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11 junho 2020

O que a crise do vazamento de petróleo poderia ter nos ensinado para o COVID-19?

por Larissa Coutinho & Carolina Cesetti

Doutorandas e Mestres em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília
Pesquisadoras do Grupo de Direito, Recursos Naturais e Sustentabilidade (GERN) da Universidade de Brasília


Em menos de um ano nosso país passou por duas crises de magnitude nacional e impactos relevantes em diferentes setores: a crise do vazamento de petróleo bruto na costa brasileira e a crise da pandemia do COVID-19. Tais situações nos fazem refletir sobre o necessário papel do Estado em situações de urgência.

É claro que estas situações têm diferentes contextos. Entretanto, evidenciam a dificuldade de coordenação entre os agentes envolvidos e o preparo no enfrentamento de crises, bem como a judicialização do assunto.

Vale lembrar que o vazamento de petróleo atingiu mais de 200 localidades de vários municípios dos nove estados da Região Nordeste e chegou até estados do Sudoeste[1]. Além do desastre ter afetado diversas atividades e pessoas nestas regiões, um fato muito grave foi a falta de acionamento em momento oportuno do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição de Óleo.

Este Plano de Contingência estabelece uma organização na resposta do país à crise. Conforme a Lei 9.966, que trata acerca do controle da poluição causada por lançamento de óleo, em seu artigo 29, “os planos de contingência estabelecerão o nível de coordenação e as atribuições dos diversos órgãos e instituições públicas e privadas neles envolvida”[2]. As autoridades mencionadas no artigo são órgãos ambientais federais, estaduais ou municipais bem como a autoridade marítima, autoridade portuária e a Agência Nacional do Petróleo. Conforme o parágrafo único deste mesmo artigo, estas autoridades atuarão de forma integrada.

Contudo, em que pese os esforços despendidos, a proporção do vazamento se agravou no decorrer das semanas e um fato que não pode ser retirado dessa equação é a falta de aplicação imediata do PNC e a falta de uma integração e coordenação das ações entre os diferentes atores federais, estaduais e municipais.  A demora da aplicação do Plano nesta situação nos faz questionar se a gravidade poderia ter sido amenizada se seus instrumentos tivessem sido aplicados no devido momento. Para além do descobrimento da origem do óleo derramado, o meio ambiente e as populações litorâneas poderiam ter sido mais protegidos e as atividades econômicas poderiam ter sido preservadas.

E aqui temos o primeiro paralelo com a crise do Corona vírus. Dentre as mais de 80 normas de âmbito nacional já criadas desde 30 de janeiro de 2020[3]  com o objetivo de combater o COVID-19 e enfrentar o cenário emergencial de saúde pública, é visível a lacuna criada pela falta de um Plano de Contingência estruturado e articulado entre os entes federativos[4]. Deste modo, é inevitável indagar sobre a possibilidade de o PNC poder contribuir para um cenário mais prospero e otimista do que o que vivemos atualmente.

Observando a situação atual, é possível perceber que a falta de um PNC para a pandemia pode sim ter contribuído no agravamento da situação que já chegou a 37.134 óbitos com 5.2% de mortalidade[5] no nosso país. É evidente que devido à vários setores deficientes no Brasil, a criação de um PNC apto a responder à crise pode não ter sido uma prioridade. Mas também é evidente que algum impacto houve pela falta de integração e coordenação entre as respostas dadas pelos diferentes Municípios e Estados e a ausência de uma diretriz nacional.

O segundo paralelo que pode ser traçado entre as duas crises decorre justamente da lacuna do Plano de Contingência: a judicialização do assunto. Ante a inércia do Poder Executivo, o Poder Judiciário foi chamado a se posicionar.

Na crise do derramamento de petróleo, foi necessário que o Ministério Público Federal ajuizasse ação requerendo que a Justiça Federal obrigasse a União a acionar o PNC. A decisão de primeira instância não foi favorável ao Ministério Público, que recorreu ao Tribunal Federal Regional da 5ª Região, ressaltando os pontos que deixaram de ser cumpridos para que o acionamento do Plano de Contingência fosse reconhecido.[6]

Já na crise da COVID-19, coube ao Supremo Tribunal Federal se manifestar. O Plenário, de forma unânime, confirmou o entendimento de que as medidas adotadas pela União na Medida Provisória nº 926/2020 não afastam a competência concorrente e a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.[7]

É inegável a importância das decisões judiciais tomadas. Do ponto de vista jurídico, elas esclarecem dúvidas de interpretação normativa e determinam parâmetros de análise da atuação do Poder Público. Porém, não são substitutas de um PNC. O conteúdo do PNC traz um preparo e uma resposta nacional bem como demais níveis de planejamento locais, regionais, bilaterais e multilaterais.

No Direito do Mar, os efeitos da falta de cooperação entre os entes estatais são latentes e visíveis no que se refere à impactos em um Oceano saudável e na segurança no mar.[8] O mesmo pode ser dito com problemas de saúde pública. Talvez o gerenciamento da crise do petróleo teria sido uma boa oportunidade de aprendizado para a atual crise de corona vírus. Talvez o Direito do Mar, em toda a sua complexidade, pudesse ter contribuído para um melhor enfrentamento de outros desastres.

[1]Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50131560. Acesso em: 09 de jun. 2020.

[2]Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9966.htm. Acesso em: 09 de jun. 2020.

[3]Disponível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/03/Portarias-publicadas-sobre-COVID.pdf. Acesso em: 09 jun. 2020.

[4]Para uma análise detalhada do plano disponível ver: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/13/plano-contingencia-coronavirus-COVID19.pdf

[5]Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em 09 de jun. 2020.

[6]Ver: https://exame.com/brasil/em-recurso-mpf-sustenta-que-plano-contra-vazamento-no-ne-nao-foi-acionado/

[7]Ver: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441447&ori=1

[8]SAUMWEBER, Whitley; LEHR, Amy; LOFT, Ty; KIM, Sabrina. Covid-19 at Sea: Impacts on the Blue Economy, Ocean Health, and Ocean Security. Center for Strategic & International Studies. Disponível em: https://www.csis.org/analysis/covid-19-sea-impacts-blue-economy-ocean-health-and-ocean-security Acesso em 09 jun. 2020.

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