O Mar Inquieto: Explorando o Mundo Debaixo das Ondas
Por Bruno Costelini
Oceanógrafo, doutorando em Direito
Na última coluna propus um mergulho na literatura de fundo histórico dos oceanos, uma tentativa de acrescentar uma dimensão temporal aos nossos estudos de Direito e Oceanografia que permita uma melhor compreensão do desenvolvimento das relações do homem com os mares. Sigo agora, resenhando um volume não tão recente, mas que rapidamente se tornou um clássico da historiografia oceanográfica.
Trata-se de Mapping the Deep: The Extraordinary Story of Ocean Science [Mapeando as Profundezas: A Extraordinária Estória da Ciência dos Oceanos], de Robert Kunzig, publicado como brochura em 2000 pela Sort of Books, de Londres, e no ano anterior em capa dura com o título The Restless Sea: Exploring the World Beneath the Waves, pela W.W. Norton, de Nova York. Há também edições em francês, italiano e espanhol, mas infelizmente ainda não em português.
Com uma linguagem elegante, Kunzig conduz o leitor a um passeio pelas grandes descobertas científicas que marcaram os últimos duzentos anos, em que se pode dizer que propriamente existiu uma pesquisa científica dos oceanos. Assim como Helen Rozwadowski, cujo livro resenhamos anteriormente, seu propósito é nos tirar da ignorância em que vivemos a respeito da massa que cobre a maior parte do nosso próprio planeta:
A ignorância começa com o que soa como uma pergunta de criança, mas que deve ser a primeira pergunta de qualquer um quando se está numa praia: toda essa água, um milhão de trilhão de toneladas dela, essa matéria que faz do planeta o que ele é e faz de nós quem somos – de onde ela veio? E como chegou aqui?
Essa é só uma das milhares de dúvidas que a ciência vem tentando decifrar, mesmo diante das limitações técnicas e objetivas que impedem nosso contato direto com grande parte dos oceanos. Ainda assim, incansáveis gerações de pesquisadores têm se dedicado a examinar em detalhes os componentes e os mecanismos que fazem dos oceanos o que eles são.
E não se trata apenas de aventureiros navegadores conduzindo expedições ao redor do globo, com sofisticados equipamentos experimentais para mensuração e coleta de matérias. Trata-se também de dedicados cientistas trabalhando em terra firme, em seus laboratórios ou em grandes equipes, esforçando-se em planilhas de dados, modelos matemáticos, mapas batimétricos, ensaios químicos e dissecações taxonômicas, nomeando em mapeando todo o misterioso mundo das profundezas.
É o caso, por exemplo de Marie Tharp, companheira e assistente de pesquisa de Bruce Heezen, geólogo marinho do Observatório Lamont. Reunindo dados de diversos célebres cruzeiros oceanográficos da primeira metade do século XX pelo Atlântico, como o Atlantis, o Meteor e o Stewart, Tharp foi a primeira pessoa a compor um mapa batimétrico da dorsal meso-oceânica, observando a simetria Leste-Oeste que comprova a teoria das placas tectônicas proposta por Alfred Wegner décadas antes. Kunzig descreve que, quando Tharp mostrou esse detalhe ao marido, ela inicialmente ignorou como “conversa de garota”.
A partir daí, Kunzig mostra como a contínua exploração dos limites do desconhecido levou mais tarde a descoberta da vida em ambientes extremos, como nas fumarolas do arquipélago de Galápagos, já na década de 1970. Interessados incialmente na sísmica da região, cientistas do MIT e do Woods Hole Oceanographic Institution, colaboraram para a construção do Alvin, um pequeno submersível pilotado por humanos e com capacidade de navegação ate 6.500m de profundidade, responsável pelo maior numero de descidas e descobertas até hoje, começando justamente pelos curiosos organismos que colonizam aquelas fumarolas, ambientes anóxicos e extremamente quentes, onde antes se pensava não haver vida.
O livro segue com as descobertas da física das correntes marinhas, com as contribuições para a climatologia e o crescente entendimento dos oceanos como parte do sistema de regulação térmica do planeta, apontando para os riscos que temos imposto a esse equilíbrio.
Kunzig encerra o livro com uma menção as futuras descobertas da oceanografia, apontando para o espaço, conforme percebemos que outros planetas e objetos astronômicos abrigam também seus próprios oceanos. É o caso de Ceres, o planeta-anão, parte do cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter. Esse mês a missão Dawn da NASA, que entre 2011 e 2018 viajou e orbitou o astro, confirmou que sua superfície esconde um mar salgado, que pode muito bem representar a próxima fronteira para a ciência dos oceanos.