O CASO DE FOREST CITY E SUAS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES PARA O DIREITO DO MAR
Por Julia Cirne Lima Weston
Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Mestre em Direito Internacional pela University College London.
Comecemos pelo básico. O caso de Forest City do título da coluna refere-se a um projeto na Nova Rota da Seda (ou Belt and Road Initiative), parte do megaprojeto chinês de desenvolvimento de infraestrutura que visa conectar novamente a antiga rota da seda, no continente eurasiático. Existem, basicamente, duas ramificações neste projeto, o chamado Belt (cinturão, referente a obras de infraestrutura terrestre) e a Maritime Silk Road (rota da seda marítima), que dizem respeito ao tipo de infraestrutura almejado por cada departamento.[1] Forest City diz respeito a uma questão do cinturão, mas possui efeitos práticos no cenário marítimo.
O caso de Forest City refere-se especificamente à construção de uma nova cidade por meio de um contrato entre a empreiteira chinesa Country Garden, e o Sultanato de Johor, na Malásia.[2] Diz respeito ao desenvolvimento da região de Iskandar Malaysia, região ao sul de Johor, do outro lado do estreito em relação à cidade-Estado de Cingapura. O projeto ambicioso almeja construir, em ilhas reclamadas pela Malásia, uma nova cidade no conceito smart city, atendo-se a questões de meio ambiente e sustentabilidade.[3] Um dos pontos fortes de Forest City, usado para promover o local em vendas, é a sua proximidade a Cingapura: fica a apenas 2 quilômetros de distância do grande centro financeiro![4] Isto, porém, não é tão simples na prática.
O projeto começou sem grandes sinalizações, com a empreiteira iniciando a construção nas ilhas ao sul da Malásia, o que causou o estranhamento das autoridades em Cingapura, que apenas começaram a ver a silhueta do empreendimento.[5] Isto fez com que a cidade-Estado homologasse um protesto contra a Malásia, para ver do que se tratava a construção.[6] Após a notificação de que esta seguia padrões e estava sendo feita em território malaio, a maior preocupação por parte de Cingapura foi a questão ambiental.[7] Foi enviada uma equipe de pesquisadores de uma universidade malaia para a região, a fim de averiguar possíveis danos ambientais.[8] O relatório fez constar que não havia alterações do ambiente marinho de Cingapura, embora medidas devessem ser tomadas em relação à construção para evitar danos futuros.[9]
Em se tratando de Direito do Mar e da delicada ordem internacional, devido à proximidade do projeto à costa de Cingapura, algumas questões vêm à mente. A Parte XI da Convenção das Nações Unidas do Direito do Mar, ao tratar de questões ambientais, possui um enfoque na prevenção de danos ambientais transfronteiriços e na cooperação internacional e regional na proteção ambiental. Caso haja relatos de alteração no ambiente marinho do lado de Cingapura, ou até antes que isto ocorra, devido à obrigação coletiva de proteção ao meio ambiente, é possível que o país exija da Malásia a cooperação a fim de evitar danos. Num cenário similar à ordem do Tribunal Internacional do Direito do Mar sobre a MOX Plant, entre a Irlanda e o Reino Unido, uma medida provisória pode ser exigida, caso não haja expectativa de cumprimento de medidas de cooperação e prevenção de danos ambientais.[10] Devido à necessidade de preservação do ambiente e à proximidade do empreendimento da costa de Cingapura, é inegável a sua possível interferência no ambiente do Estado. Caso algum dano grave venha a acontecer, ou mesmo antes disso, é possível que medidas judiciais sejam buscadas. Afinal, Cingapura e Malásia não são países alheios à solução judicial de suas questões marítimas, já tendo submetido uma disputa sobre ilhas à Corte Internacional de Justiça, no caso da ilha de Pedra Branca.
O caso Forest City é apenas um dos projetos na imensa Nova Rota da Seda que podem estar sujeitos a escrutínio por parte da comunidade internacional. A região do continente asiático é conhecida por disputas marítimas e o desenvolvimento de obras de infraestrutura, ainda mais em regiões costeiras fronteiriças, pode vir a causar atritos. É importante para a comunidade internacional manter vigilância sobre possíveis áreas de conflito e estabelecer arranjos de cooperação para evitar escalações diplomáticas.
[1] COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. China’s Massive Belt and Road Initiative. Disponível em: <https://www.cfr.org/backgrounder/chinas-massive-belt-and-road-initiative> , acesso em 5 de agosto de 2020.
[2] LIU, Hong; LIM, Guanie. The Political Economy of a Rising China in Southeast Asia: Malaysia’s response to the Belt and Road Initiative. Journal of Contemporary China, vol 28, n. 116, Oxford, 2019, pp. 216-231.
[3] FOREST CITY. Forest City Overview. Disponível em: <https://www.forestcitycgpv.com/about-forest-city/overview> , acesso em 5 de agosto de 2020.
[4] ibid.
[5] RAHMAN, Serina. Johor’s Forest City Faces Critical Challenges. Trends in Southeast Asia, vol. 3, Cingapura: ISEAS, 2017.
[6] ibid.
[7] ibid.
[8] ibid.
[9] ibid.
[10] TRIBUNAL INTERNACIONAL DO DIREITO DO MAR. MOX Plant (Republic of Ireland v the United Kingdom). Disponível em: <https://www.itlos.org/fileadmin/itlos/documents/cases/case_no_10/published/C10-O-3_dec_01.pdf> , acesso em 5 de agosto de 2020.