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01 setembro 2020

O Brasil e o ITLOS

por Marcelo José das Neves
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos Professor de Direito Marítimo da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante


Como já noticiado aqui no site do IBDMAR, o Brasil não conquistou um assento na eleição dos juízes para composição do Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar (ITLOS, na sua sigla em inglês). Após a segunda rodada de votações, o Brasil retirou sua candidatura, permitindo a eleição do indicado da Jamaica[1]. Penso que foi uma decisão difícil para um país com tamanha tradição no Direito do Mar. Um país que já teve dois juízes ocupando cadeiras no ITLOS, Vicente Marotta Rangel e Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros.

O Juiz Marotta Rangel ocupou uma cadeira desde o início das atividades do Tribunal, em 1996. Permaneceu por dois mandatos, até sua aposentadoria em 2015. Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores e autor de inúmeras obras jurídicas, teve papel importante na construção da tese sobre Mar Territorial na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Referência no Direito Internacional, exerceu o cargo de Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O Professor Emérito das Arcadas contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento do Direito do Mar.

Com a aposentadoria do Juiz Marotta Rangel e a vacância do cargo, e seguindo as disposições do artigo 6º do Tribunal, deveria ocorrer a eleição de um novo juiz. Neste caso de substituição de um membro cujo mandato ainda não tivesse expirado, o exercício do cargo desse novo juiz iria até o término do mandato de seu antecessor. Todavia, ao invés de proceder uma eleição tradicional, por um acordo de cavalheiros, sempre que um membro falece ou se aposenta, o país de nacionalidade deste juiz apresenta um substituto para preencher a vaga até o final do seu mandato.

Assim, o Brasil indica, em janeiro de 2016, Antonio Paulo Cachapuz, de Medeiros, outro entusiasta do Direito Internacional. Entre suas posições de destaque, foi membro da Corte Permanente de Arbitragem da Haia, membro honorário do Conselho de Administração do UNIDROIT (Roma), Presidente do Tribunal Administrativo-Trabalhista da ALADI e juiz do Tribunal Administrativo-Trabalhista do MERCOSUL. Toma posse no ITLOS em março, mas ocupa a cadeira por pouco tempo, em virtude do seu falecimento em setembro desse mesmo ano. Uma lamentável perda. Sem dúvidas, o Juiz Cachapuz daria grande contribuição para o Direito do Mar e para a continuidade da relevância brasileira nessa temática.

Em 2017, o Brasil desiste de apresentar sua indicação, dando apoio ao Paraguai. Uma lastimável decisão, que mereceu nota de repúdio por parte do IBDMAR[2].

Passados alguns anos, e com o mandato de alguns juízes próximos ao seu encerramento, surge a quarta possibilidade de indicar um brasileiro a ocupar cadeira tão importante em um Tribunal Internacional. Em 2020, o Brasil indica o Professor Doutor Rodrigo Fernandes More, outro especialista em Direito do Mar, com grandes contribuições acadêmicas. Corroborando a capacidade do Professor Doutor Rodrigo More, destaca-se sua relevante participação como Consultor no Plano de Levantamento da Plataforma Continental, o LEPLAC, coordenado pelo Ministério das Relações Exteriores e pela Marinha do Brasil.

Após alguns impasses na escolha dos juízes, a Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas retirou a candidatura brasileira, no dia 26 de agosto, permitindo a eleição da Sra. Kathy-Ann Rown, da Jamaica.

Nova possibilidade só surgirá em 2023, com o encerramento do mandato do Juiz Alonso Gómez-Robledo Verduzco, do México, membro do Tribunal desde 2014.

O Brasil não pode perder seu papel de destaque no cenário internacional do Direito do Mar. Desde o início dos debates, na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em 1958, em Genebra, o nosso país já demonstrava sua vocação marítima. Antes mesmo, em 1950, por meio do Decreto nº 28.840, o país viria a incorporar a plataforma continental aos domínios nacionais.

Um país com dimensões continentais, com uma costa marítima de mais de 8.000 km, e com a imensidão de nossa Amazônia Azul, não pode ser relegado à condição de coadjuvante. Com o pedido de extensão de nossa Plataforma Continental, incorporando a elevação do Rio Grande, estamos prestes a ocupar a posição de um dos países com uma das maiores áreas marítimas sob jurisdição nacional.

Devemos acompanhar nos próximos anos os acontecimentos no cenário marítimo mundial, e continuar trabalhando para que o Brasil recupere sua cadeira no Tribunal do Mar. Nomes não faltam, mas deixo de citá-los para não correr o risco de esquecer de algum. O que não se pode aceitar é abrir mão de concorrer, como aconteceu nessa última eleição.


[1] http://www.ibdmar.org/2020/08/eleicoes-do-tribunal-internacional-do-direito-do-mar/

[2] O IBDMar – Instituto Brasileiro de Direito do Mar – vem manifestar-se veementemente contra esta decisão. Como um Instituto que surgiu com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do Direito do Mar no Brasil, o IBDMar vê a decisão de abandonar a vaga no Tribunal como um erro, que em nada contribui para o fortalecimento do Brasil nas outras negociações internacionais. Ao mesmo tempo, tal decisão enfraquece significativamente a importância da discussão do Direito do Mar no país. Disponível em http://www.ibdmar.org/2017/02/nota-de-repudio-brasil-desiste-da-vaga-no-tidm/. Acesso em 01SE 2020.

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