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26 maio 2020

Como a saúde do oceano pode ser uma aliada no contexto do COVID-19

Em um primeiro olhar, o fundo do oceano pode parecer uma vastidão inóspita de areia, mas o seu assoalho possui microrganismos com uma grande diversidade genética que podem trazer diversos benefícios para os seres humanos. Nesse sentido, em 1986, a partir de estudos nas profundezas do Mar Adriático, microbiologistas estadunidenses publicaram a descoberta de bactérias posteriormente utilizadas para diagnosticar a AIDS e a SARS (Síndrome respiratória aguda grave).

Hoje, de acordo com a oceanógrafa e pesquisadora da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO, Francesca Santoro, diante do cenário de pandemia de COVID-19 vivido pelo mundo, esses organismos estão sendo usados para estudos que tentam encontrar a cura para a doença e para a realização de testes rápidos, acelerando a detecção do coronavírus.

Esses microrganismos são encontrados em um ambiente único: chaminés hidrotérmicas muito profundas, com temperaturas baixas, pressão alta e quase nenhum oxigênio. Assim, segundo o cientista italiano Alesso, “(…) o fato de que eles precisam se adaptar a condições extremas faz com que substâncias específicas se desenvolvam, (…) como antivirais usados para fazer esses testes rápidos, mas também podem ser úteis para encontrar a solução para o vírus”.*

Segundo a Autoridade Internacional dos Fundos dos Mares (ISA), o oceano possui mais biodiversidade do que o ambiente terrestre, sendo esse o habitat de 10 a 100 milhões de seres vivos. E, justamente no fundo marítimo, onde os microrganismos foram encontrados, estão as maiores quantidades de recursos não renováveis, como minerais, e de biomassa. De acordo com a ISA, a conservação desse fundo oceânico é essencial para a manutenção da biodiversidade do ambiente marinho, importante para o funcionamento da biosfera e para o bem estar humano.

Dessa forma, é muito importante preservar a saúde dos mares, já que por meio da vida encontrada neles os cientistas podem conseguir desenvolver medicamentos utilizando substâncias desse ambiente. Segundo a pesquisadora da UNESCO, “(…) Cada vez mais são realizadas pesquisas que usam substâncias produzidas por organismos marinhos como tratamentos para doenças como câncer e Alzheimer. Por esse motivo, todos devem estar na vanguarda da batalha pela conservação do oceano”.

A fim de estimular a ciência, as Nações Unidas lançaram a Década Internacional da Oceanografia para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030) com o objetivo de estimular a cooperação internacional para a realização de estudos científicos que promovam a proteção dos oceanos, a gestão dos seus recursos e também dos recursos das zonas costeiras. Essa ação é muito importante, pois mesmo que os mares cubram 71% do planeta, a ciência oceânica representa apenas entre 0,04% a 0,4% dos gastos com pesquisas em todo o mundo e somente 5% do oceano, ambiente rico em biodiversidade, é realmente conhecido pelo homem.

Há, também, uma iniciativa memorável da Assembleia Geral das Nações Unidas que, desde sua Resolução 72/249 (2018), promove uma Conferência Intergovernamental para a negociação de um tratado (Marine Biodiversity of Areas Beyond National Jurisdiction – BBNJ) que objetiva a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica marinha de áreas além da jurisdição nacional.  Três das quatro sessões da Conferência já foram realizadas, mas a última, que seria entre 23 de março e 3 de abril deste ano, foi adiada.

Além disso, foi discutido na Semana do Oceano de 2020, entre 3 (três) e 9 (nove) de fevereiro, em Bruxelas, uma iniciativa de 102 organizações não governamentais para o lançamento de um documento denominado “Manifesto Azul”, que também estabelece medidas a serem cumpridas pela União Europeia para a proteção do oceano, como a utilização apenas de pescarias de baixo impacto natural, o fim da poluição marinha, a promoção da restauração de ecossistemas marinhos e a preservação de pelo menos 30% dos oceanos até 2030.

A degradação de ecossistemas marinhos pode prejudicar a biodiversidade e os estudos oceânicos, colocando em risco as conquistas em benefício da saúde humana, como, por exemplo, a descoberta de uma cura para a COVID-19. Assim, para a preservação dos oceanos e o consequente aperfeiçoamento da ciência, é preciso adotar iniciativas após a pandemia, como investir na agricultura oceânica regenerativa, aumentando o número de algas que diminuem a acidificação e a poluição dos mares e restaurar ecossistemas marinhos por meio da expansão de áreas de preservação nos oceanos (“Blue New Deal”).

 

*Em tradução nossa. No original, em italiano: “Ma proprio il fatto che si debbano adattare a condizioni tanto estreme, fa si che sviluppino sostanze particolari, tra cui dei batteri che sono come degli antivirali che vengono utilizzati per fare questi test rapidi ma potrebbero anche diventare utili per trovare la soluzione al virus”.

 

Notícia produzida por Lorena Souza Carvalho Marinho, estagiária do IBDMAR, sob a supervisão de Carina Costa de Oliveira, Professora da Faculdade de Direito da UnB, Diretora do IBDMAR.

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