O potencial científicos dos minerais nos fundos marinhos e as lacunas jurídicas ainda existentes
O ecossistema único e incomparável dos fundos marinhos atrai a atenção de pesquisadores de todo o mundo pelo potencial econômico dos ricos recursos minerais ali presentes – capaz de auxiliar no desenvolvimento econômico e científico dos países, em especial considerando a recessão econômica advinda da pandemia – e pela incerteza quanto aos impactos ambientais possivelmente ocasionados a partir da exploração de tais recursos. Tais preocupações têm se refletido no recente acirramento dos debates nas Nações Unidas sobre a regulamentação da atividade de mineração nos fundos marinhos.
A Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar (UNCLOS) determina que a Área compreende os fundos marinhos e respectivo subsolo além da jurisdição nacional de qualquer nação. Essa região é considerada patrimônio comum da humanidade e a organização e controle das atividades ali exercidas é competência da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA). Nesse contexto, ISA já emitiu 30 contratos para empresas estatais, empresas multinacionais e startups para explorar mais de 1,3 milhão de quilômetros quadrados do fundo do mar. Entre eles, cinco são da China, mais do que qualquer outro país, que lhe conferem o direito de explorar e potencialmente explotar 238.000 quilômetros quadrados (quase o tamanho da Nova Zelândia). Em 2018, o Brasil firmou contrato com a ISA para exploração de crostas ferromanganesíferas ricas em cobalto, na Elevação do Rio Grande (ERG), minerais estes com potencial econômico e estratégico em levantamentos realizados em expedições a essa região. O governo brasileiro espera adquirir direitos exclusivos de explotação da área requisitada por, pelo menos, 15 anos.
Assim como o ambiente terrestre, os fundos marinhos são compostos por cadeias de montanhas, planaltos, picos vulcânicos, cânions e vastas planícies abissais e a tecnologia já permitiu identificar a existência de cadeias importantes de minerais e de organismos vivos expelidos por fontes hidrotermais com potencial científico e econômico muito importantes.
Atualmente, o interesse comercial está focado em três tipos de depósitos minerais marinhos: Nódulos polimetálicos, sulfetos polimetálicos e crostas de cobalto. Nenhuma licença para atividades de explotação comercial foi concedida ainda, mas há a expectativa de empresas neste segmento para iniciarem suas atividades de explotação em 2026. No entanto, existem preocupações sobre as implicações de tais atividades para o meio ambiente marinho. Por exemplo, o Prof. Mat Upton, responsável pela descoberta de um micróbio de uma esponja marinha capaz de matar insetos patogênicos, estima que pode levar até uma década para que um antibiótico recém-descoberto se torne um medicamento – mas a corrida para a mineração comercial pode prejudicar em demasia sua pesquisa. Igualmente, a Kristina Gjerde, especialista em políticas de alto mar da União Internacional para a Conservação da Natureza, está profundamente preocupada com a falta de proteção ambiental no projeto de código. Nas palavras dela, “Estamos apenas indo às cegas no escuro, ajustando os impactos no caminho”, diz Gjerde.
Ao longo dos últimos 20 anos, a ISA realizou estudos e buscou adotar regulamentos específicos no que tange à exploração e à explotação de recursos minerais dos fundos marinhos. Recentemente, em debates sobre o novo código de mineração para explotação de recursos minerais na Área, o seu Comitê técnico e legal publicou diversas recomendações às empresas e Estados acerca dos possíveis impactos ambientais, assim como alertou sobre a obrigação de realizar Estudos de Impacto Ambiental prévios, fato que também é indicado pela UNCLOS e pelo Acordo relativo à aplicação da parte XI. A ONU alerta para a possibilidade de danos ambientais devido a falhas no sistema de elevação e transporte, vazamentos hidráulicos e poluição sonora e luminosa.
A exploração de minerais nos fundos marinhos, de fato, possuem grande potencial econômico e científico, especialmente aos países que dependem extensivamente de sua importação. Entretanto, os possíveis impactos irreversíveis ao meio ambiente acendem o alerta vermelho à comunidade internacional, a fim de que estudos de impacto ambiental mais detalhados sejam exigidos previamente à consecução dessas obras, além do cumprimento integral de princípios já consolidados na seara internacional ambiental, como o princípio da precaução.