A volta pra casa: repatriação de tripulantes de navios em época de pandemia
por Carla Adriana C Gibertoni Fregona (@carlafregona)
Advogada e consultora jurídica, Sócia do escritório Pádua Advogados, especialista em Direito Marítimo, Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Barcelona, Autora do livro Teoria e Prática do Direito Marítimo, Professora convidada em cursos de Pós graduação em Direito Marítimo e Direito Empresarial, Membro da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB/ES.
Ao iniciar mais essa coluna, considerei em abordar algum assunto não relacionado à pandemia. No entanto, descobri que, no momento, isso é quase impossível. O tema é amplo e vai muito além de um breve período. Os reflexos serão sentidos por muito tempo e, como não poderia deixar de ser, decidi escrever sobre algumas medidas referentes ao embarque e desembarque de tripulantes e estrangeiros no Brasil.
Recentemente, em 02/05, a mídia noticiou que mais uma embarcação entrou em quarentena no Porto de Santos, no litoral de São Paulo, por conta da pandemia do novo coronavírus. O navio de carga Bárbara teve dois tripulantes confirmados com Covid-19 e ficará isolado no cais santista até 15 de maio. Após ser notificada da solicitação de atendimento médico, os técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizaram inspeção a bordo e um tripulante doente (com dores de cabeça e estado de prostração) teve resultado negativo para Covid-19. Porém, outros dois, sem sintomas, tiveram resultado positivo nos testes rápidos. Os testes são realizados apenas em casos suspeitos, descartada sua aplicação de forma generalizada. A Anvisa suspendeu a autorização para o navio operar no Porto de Santos e manteve apenas a permissão para o atracamento da embarcação.
Em situações como essa, as únicas opções de desembarque possíveis são para atendimento de emergência e repatriação imediata por via aérea para o país de origem, desde que não coloque em risco outras pessoas. Preserva-se a vida dos trabalhadores locais e controla-se a disseminação interna.
Mas esse não foi o primeiro navio a ser colocado em quarentena. Vamos relembrar alguns dos casos.
O navio graneleiro Saldanha foi liberado da quarentena após 14 dias de diagnóstico de um caso a bordo, no porto de Santos. Durante esse período, nenhuma outra suspeita de Covid-19 foi registrada na embarcação. O navio de cruzeiros MSC Seaview foi colocado em quarentena até 14 de maio, com 615 tripulantes a bordo, todos em isolamento, em cabines com varanda, sem poder desembarcar. Dez tripulantes foram confirmados com Covid-19. Já o MSC Musica ficou em quarentena até 4 de maio, com 296 tripulantes a bordo. Um tripulante testou positivo para Covid-19 após internação hospitalar para tratar um quadro de anemia. O teste positivo foi realizado antes de o tripulante ter alta.
Por fim, o navio Costa Fascinosa, ficou em quarentena até 27 de abril. A empresa responsável foi autorizada a realizar desembarques para repatriação de tripulantes ou mesmo a deixar o litoral brasileiro. A decisão sobre desembarques ou sobre deixar o porto é da empresa marítima, que optou por desembarcar os tripulantes e encaminhá-los de volta aos seus países.
De acordo com o disposto na Convenção 166 da Organização Internacional do Trabalho, a empresa armadora é responsável pela logística do transporte dos tripulantes, por meios apropriados e rápidos, em geral, por via aérea. Os tripulantes devem desembarcar e seguir em transporte próprio direto para o aeroporto. Todas as despesas serão suportadas pelo armador.
A repatriação é uma decisão da empresa responsável pela embarcação, que pode decidir manter os tripulantes a bordo das embarcações ou enviá-los de volta ao país de origem. Essa decisão, no geral, abrange questões como a manutenção da embarcação e o planejamento operacional de cada companhia, considerando inclusive cargas e escalas. Mas, o desembarque para repatriação é sempre condicionado à autorização do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e deve ser acompanhado pela Anvisa, bem como por órgão de controle de fronteira, como a Polícia Federal e a Receita Federal.
A consulta ao MRE deve conter todas as informações básicas e necessárias, tais como a localização dos tripulantes e estrangeiros, com referência à embarcação ou ao hotel de quarentena, a quantidade de pessoas a serem repatriadas e a data da operação, com indicação dos voos e horários de saída. De acordo com a Nota Técnica 86/2020, todo o procedimento de deslocamento, hospedagem e transporte aéreo deve ser providenciado pela empresa armadora, responsável pela logística relacionada a voos, datas e horários. Por outro lado, com o fechamento das fronteiras, o MRE confirmará se o país de destino do tripulante permitirá seu retorno.
O embarque e desembarque de tripulantes de embarcações e plataformas deve observar as regras estabelecidas pela Anvisa. Como forma de proteção, uma das medidas essenciais é a triagem dos tripulantes, antes do início da escala de trabalho, para identificação de possíveis casos de indivíduos com sintomas da Covid-19, de modo a evitar a propagação da doença. Os tripulantes escalados deverão cumprir quarentena de 14 dias em domicílio ou em um hotel antes da data prevista para o embarque. Nesses 14 dias eles terão sua saúde monitorada e, se apresentarem sintomas respiratórios ou febre, deverão ser impedidos de viajar. No embarque dos tripulantes aptos a viajar, devem ser reforçadas as orientações com relação às medidas preventivas para evitar a contaminação pelo novo coronavírus e as providências a serem tomadas no caso de evento de saúde a bordo.
Milhares de pessoas estão presas em navios, sem poder desembarcar em nenhum país costeiro que venha a facilitar o retorno para casa. É preciso, de fato, adotar medidas que estabeleçam um equilíbrio, com a preservação dos trabalhadores locais e os tripulantes. As empresas certamente devem continuar a monitorar os desdobramentos globais relacionados com a pandemia envolvendo o COVID-19 e a potencial necessidade de adotarem outras medidas e ações complementares. Estamos numa crise. Nesse momento, cautela é bom, mas saber conduzir o gerenciamento de risco é essencial. Até a próxima!
Foto de capa:
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