Notícias

11 setembro 2020

Grécia rejeita e abandona mais de mil migrantes em mar aberto

Grécia secretamente expulsa mais de mil migrantes abandonando-os em mar aberto desde agosto na Ilha de Rhodes: Incêndio do último dia 9 na Ilha de Lesbos agrava a situação em setembro

Relatórios do mês de agosto informam que o governo grego secretamente rejeitou e expulsou mais de 1.000 migrantes de suas fronteiras, levando-os até o limite de suas águas e os deixando praticamente à deriva. Segundo o The New York Times, pelo menos 1.072 migrantes que requereram asilo na Ilha de Rhodes, na Grécia, foram expulsos por funcionários da costa grega em 31 ocasiões. O método empregado em todas as expulsões consiste em levar os migrantes até os limites que não compreendem mais as águas territoriais gregas e abandoná-los em mar aberto.

Os migrantes só podem contar com botes salva-vidas e coletes infláveis, o que os faz resistir e lutar pela própria sobrevivência no mar, já que o governo grego não apenas nega-lhes asilo e os expulsa, mas literalmente “jogam-nos” de volta ao mar. A maioria dos migrantes vem da Síria, que enfrenta uma guerra civil há mais de 6 anos, e da Turquia. Com a pandemia, o processo se intensificou devido ao impacto causado pela crise global.

Testemunhas e vítimas da ação grega informaram que as medidas foram aplicadas a todos os migrantes sem respeito às pessoas mais vulneráveis, levando até mesmo bebês de volta ao mar sem o devido atendimento e proteção. A Turquia, país que divide fronteiras com a Grécia, também enfrenta uma forte crise migratória, todavia, não emprega os mesmos atos das autoridades gregas. Pelo contrário, a Guarda Costeira Turca conseguiu resgatar muitos migrantes, mas até conseguir tirá-los do mar aberto, muitos enfrentaram condições sub-humanas de fome, frio e desgaste físico e emocional lutando por sua vida.

A atuação grega em relação aos migrantes consiste em uma violação tanto de leis, convenções e protocolos de Direito Internacional, quanto de direito europeu, sendo uma forma explícita de bloqueio de migrantes e refugiados. Acima de tudo, a forma como os funcionários gregos levaram os migrantes e refugiados ao mar, deixando-os à mercê da própria sorte em botes sem motor ou simplesmente apenas com a proteção de coletes infláveis, revela uma grave violação de direitos humanos e um atentado ao Direito Internacional Humanitário.

Destarte, o porta-voz do governo grego, Stelios Petsas, negou o envolvimento das autoridades gregas com o tratamento dado aos migrantes e refugiados em sua costa. A crise migratória desencadeada na Europa atinge a Grécia de forma intensa desde 2015. Inicialmente, o tratamento grego aos migrantes e refugiados foi receptivo, o que perdurou até a ascensão de um novo governo conservador no país. Agora o tratamento segue inspiração trumpiana, devolvendo os migrantes ao mar como se fossem seres não vivos.  

Migrantes desembarcando na Ilha de Lesbos após de deslocarem pelo Mar Egeu.
Foto: Aris Messinis / Agence France-Presse – Getty Images

Cumpre destacar que o atual contexto pandêmico que assola toda a comunidade internacional propicia a prática desumana das autoridades gregas contra os migrantes, por ser tido como uma justificativa legítima para o fechamento radical das fronteiras do país. Ademais, cabe elucidar que o Mar Mediterrâneo está sendo palco de disputas entre a Grécia e a Turquia no que tange a exploração de petróleo e gás natural. Nesse sentido, a Grécia pretende delimitar suas fronteiras marítimas, isso porque o país acusa a Turquia de invadir suas águas territoriais para sondar possíveis campos de petróleo.

A tensão entre esses países vem preocupando não só a comunidade internacional, como o próprio líder católico Papa Francisco, que fez inclusive um apelo no último domingo de agosto (30) pelo fim dos conflitos no Mediterrâneo Oriental, vez que este é cenário de tensão entre os gregos e turcos.

“Sigo com preocupação as tensões na zona do Mediterrâneo Oriental, palco de vários focos de instabilidade. Por favor, faço apelo ao diálogo construtivo e ao respeito da legalidade internacional para resolver os conflitos que ameaçam a paz dos povos daquela região”. Disse o Papa no Angelus Dominical.

A comunidade internacional teme que esses conflitos internos possam estremecer mais ainda a relação destes países com os migrantes, vez que todas as partes estão em um cenário em comum: o Mar Mediterrâneo. Nas imagens de satélite abaixo é possível perceber a proximidade entre a Ilha de Rhodes, pertencente à Grécia, e o território da Turquia.

Esse fator geográfico facilita a entrada de migrantes no território grego pelo Mar Mediterrâneo e o mesmo se observa no Mar Egeu, pelo qual os migrantes se deslocam até a Ilha de Lesbos, outro importante local para pedido de refúgio. A comparação entre os dois mapas permite ter uma noção da grande proximidade entre os dois países, que é de aproximadamente 20 km, apenas.

Marcador vermelho: Ilha de Rhodes, proximidade do território da Turquia. Google Maps. Acesso em: 11 set. 2020.

Marcador vermelho: Ilha de Rhodes, proximidade do território da Turquia em escala 20 vezes maior. Google Maps. Acesso em: 11 set. 2020.

Os bloqueios gregos à migração revelam o uso do mar como um instrumento de violação de direitos e estão intrinsecamente ligados ao racismo e à xenofobia, considerando que grande parte dos migrantes e refugiados pertencem a grupos de minorias raciais, étnicas e religiosas ou são oriundos de países que enfrentam graves crises governamentais, países ignorados e rejeitados pelas economias hegemônicas europeias. De fato, a maioria une essas características, o que contribui para a desumanização empregada pelas autoridades que violam os seus direitos.

A rejeição nutre um sentimento de proteção à propriedade, emprego e segurança dos nativos de países aos quais os migrantes se destinam. Dessa forma, as populações e autoridades de outros países europeus ignoram a situação grega e não se posicionam em prol do seu fim. A isenção contribui para que os migrantes sejam vítimas de ações embebidas pela necropolítica. Ações que devolvem migrantes e refugiados aos oceanos como se não fossem seres humanos, e sim seres desumanizados e sem direitos.

Na última quarta (9), a situação na Ilha de Lesbos se agravou com o incêndio do acampamento de Moria, o maior abrigo de migrantes dessa ilha grega. Foi declarado estado de emergência e desde então mais de 10 mil migrantes aguardam por auxílio à beira das estradas da Ilha de Lesbos. Ninguém ficou ferido, mas a falta de atendimento adequado nos abrigos e agora nas ruas fez com que a discussão sobre a política migratória europeia fosse colocada em xeque novamente. Grécia: do mar aberto ao céu aberto. Os migrantes ora são deixados à deriva em mar aberto, ora padecem sem direitos garantidos a céu aberto. Quando finalmente terão um teto sobre suas vidas?

Migrantes saindo do acampamento de Moria na Ilha de Lesbos, Grécia.
Foto: CNN – AP Photo/Petros Giannakouris


Notícia produzida por Lillie Lima Vieira e Ana Clara Gomes Alves, estagiárias do IBDMAR, sob a supervisão de André de Paiva Toledo, Diretor do Instituto.

Share via
Copy link
Powered by Social Snap