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22 setembro 2020

Exercícios militares iranianos no Mar de Omã aumentam tensões no Estreito de Ormuz

No dia 10 de setembro, o Irã deu início a três dias de manobras militares no Mar de Omã, à leste da crítica área do Estreito de Ormuz. Os exercícios intitulados de “Zolfaghar-99” são realizados anualmente e testaram as forças navais e aéreas iranianas, numa área de 2 milhões de metros quadrados, aproximadamente. Dentre as manobras também ocorreu o lançamento do míssil terra-mar “Ghader”, já revelado em 2014 e capaz de atingir alvos a mais de 200 quilômetros de distância.

Atenção especial foi dada aos testes do submarino “Fateh” (“Conquistador”), o primeiro da categoria semi-pesada desenvolvido nacionalmente pelo governo Iraniano e inaugurado no ano passado. A embarcação de quase 600 toneladas está equipada com torpedos, minas e mísseis de cruzeiro, além de ter a capacidade de se manter submerso a mais de 200 metros de profundidade por até 35 dias. 

De acordo com a Agência de Notícias da República Islâmica (IRNA, em inglês), o objetivo da operação é implementar planos táticos, testar mísseis de cruzeiro superfície-superfície e lança-foguetes, bem como, monitorar o espaço aéreo e otimizar a prevenção contra ataques hostis na área, entre outros.

Afirma o Comandante da Marinha Iraniana, Contra-Almirante Hossein Khanzadi, que a instalação de sistemas de mísseis por toda a costa sul do país não se trata de estratégia de dissuasão, também conhecida como “deterrence”, mas tem o propósito de atacar qualquer alvo que apresente ameaça ao Irã, melhorando a agilidade de resposta no confronto a ameaças estrangeiras e eventuais invasões.

No segundo dia de exercícios, o governo iraniano informou que um avião e dois drones americanos entraram ilegalmente na área não autorizada da Zona de Identificação da Defesa Aérea, se aproximando da área dos exercícios militares no Mar de Omã. Após serem perseguidos por um drone iraniano, as aeronaves americanas mudaram a rota.

O incidente aumenta ainda mais as já antigas tensões nas proximidades do sensível estreito de Ormuz e as disputas por soberania entre os Estados Unidos da América e o Irã:

A Crise no Estreito de Ormuz: EUA como incendiários ou bombeiros?

A via conecta o Golfo Pérsico ao Oceano Índico, separando o Irã dos Emirados Árabes Unidos e de Omã. Sua pouca profundidade torna os navios que lá passam mais vulneráveis a minas e sua parte mais estreita – separada por apenas 34 km do Irã – facilita a captura e/ou ataque de grandes navios petroleiros.

Marcado de vermelho, o Estreito de Ormuz. À leste, o Golfo de Omã.

Apesar das suas peculiaridades geográficas, o Estreito é o ‘chokepoint’ mais importante de transporte petrolífero do mundo, onde convergem as rotas dos maiores produtores do Golfo.

Hoje, a rota de navegação é palco das tensões entre Estados Unidos e Irã, que se acirraram em maio de 2018, após a saída unilateral dos EUA do acordo nuclear de 2015 e a imposição de sanções ao programa nuclear iraniano. 

O quadro se acentuou em janeiro deste ano, quando um ataque americano por drone ocasionou na morte do General iraniano Qasem Soleimani e na consequente retaliação por Teerã, lançando mísseis contra bases dos EUA no Iraque.

Após ataques ocorridos contra navios petroleiros em meados do ano passado, o governo de Donald Trump criou uma coalização militar com o objetivo de patrulhar o Golfo Pérsico e garantir a liberdade de navegação. Oficialmente intitulada de Construto Internacional para Segurança Marítima (IMSC, em inglês), a aliança já conta com a Austrália, Albânia, Reino Unido, Bahrein (base da missão) e Arábia Saudita. O país saudita, por sua vez, anunciou sua adesão após ataques às suas principais refinarias de petróleo, os quais foram assumidos por rebeldes houthis, apoiados pelo governo iraniano.

O chanceler iraniano se manifestou contra a coalizão americana, declarando que “os europeus devem perceber que serão reféns dos Estados Unidos desta forma. Os Estados Unidos não podem ser, ao mesmo tempo, os incendiários e os bombeiros no Golfo Pérsico. Os Estados Unidos são os responsáveis pelas tensões e a instabilidade atual da região.”

Fator determinante para o impasse EUA-Irã decorre das divergências acerca do direito internacional aplicável ao Estreito, visto que nenhum dos dois países ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Também conhecido como Convenção de Montego Bay, o instrumento prevê o direito de passagem em trânsito e passagem inocente para aeronaves e embarcações, inclusive militares, por estreitos de navegação internacional.

Apesar da não ratificação, os Estados Unidos entendem que este direito possui caráter de costume internacional, obrigando todos os sujeitos da ordem internacional. O governo iraniano, por sua vez, não reconhece a passagem em trânsito por suas águas territoriais, isto é, a liberdade de navegação e sobrevoo para fins de trânsito contínuo e rápido. No que tange ao direito de passagem inocente de embarcações estrangeiras, a legislação interna iraniana estabelece diversas restrições, principalmente, quanto a navios de guerra e submarinos.

Assim, na falta de consenso acerca do direito que rege as águas do Estreito de Ormuz, os Estados Unidos continuam a exercer o direito que entendem ter de livre navegação e sobrevoo e o Irã continua a impor restrições e reter embarcações que acredita invadirem e ameaçarem sua soberania.

Coalizão Europeia: França na liderança

A França decidiu não se juntar à coalizão americana, convidando os demais Estados europeus a fazerem o mesmo, em prol da coalizão europeia que foi anunciada em janeiro. Além do intuito de desassociarem-se da política de “máxima pressão” dos Estados Unidos, a medida também foi uma reafirmação de soberania.

É o que fica evidente no comunicado do Ministro francês de Relações Exteriores, em agosto do ano passado: “sobre o Irã, a França se expressa com toda soberania. Ela se compromete fortemente com a paz e a segurança na região, ela se compromete em permitir uma diminuição das tensões e não precisa de nenhuma autorização para fazê-lo.”

A Missão Europeia de Consciência Marítima no Estreito de Ormuz (EMASoH, em inglês), liderada pela França e com base nos Emirados Árabes Unidos, tem o apoio de mais sete países europeus: Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Grécia, Itália, Holanda e Portugal.

No dia 25 de fevereiro, menos de um mês após o início da missão, o governo francês anunciou que a “Operação Agenor”, componente militar da EMASoH, já estava em plena capacidade operacional.

O Dilema da Coreia do Sul

A Coreia do Sul foi outro país que negou o convite americano por receio de deteriorar suas relações com o Irã. Apesar da aliança de longa data com os Estados Unidos, o Ministro de Defesa Nacional Coreano anunciou no fim de janeiro que uma unidade naval seria enviada para o Golfo, de forma independente da missão estadunidense.

Diante da tensões entre Washington e Teerã, a decisão do governo coreano visa proteger seus cidadãos e embarcações na região sem maiores detrimentos, na medida do possível, aos laços comerciais e humanitários com o Irã.

Não obstante, o porta-voz do Pentágono manifestou o apoio americano à decisão da Coreia do Sul, alegando ser a crise no Estreito um problema internacional que demanda uma solução internacional.

Imagem: The Arab Weekly

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