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18 maio 2020

A proteção internacional do meio ambiente marinho

por Marcelo José das Neves

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos
Professor de Direito Marítimo da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante


Desde a promulgação da Declaração de Estocolmo, em 1972, o meio ambiente passou a ter relevância no plano internacional. A Conferência foi vista como um marco no reconhecimento da necessidade da proteção ambiental, uma vez que países desenvolvidos e em desenvolvimento se reuniram para debater os impactos da atividade humana no meio ambiente.

Os princípios elencados na Declaração de Estocolmo, vinte e seis no total, reconhecem como direitos fundamentais do ser humano, além da liberdade e igualdade, o direito a adequada condição de vida em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e os Estados passam então a refletir sobre as consequências advindas de atividades que poderiam colocar em risco o equilibro desejado. Passa-se então a incluir a proteção ambiental na seara dos Direitos Humanos.

Assevera Guerra (2019, p. 661) que “a Declaração produzida em 1972, embora de natureza recomendatória, abriu novas possibilidades, e a partir dela foram concebidos vários outros documentos internacionais em matéria ambiental”.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, aprovada em 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay, na Jamaica, advinda da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, não foi um texto normativo internacional que teve por mister regular de maneira contundente a proteção ambiental. Suas diretrizes se aplicam à regulação do uso do mar. Contudo, sofre forte influência de Estocolmo e dedica um capítulo inteiro à proteção do meio ambiente marinho.

De acordo com Rolim (2014, p. 349), a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar vem a referendar a Declaração de Estocolmo, ao reger a proteção ambiental com base em sete princípios: direito de soberania dos Estados sobre seus recursos naturais, proibição da poluição transfronteiriça, cooperação internacional, assistência técnica, desenvolvimento sustentável, prevenção de danos e responsabilidade internacional dos Estados.

O sistema normativo previsto na Parte XII da Convenção do Direito do Mar garante o estabelecimento de uma ordem jurídica voltada para pacificação da utilização dos mares e oceanos e para a utilização eficiente dos seus recursos e preservação de todo o meio marinho. Na Convenção de Montego Bay, os Estados se comprometem a estabelecer normas e regulamentos para prevenir, reduzir e controlar a poluição marinha.

Pode-se acrescentar ainda a essa evolução normativa a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio/92, a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e a Convenção sobre a Diversidade Biológica, apresentando-se a proteção internacional do meio ambiente como um dos grandes temas da atualidade.

Nos dizeres de Wagner Menezes, criou-se um microssistema comum para a sociedade internacional na utilização conjunta de um espaço de uso coletivo fundamental para as comunicações entre os povos e de estratégica importância para sobrevivência econômica da sociedade (2014, p. 491).

Nesse sistema de proteção internacional do meio ambiente criado após a Declaração de Estocolmo, insere-se o Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar, organismo previsto na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, sediado em Hamburgo, na Alemanha, cujas atribuições compreendem, mas não se esgotam, em solucionar as controvérsias decorrentes da aplicação das normas da Convenção de Montego Bay.

Em uma análise dos casos julgados pelo Tribunal, é possível identificar alguns que envolvem a proteção ambiental. No primeiro deles, Austrália e a Nova Zelândia pediram ao Tribunal medidas provisórias para contenção da pesca experimental da espécie atum azul do Sul, feita pelo Japão, sob o argumento da necessidade de preservar a espécie. Identifica-se também um caso onde o Chile pede a formação de uma câmara especial para tratar da conservação e exploração sustentável de peixes-espada no Pacífico.

Um dos casos mais interessantes apreciados pelo Tribunal foi o Caso Nauru. O parecer consultivo refere-se à recuperação de recursos da “Área”, uma zona estabelecida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar como o leito do mar e seu subsolo além dos limites da jurisdição de qualquer Estado. A Convenção declara a Área e seus recursos como patrimônio comum da humanidade.

Com a inclusão da proteção ambiental na seara do Direito Internacional, observa-se também uma atuação da Corte Internacional de Justiça, órgão judicial da Organização das Nações Unidas (ONU), sediado em Haia, na Holanda, com competência para resolver litígios jurídicos a ela submetidos pelos Estados e emitir pareceres sobre questões jurídicas apresentadas pela Assembleia Geral da ONU, pelo Conselho de Segurança ou por órgãos e agências especializadas acreditadas pela Assembleia Geral da ONU.

As decisões proferidas pela Corte possuem caráter obrigatório, o que a torna um instrumento valioso à garantia da proteção ambiental. Se uma das partes deixar de cumpri-las, a outra poderá recorrer ao Conselho de Segurança da ONU, que, por sua vez, poderá adotar medidas para o cumprimento da sentença.

Litígios ambientais podem ser levados à apreciação da Corte. Em uma análise jurisprudencial, são localizados poucos casos envolvendo a temática ambiental no meio marinho, citando-se como exemplo o caso de pescas de baleias envolvendo Austrália e Japão.

Conclui-se que a submissão de controvérsias para o Tribunal Internacional do Direito do Mar ou para a Corte Internacional de Justiça, embora tímida, veio proporcionar maior segurança e efetividade aos dispositivos legais de proteção internacional do meio ambiente, ao tempo em que se faz cada vez mais necessário garantir e preservar direitos não só das presentas, mas das futuras gerações.


Referências

ICJ. International Court of Justice. List of all Cases. Disponível em < https://www.icj-cij.org/en/list-of-all-cases>. Acesso em 16 maio 2020.

ITLOS. International Tribunal for the Law of the Sea. List  of Cases. Disponível em < https://www.itlos.org/en/cases/list-of-cases/>. Acesso em 17 maio 2020.

GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 12ª Edição. São Paulo. Saraiva:2019.

MENEZES, Wagner. Tribunal Internacional do Direito do Mar e sua contribuição jurisprudencial, in BEIRÃO André Panno; PEREIRA, Antonio Celso Alves (Organizadores) Reflexões Sobre a Convenção do Direito do Mar. Brasília: FUNAG, 2014, p. 489-571.

ROLIM, Maria Helena Fonseca de Souza. A Convemar e a proteção do meio ambiente marinho: impacto na evolução e codificação do Direito do Mar – as ações implementadas pelo Brasil e seus reflexos no Direito Nacional, in BEIRÃO André Panno; PEREIRA, Antonio Celso Alves (Organizadores) Reflexões Sobre a Convenção do Direito do Mar. Brasília: FUNAG, 2014, p. 373-404.

UNCLOS, United Nations Convencion on the Law of the Sea. Disponível em:<http://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf>. Acesso em 16 maio 2020.

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