Arquipélago de Açores é considerado Patrimônio Cultural Subaquático Europeu
No final de março deste ano, a Comissão Europeia concedeu o título de patrimônio cultural subaquático ao Arquipélago de Açores, um território autônomo de Portugal localizado no meio do Oceano Atlântico [1]. O arquipélago é formado por 30 zonas de mergulho com destroços datados dos séculos XV ao XX, composto por mais de 1000 naufrágios documentados e 100 sítios arqueológicos subaquáticos identificados. O local é conhecido como “o gargalo do mundo” e está ligado a fatos históricos relevantes. Ali passavam as principais rotas de navegação para a América do Sul, por onde eram realizados o escoamento de metais preciosos e o comércio de escravos. Embarcações militares envolvidas na Guerra de Independência dos Estados Unidos e nas duas Grandes Guerras também transitavam pelo Arquipélago de Açores, assim como boa parte dos navios transportando migrantes europeus para o continente americano. Além disso, embarcações de exploração científica, como aquela do Beagle, da qual participou Charles Darwin, aproveitavam aquele ponto de passagem [2].
O título faz parte da European Heritage Label (EHL), um reconhecimento dado pela Comissão Europeia para proteger e promover culturalmente locais ligados a diferentes aspectos que simbolizam a história, valores, ideais e a integração europeia [3]. Desde 2013, 48 diferentes locais já receberam o título, que é cuidadosamente concedido por um júri ao destaque entre as candidaturas apresentadas pelos Estados-membros da União Europeia. A iniciativa se deu a partir de governos nacionais e, em seguida, a Comissão Europeia começou a analisar a possibilidade a convite do Conselho de Ministros e, após uma proposta ao Parlamento Europeu, a EHL foi formalmente instituída em 2008 com o documento “Council conclusions on the creation of a European heritage label by the European Union”.
O título europeu não se confunde com a UNESCO World Heritage List (Patrimônio da Humanidade selecionado pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), cujo patrimônio é classificado em cultural, natural e misto que tenham valor histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico e se localizam em qualquer parte do mundo [4]. De forma distinta, o IHL uma busca consagrar diversas dimensões com enfoque na narrativa histórica europeia e a sua promoção. Destaca-se que o centro histórico da cidade de Angra do Heroísmo, localizada na Terceira Ilha do Arquipélago de Açores é classificado como patrimônio mundial pela UNESCO desde 7 de dezembro de 1983. No tocante às obrigações jurídicas advindas deste título, vale mencionar que a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972, estabelece em seus artigos 4º, 5º, 6º e 7º a proteção nacional e internacional do respectivo patrimônio, mediante uma série de obrigações para o Estado-membro utilizar seus recursos para tal.
Entretanto, no tocante às obrigações jurídicas advindas da concessão do título europeu, este não gera obrigações para a preservação dos locais, o que é evidenciado no guia para candidatos, que indica a existência de outros regimes de proteção (como o da UNESCO). Somente é salientado que para que haja o reconhecimento do patrimônio cultural EHL, o Estado-membro deve assegurar a sua preservação e transmissão para as gerações futuras, de acordo com os regimes de proteção já existentes.
A questão da proteção do patrimônio subaquático é levantada quando nos deparamos com uma disputa internacional que vem se alastrando desde 2015: a destinação do San José, uma embarcação que naufragou em 1708 na costa de Cartagena, onde atualmente está localizada a Colômbia, que continha aproximadamente 20 bilhões de dólares em ouro prata e joias submerso a 600 metros de profundidade [5] e representa 300 anos da história colonial europeia.
O navio foi afundado pela armada inglesa em razão de uma explosão durante uma batalha na costa da Colômbia, e robôs submarinos confirmaram que o navio foi fragmentado em diversas partes. O Governo da Colômbia encomendou uma avaliação do tesouro para a empresa anglo-suíça Maritime Archeology Consultants (MAC), agora cabe ao Presidente colombiano Iván Duque Márquez decidir se a exploração será de fato realizada pela MAC, que segundo o contrato firmado em 2015, garantirá à empresa 50% dos achados ou uma indenização no valor de sete milhões de euros.
Contudo, o Governo Espanhol se ofereceu para ajudar na recolha do galeão e também reivindicou a titularidade do navio, com base no “Estado da bandeira” conforme a Convenção da UNESCO sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático. A titularidade do tesouro também foi reivindicada pela empresa norte-americana Sea Search Armada (SSA) e pelo centro de pesquisa norte-americano Woods Hole Oceanographic Institution, que alegam ter identificado o navio anteriormente.
Além disso, índios peruanos e bolivianos da nação Qhara Qhara entraram com uma ação na justiça colombiana alegando que o ouro e a prata que o San Jose carregava pertenciam aos seus ancestrais, uma vez que foi extraído do seu território, assim, a discussão sobre quem pode reivindicar o navio tomou grandes proporções [6]. Entretanto, recentemente foi transformado em um bem de interesse cultural pelo Conselho Nacional do Patrimônio Histórico da Colômbia, que decidiu tornar o naufrágio uma espécie de monumento. O mais provável é que o galeão permaneça no fundo do mar, uma vez que seus escombros já foram integrados pelo meio ambiente marinho e lá estão há 300 anos.
Por Carolinne Ferreira Viana, estagiária do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR), sob supervisão de André de Paiva Toledo, Diretor do Instituto.
[1] Património cultural subaquático dos Açores considerado património europeu. Beach Cam, 01 de abril de 2020. Disponível em: <https://beachcam.meo.pt/newsroom/2020/04/patrimonio-cultural-subaquatico-dos-acores-considerado-patrimonio-europeu/>. Último acesso em: 20.05.2020.
[2] Underwater cultural heritage of the Açores (Portugal). European Comission. Disponível em: <https://ec.europa.eu/programmes/creative-europe/content/underwater-cultural-heritage-azores-portugal_en>. Último acesso em: 20.05.2020.
[3] European Heritage Label. European Comission. Disponível em: <https://ec.europa.eu/programmes/creative-europe/actions/heritage-label_en>. Último acesso em: 20.05.2020.
[4] The criteria for selection to be included in the World Heritage List. UNESCO. Disponível em: <https://whc.unesco.org/en/criteria/>. Último acesso em: 20.05.2020.
[5] STUNT, Victoria. O tesouro de US$ 20 bilhões perdido no mar da Colômbia. BBC, 23 de setembro de 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/vert-tra-49778908>. Último acesso em: 20.05.2020.
[6] Tesouro do galeão San José ainda está no fundo do mar mas já se faz uma ideia do que terá para mostrar. Público, 23 de setembro de 2019. Disponível em: <https://www.publico.pt/2019/09/23/culturaipsilon/noticia/tesouro-galeao-san-jose-fundo-mar-1887599>. Último acesso em: 20.05.2020.