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27 abril 2020

NOSSOS MARES E A SOLIDARIEDADE EM TEMPOS DE PANDEMIA

Por Milena Barbosa de Melo

Doutora e Mestre em Direito Internacional pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professora Universitária.  Diretora acadêmica da ANEED


O mundo inteiro pagou para ver o desastre na saúde, uma crise que já estava instaurada desde dezembro e que muito pouco foi feito: todos nós assumimos o risco. Curtimos nossas viagens de verão, brincamos o carnaval e a notícia chegou. Atenção, temos um inimigo invisível e o mundo parou. Não restam dúvidas que o Coronavírus impactou de maneira exponencial não apenas a economia, mas essencialmente a vida social de todo o mundo. Sim, todo o mundo, pois estamos diante de uma Pandemia. Atualmente, a maneira como enfrentamos os desafios diários modificou e, aos poucos, foi possível perceber que os distintos povos iniciaram, em todos os continentes, um processo de reconfiguração da vida. E, nesse meio, pode ser identificado o caso peculiar dos navios de cruzeiros, onde muitos, acabaram por ser surpreendidos, em meio a sua viagem, pela impossibilidade de desembarcar nos locais especificados pelo pacote de viagem adquirido e, então, o fator surpresa se tornou evidentemente, um grande pesadelo a bordo dos navios, pois os passageiros, em grande parte dos casos, passaram a ficar absolutamente isolados em suas cabines de 20m². A rotina pesou, pois, aquele sonho de viajar em um lindo cruzeiro foi sendo desconstruído, visto que a necessidade de bloquear a disseminação do vírus preponderou. A viagem parou, mas a vida continuava, mesmo em um pequeno espaço dentro de um navio, com centenas de pessoas a bordo, mas sem poder entrar em contato uns com os outros. O termo “estou com pessoas, mas me sinto sozinho” se tornou um dos mais utilizados pelos passageiros a bordo. Reclamações sobre higienização do navio, do preparo dos alimentos passou a levantar dúvidas acerca de um serviço que recorrentemente é prestado pelas empresas e sempre tenha sido deixado de lado. Entretanto, o que chama mais atenção nisso tudo, em muitos casos pelo mundo, é a falta de empatia (apoio) dos governos costeiros com as pessoas que estão nas embarcações.  O que tem sido observado ao longo do mundo é que existe uma grande restrição no que tange o acolhimento das embarcações nos países costeiros e, isso gera sofrimento, insegurança e, acima de tudo, consternação. Poucos países como Brasil, Cuba e Camboja ofereceram suporte, dentro das imposições especificadas pelos ordenamentos jurídicos de cada país e realizaram métodos de acolhimento paras as pessoas.

A questão é tão somente humanitária e sabe-se que, mesmo com as barreiras fitossanitárias impostas por cada país, não se pode deixar de lado a importância do uso da solidariedade para minimizar os efeitos drásticos desta pandemia. Não se trata aqui de um pedido de aceitação/acolhimento para os passageiros das embarcações como foi feito pelos países mencionados anteriormente, mas tão somente o uso da sensibilidade com as pessoas que em consonância com o elemento da solidariedade inserido no âmbito da Declaração Universal de Direitos Humanos e, incorporado, por várias Constituições ao redor do mundo, pode fazer tanta diferença nesse momento pandêmico. O afastamento do uso da solidariedade no que tange a imposição de restrições para o atracamento de navios em determinados portos pelo mundo nos leva a pensar o mundo de uma maneira cada vez mais individualista e, me parece, que no momento atual se percebe que o “estar sozinho” não combina com o termo “enfrentamento”. Milhares de pessoas estão presas em navios, sem poder desembarcar em nenhum país costeiro que venha a facilitar o retorno para casa. Não importa o nível do ato, mas o mais importante é que a solidariedade seja, de fato, compreendida como elemento necessário para suportar o duro momento que o Covid-19 traz.

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