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10 setembro 2020

Banksy e Migração pelo Mar

Por Carolina Vicente Cesetti
Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) Pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito, Recursos Naturais  e Sustentabilidade (GERN/UnB)


O resgate ocorrido em 18 de agosto no mar mediterrâneo entre a Líbia e a Espanha, deflagra o papel crescente dos novos atores do Direito Internacional Público no que se refere a questão dos refugiados e Direitos Humanos. Nas últimas semanas alguns jornais noticiaram que Banksy, famoso artista britânico, financiou um navio de resgate de refugiados. O navio intitulado de Louise Michel partiu em segredo do Porto de Burriana, na Espanha, com destino ao mar aberto. Juntamente com a Organização não Governamental Sea Watch e a tripulação do navio, foi possível socorrer 219 migrantes[1]. Essa notícia nos proporciona uma importante reflexão acerca do papel dos atores e dos sujeitos de Direito Internacional Público.

            A migração pelo mar, foi usada pela primeira vez na década de 70 para classificar pessoas que deixavam a Indochina em embarcações como objetivo de buscar proteção em outros Estados[2]. Estes deslocamentos humanos causados por deflagração de conflitos e perseguições ou temor de perseguição é uma crescente preocupação da comunidade internacional[3]. Porém, é importante destacar que não há convenções ou tratados de direito internacional que definam a migração pelo mar ou mesmo migrantes pelo mar[4]. A falta de conceituação sobre esta situação resta por dificultar o próprio monitoramento de mobilidade humana uma vez que não se tem clareza quanto a quem seriam essas pessoas.

            Especificamente quanto ao papel do sujeitos clássicos do Direito Internacional Público,  destaca-se o dever de prestar socorro, conforme a Convenção de Montego Bay. Sobre o tema, prevê o art. 98.1 da Convenção, o dever de presar assistência a qualquer pessoa que se encontra no mar em perigo de desaparecer. Este perigo deve ser exigido pelo Estado ao capitão do navio do qual sua bandeira faz parte, ou seja, a associação é do próprio Estado e não apenas individual do capitão do navio[5].

            A redação da Convenção de Montego Bay (CNUDM) prevê a responsabilidade do Estado em agir nos casos de assistência a pessoa encontrada no mar em perigo de desaparecer e navegar tão depressa quanto necessário para prestar socorro desde que o possa fazer sem acarretar perigo ao próprio navio. Ademais, dispõe sobre a responsabilidade de todo Estado costeiro promover o estabelecimento de busca e salvamento para garantir a segurança marítima, bem como cooperar com os Estados vizinhos conforme o Código de Ética do Comitê de Segurança Marítima[6] da Organização Marítima Internacional.

            Ainda sobre as normativas internacionais, ambas ratificadas e promulgadas pelo Brasil, a Convenção Internacional de Busca e Salvamento Marítimo de 1979 e a Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana ao Mar de 1974, também tangenciam a questão da migração pelo mar. A instrumentalização dessas normativas no direito brasileiro é feita pelo Serviço de Busca e Salvamento, nomeado de SALVAMAR[7], e envolve todos os setores que possam contribuir e não apenas o Estado como responsável a prestar socorro.

            A Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana ao Mar prevê que qualquer pessoa deverá ser assistida quando estiver em perigo no mar, independentemente das condições que seja encontrada. O termo independentemente das condições, merece destaque uma vez que demonstra que a obrigação dos possíveis envolvidos de prestar socorro em casos de perigo ao mar, principalmente no que diz respeito ao Estados costeiros que não podem alegar simplesmente que o agente deu causa a situação de perigo. A Convenção de Convenção Internacional de Busca e Salvamento Marítimo conceitua a situação de perigo como aquela em que exista razoável certeza de que uma pessoa, um navio ou outra embarcação está ameaçada por um perigo grave e iminente, necessitando de ajuda imediata.

            Não obstante, ainda há insegurança jurídica nas questão da migração pelo mar. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações[8], pelo menos 302 refugiados e migrantes morreram nesta rota apenas em 2020. Proporcionar o acesso à justiça e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas é o objetivo 16 dos Objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas[9]. É possível identificar a importância ou até mesmo necessidade da atuação dos novos atores do Direito Internacional Público para a efetivação do objetivo 16.

            Ainda que as normas internacionais destaquem o dever e responsabilidade estatal, o presente resgate realizado pelo artista inglês, demonstra uma necessidade de novas soluções. A importância dos sujeitos clássicos de Direito Internacional Púbico, Estado e Organizações Internacionais, é evidente. Porém é preciso ir além e compreender melhor a função de novos atores na busca de soluções internacionais como a migração pelo mar.

            Ir além de soluções tradicionais visando a ideia de inovação de soluções por meio iniciativas privadas referentes a proteção dos Direitos Humanos. É preciso interpretar o Direito como um instrumento de inovação e adaptação a esta nova realidade. Apenas os sujeitos de Direito Internacional Público não são o suficiente para resolver questões como migrações no mar. É necessário expandir o estudo das relações privadas que envolvem atividades transfonteiriças[10]. Talvez normativas hibridas e diversificadas possam ser a solução para a diminuição, ou quem sabe, a não ocorrência de mortes numa próxima travessia da migração pelo mar.


[1] Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2020/aug/29/banksy-european-authorities-ignoring-pleas-crew-migrant-rescue-vessel acesso em 30 Ago. 2020.

[2] GLYNN, Irial. Asylum Policy, Boat People and Political Discourse: boats, votes and asylum in Australia and Italy. London: Palgrave macmillan, 2016, p. 18.

[3] COUTINHO, Larissa Maria Medeiros Coutinho. MIGRANTES AMBIENTAIS: QUEM SÃO E COMO JURIDICAMENTE PROTEGÊ-LOS? In: GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Migrações, deslocamentos e direitos humanos. Brasília: IBDC, 2015, p. 80-91.

[4] MATOS, Ana Carolina Barbosa Pereira. Migração Pelo Mar. In: OLIVEIRA, Carina Costa; CESETTI, Carolina Vicente; MONTALVERNE, Tarin Frota; SILVA Solange Teles, GALINDO, George Rodrigo. Guia Jurídico da conservação e da preservação do meio ambiente marinho. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2019, p. 121.

[5] MOREIRA, Fátima C. Os Refugiados e o Direito do Mar – O desafio migratório da União Europeia. I Encontro de Professores de Direito da União Euproeia. UCP – Porto.

[6] Disponível em http://www.imo.org/en/OurWork/Documents/Code%20of%20Ethics%20for%20IMO%20Personnel.pdf acesso em 09 set. 2020.

[7] Disponível em: https://www.marinha.mil.br/salvamarbrasil/Informacao/faq-perguntas-frequentes acesso em 09 set. 2020.

[8] Disponível em: https://nacoesunidas.org/oim-e-acnur-pedem-acao-urgente-depois-do-maior-naufragio-registrado-na-costa-da-libia-em-2020/ acesso em 09 set. 2020.

[9] Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods16/ acesso em 09 de 2020.

[10] ANDRADE, Priscila Pereira de. “A emergência do direito transnacional ambiental”. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 3, 2016, p. 21.

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