Notícias

08 junho 2020

Disputa por soberania no Mar do Sul da China: A tática toponímica chinesa

A toponímia, ciência que estuda as denominações geográficas, demonstra que a escolha de nomes é densamente influenciada pela cultura, política e pelo Direito. No entanto, seria a recíproca verdadeira? Poderia o dar nome criar direitos ou apenas o Direito pode dar nomes?

No contexto de disputa por soberania no Mar do Sul da China, o governo chinês emitiu no fim de abril uma lista com nomes e coordenadas de 80 acidentes geográficos, dos quais a maior parte está submersa, incluindo recifes, bancos de areia e cordilheiras submarinas.

A medida é mais uma que compõe a estratégia chinesa, progressivamente mais intensa, para reivindicar direitos marítimos na disputada área do sudeste asiático. Poucos dias antes, Pequim havia anunciado o estabelecimento de novas unidades administrativas nas ilhas Paracel e Spratly, ambas sob controle da cidade de Sansha.

Em meio à pandemia do COVID-19, os Estados Unidos acusam o país asiático de tentar expandir suas pretensões territoriais enquanto os demais Estados concentram seus esforços no combate ao vírus. Países como a Indonésia, Tailândia e Vietnã vem restringindo seus gastos com defesa para lidar com a crise econômica ascendente, de modo que a redução de patrulhas no Mar abre espaço para maior presença da potência chinesa. Para o Primeiro Ministro chinês, as acusações são “pura bobagem”.

O Mar da China Meridional, como também é conhecido, é um espaço de importante valor estratégico para os Estados que o cercam, como China, Taiwan, Malásia, Brunei, Vietnã, Filipinas e Tailândia.

Pela perspectiva comercial, trata-se de uma das mais movimentadas zonas de tráfego do mundo, por onde transita em torno de um terço do transporte marítimo global. A livre navegação na área é, portanto, fator determinante para o desenvolvimento econômico e social do nordeste e sudeste asiáticos.

A China, em particular, depende do Mar para o transporte de, aproximadamente, 60% do valor total do seu comércio, de modo que sua segurança econômica está intimamente conectada ao Mar do Sul. O Estreito de Málaca, por exemplo, garante à China o acesso ao Índico e, consequentemente, o alcance comercial no Ocidente.

Além de potencializar o trânsito comercial e militar, estima-se que o Mar Meridional também encubra extensas reservas energéticas não exploradas. Atualmente, o cenário de crescente demanda por combustíveis não renováveis no sudeste asiático se contrapõe a projeções de estagnação da sua produção na área, de forma que o Mar se apresenta como importante futura fonte energética. Para a China, a exploração dessa zona significaria reduzir sua dependência nas importações de petróleo, as quais se encontram vulneráveis aos riscos do transporte de longa distância, como os estreitos do Mar do Sul[1]. Para mais, a imensa biodiversidade da área possibilita que a pesca componha importante parcela da receita de exportações, bem como, da alimentação da população dos Estados circundantes.

Para reivindicar direitos de exploração sobre esses recursos, os países costeiros disputam o domínio sobre os arquipélagos de Paracel e Spratly, bem como, o recife de Scarborough, por meio dos quais conseguiriam estender suas zonas de jurisdição.

Os países de menor poderio militar vem encontrando meios alternativos de fazer frente às reivindicações chinesas, por exemplo, cooperando com Japão e Estados Unidos ou recorrendo à instrumentos internacionais, como fizeram as Filipinas em 2013, instaurando processo perante a Corte Permanente de Arbitragem (CPA).

Em decisão de 2016, sob os ditames da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, a Corte negou que a China tivesse direitos históricos sobre a região que o país considera circunscrita pela chamada “linha de nove traços”, a qual abrangeria quase 90% de todo o Mar Meridional. Primeiramente, concluiu pela falta de evidências de controle histórico exclusivo. Afirmou, ainda, que determinadas áreas pertenciam à Zona Econômica Exclusiva (ZEE) das Filipinas e, portanto, a interferência no seu direito de exploração configuraria violação ao ordenamento internacional. Da mesma forma, considerou que a construção de ilhas artificiais no arquipélago de Spratly, pertencente à ZEE Filipina, gerou danos permanentes ao seu ecossistema. Pequim, ainda hoje, considera a decisão nula por suposta falta de jurisdição da CPA.

A última vez que a China divulgou uma lista com o intuito de padronizar os nomes dos disputados territórios foi em 1983. Contudo, a medida recente se difere por mapear, majoritariamente, zonas submersas que se encontram além dos limites da plataforma continental chinesa.

Não obstante, a estratégia apresenta impactos, ao máximo, políticos. No âmbito jurídico, não existem precedentes internacionais que considerem o mero mapear e nomear suficientes a título de effectivités para configuração de soberania. Pelo contrário, especialistas consideram que a tática toponímica chinesa acaba por demonstrar o caráter um tanto moderno de reivindicações supostamente históricas.

Resta agora aguardar a resposta da sociedade internacional à estratégia de reivindicação chinesa.

[1] FAKHOURY, Renato Matheus Mendes. As Disputas Marítimas no Mar do Sul da China: Antecedentes e Ações Militares no Século XXI. Observatório de Conflitos Internacionais, Série de Conflitos Internacionais, V. 6, n.1 – fev/2019.

Fonte Imagem: DW

Share via
Copy link
Powered by Social Snap