E o vento voltou
Por Larissa Coutinho
Doutoranda e Mestre em Direito, Estado e Constituição na Universidade de BrasíliaPesquisadora do Grupo de Direito, Recursos Naturais
No começo da semana, a Suécia anunciou o desenvolvimento de um navio cargueiro movido apenas pela força dos ventos, a partir da parceria da empresa de transporte marítimo Wallenius Marine, com o KTH, The Royal Institute of Technology, e o instituto de pesquisa SSPA[1].
Batizado de Oceanbird, a embarcação de 200 metros de comprimento e 40 metros de largura poderá cruzar o Oceano Atlântico em 12 dias, com as suas 5 velas[2]. Ou seja, puramente com energia limpa.
Muito embora seja descrita como uma nova tecnologia, capaz de reduzir em 90% as emissões quando comparada com embarcações de motor a diesel, certo é que o uso de ventos na navegação nos remete a tempos remotos.
Na Grécia antiga, os ventos eram domínio de Éolos (Aeolus). O deus grego vivia em Eólia, uma ilha perto da Sicília, na Itália, em seu palácio cercado de muralhas de bronze. Lá ele mantinha os ventos trancados em segurança, liberando-os quando era requisitado, o que, na maioria dos mitos, ocorria a pedido de alguma divindade furiosa.
Mas a verdade é que Éolos, apesar dos ventos violentos de tempestade, era benevolente e simpatizante dos homens. Vale lembrar que ele presenteou Odisseu[3] com uma bolsa contendo todos os ventos – exceto o oeste –, para que o herói pudesse retornar de forma segura a sua casa. Não é à toa também que a ele é creditada a criação da vela.
Talvez tampouco seja coincidência que a invenção de um deus que tinha os homens em consideração pode, milhares de anos depois, ser ressignificada e nos revelar uma forma de proteger a humanidade, minimizando os impactos da navegação contemporânea nas mudanças climáticas e no aquecimento global.
O transporte marítimo representava, em 2018, quase 3% nas emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Estudos indicam, também, que as emissões de CO2 cresceram de 962 milhões de toneladas em 2012 para 1,056 bilhão em 2018, um aumento de mais de 9%.[4]
Vale destacar que, no plano internacional, a Organização Marítima Internacional (IMO) impôs medidas de melhoria de eficiência energética, buscando reduzir a intensidade das emissões de GEE em 40% até 2030 e em 70% até 2050, em relação aos números de 2008.[5]
Para alcançar seus objetivos, a organização internacional desenvolveu uma abordagem dupla focada em trabalhos regulatórios e projetos de capacitação. Com relação ao primeiro ponto, a IMO adotou, nos termos do Anexo VI do Tratado de Prevenção da Poluição (MARPOL), medidas de eficiência energética obrigatórias para reduzir as emissões de poluentes atmosféricos do transporte marítimo internacional. Já para o segundo ponto, a IMO conta com apoio de iniciativas fomentadoras de capacitação, incentivando a inovação e a transferência de tecnologia[6].
O Oceanbird será um cargueiro Pure Car Truck Carrier (PCTC), mas a sua tecnologia poderá ser aplicada a navios de todos os tipos. Inegavelmente trata-se de um passo do setor marítimo para um transporte mais limpo e mais verde e uma maior proteção do meio ambiente. Talvez o poder do benevolente Éolos possa auxiliar os homens nessa tragédia que dessa vez não é grega, mas global.
[1]Informações disponíveis em: https://www.oceanbirdwallenius.com
[2]Segundo os fabricantes, o navio também será equipado com um motor auxiliar, para auxiliar nas manobras em portos.
[3]Na mitologia romana, Odisseu é chamado de Ulisses.
[4]Informações disponíveis em: https://climainfo.org.br/2020/08/05/emissoes-associadas-ao-transporte-maritimo-aumentaram-quase-10-em-seis-anos/
[5]Informações disponíveis em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/18645-resultados-das-negociacoes-na-organizacao-maritima-internacional-sobre-mudanca-do-clima-e-navegacao-internacional
[6]Informações disponíveis em: http://www.imo.org/en/MediaCentre/HotTopics/GHG/Pages/default.aspx