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05 novembro 2019

O misterioso vazamento de óleo no nordeste brasileiro

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Por Carla Adriana C Gibertoni Fregona

Advogada e consultora jurídica, Sócia do escritório Pádua Advogados, especialista em Direito Marítimo, Mestre em  Relações Internacionais pela Universidade de Barcelona, Autora do livro Teoria e Prática do Direito Marítimo, Professora convidada em cursos de Pós graduação em Direito Marítimo e Direito Empresarial, Membro da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB/ES.

 

O misterioso vazamento de óleo no nordeste brasileiro

Desde final de agosto, as praias nordestinas vem sendo atingidas por manchas de óleo e ninguém sabe até o presente momento a origem do problema. Apesar de a preocupação ambiental ser o principal foco, o mistério em torno do vazamento tem chamado muito a atenção no resto do mundo. O caso vem sendo visto no exterior como uma nova crise ambiental no país –o que afeta a imagem internacional do Brasil.

Já foram atingidos 97 municípios de 9 (nove) Estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. As autoridades não descartam a possibilidade do avanço do óleo ao sudeste brasileiro.

Ainda não se sabe o culpado (poluidor), local do vazamento, os envolvidos ou responsáveis. A única certeza até o momento é que estamos diante de um crime ambiental, possivelmente cometido em alto mar.

Em razão desse mistério em relação aos envolvidos, a preocupação está voltada para a contenção e a diminuição dos danos ambientais.

O Ministério Público Federal (MPF) dos nove estados do Nordeste moveu uma ação conjunta pedindo que a Justiça Federal obrigasse a União a acionar em 24 horas o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo, previsto na Lei 9.966, de 2000, para o combate à poluição por óleo e substâncias perigosas, com multa diária de R$ 1 milhão em caso de descumprimento da ordem.

Vale lembrar ainda que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperação em Vaso de Poluição por Óleo, de 1990, ratificada pelo Decreto n. 2.870, de 1998, que estabelece o dever das partes desenvolverem sistemas nacionais e regionais de preparo e resposta a emergência.

Apesar de ter seu próprio plano previsto em lei, o PNC (Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo), o Brasil não o acionou.

O plano, instituido em 2013, pelo Decreto n. 8127,  estabelece a estrutura organizacional de resposta do governo ao acidente, atribuindo responsabilidades a diversos órgãos, estabelecendo uma metodologia de resposta, dando uma estrutura e organização financeiras e permitindo que os Estados sejam chamados ao grupo para participar das decisões ou acompanhá-las.

De acordo com a norma, é o poluidor quem deve comunicar os incidentes de poluição por óleo. Nesse caso, não houve qualquer alerta do poluidor, pois ainda é desconhecido. Assim, cabe ao Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA) acionar o PNC, pois, enquanto não identificado o poluidor, os custos relativos às atividades de resposta e mitigação serão suportados pelo Poder Executivo Federal,conforme artigo 27, § 2º, do Decreto n. 8.127/2013.

O GAA, formado pelo Ibama, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e a Marinha, está previsto no Plano Nacional de Contingência, e dentre suas atribuições estão a de avaliar se o incidente de poluição por óleo é de significância nacional em função do seu porte e potencial de impacto e “acionar o PNC em caso de incidente de poluição por óleo de significância nacional”. E não foi o que vimos.

De acordo com as informações noticiadas, o Ibama tem monitorado as praias atingidas e a limpeza. A Marinha mobilizou mais de 1.500 militares, além de navios, uma aeronave, e embarcações no trabalho de inspeção e patrulhas e está atuando com ações de monitoramento, principalmente nos registros de navios na costa brasileira. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Petrobras também atuam na resposta ao desastre, com a retirada de mais de 280 toneladas de resíduos das praias e com análises laboratoriais. Há ainda pesquisas sobre o material em andamento na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Os impactos econômicos já estão sendo sentidos. Segundo dados do IBGE, mais de 40% (quarenta por cento) da população da região Nordeste se concentra no litoral e grande parte da da população de baixa renda e dos negócios no litoral dependem dos resultados do verão para se manter em todo o restante do ano. A ausência de medidas mais eficazes para prevenir o agravamento dos danos e de informações precisas sobre os fatos pode causar grave impacto negativo em todas as atividades econômicas do litoral do Nordeste, inclusive na pesca, na construção civil, na atividade hoteleira, no comércio e em bares e restaurantes.

Com tudo isso, está evidente a significância nacional do incidente de poluição por óleo. E, em caso de inércia da União, concordamos que a mesma deve ser responsabilizada pelos danos ambientais e sócio-econômicos decorrentes do acidente ambiental, considerada a teoria da responsabilidade objetiva por risco integral.

Por outro lado, as investigações são primordiais para a identificação da causa do acidente, da nacionalidade das embarcações e os países envolvidos com a carga, em especial porque os danos são de responsabilidade do proprietário do navio poluidor, e seguros obrigatórios, conforme previsto na Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969, ratificada pelo Decreto n. 83.540, de 1979.

As hipóteses são variadas, que vão desde um navio fantasma, um naufrágio, um derramamento intencional ou ainda um acidente na troca de carregamento. Como o petróleo cru é de origem venezuelana, cujo comércio está sob embargo dos Estados Unidos, especula-se tratar de um “navio fantasma”, ou “dark ship” – embarcações irregulares que transportam cargas sem identificação.

Um destes navios poderia ter se abastecido na Venezuela e, posteriormente, ter trocado a carga com outro navio. Assim, o país que adquiriu o petróleo venezuelano não sofreria as sanções impostas pelo embargo. Como a atividade é ilegal, este suposto navio também não reportaria nenhum acidente, seja durante a troca de cargas ou em um possível naufrágio.

De qualquer forma, o enigma ainda está em aberto. Esperamos por soluções.

 

 

 

 

 

 

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