venezuela já possui sistemas de defesa antiaéreo russos, os balísticos S-300, e caças russos, os Su-30 Mk2. Além disso, está em processo de construção da fábrica de fuzis russos, os fuzis Kalasnikhov, com previsão de finalização em 2021. A presença de parcerias com a Rússia e o Irã, somadas a possibilidade de compra de mísseis iranianos aumenta a instabilidade regional na América Latina. Por fim, é essencial evidenciar que mais de 50 países, entre os quais incluem os Estados Unidos e diversos países americanos como o Peru, assim como o Brasil e a Colômbia – que possuem fronteira direta com a Venezuela – reconhecem Juan Guaidó, opositor de Maduro, como o presidente legítimo da Venezuela. Enquanto isso, o único outro país que faz fronteira terrestre com a Venezuela que defende a convocação de novas eleições é a Guiana,.

Assim, é certo que os problemas da Venezuela são um ponto de tensão importantíssimo na perspectiva da geopolítica latino-americana e mundial, contando com a presença de potências como Rússia, China, Irã, Estados Unidos e Brasil. Dentro disso, a troca entre Irã e Venezuela pode desempenhar um ponto chave na compreensão da escalada de um eventual conflito, assim como das realidades socioeconômicas de Caracas e Teerã. Este é um dos desafios que o novo presidente eleito dos EUA terá pela frente.

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