O IPCC e os oceanos
Por Bruno Gabriel Costelini
Oceanógrafo pelo CEM/UFPR e doutorando em Direito na Universidade de Durham
O IPCC e os oceanos
Nas duas primeiras colunas aqui para o IBDMAR mencionei em passanta questão das mudanças climáticas e como ela tem mobilizado as atenções da comunidade cientifica e diplomática que discute temas ligados à exploração de recursos marinhos em mar aberto e oceano profundo, além do público em geral. Dessa vez, sou forçado a colocar o assunto no centro do debate.
Isso porque há poucos dias o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, o IPCC, se reuniu no Museu Oceanográfico de Mônaco e divulgou um relatório especial sobre os oceanos e a criosfera (a porção da Terra coberta de gelo) em face do clima em mudança.
Esse é o terceiro informe especial do IPCC no ciclo que culminará com o sexto relatório geral sobre o clima, esperado para os anos de 2021/22. Mais de 100 cientistas de 36 países colaboraram na sua produção, que sintetiza o conhecimento cientifico mais atual sobre os impactos do aquecimento do planeta sobre suas porções aquosas.
Ele reafirma algumas certezas estabelecidas por repetidas observações ao longo das últimas décadas, dando conta de um encolhimento da criosfera, um aquecimento crescente dos oceanos e de seus níveis de acidificação e desoxigenação, além de um aumento do nível médio global do mar devido ao descongelamento da criosfera e à expansão térmica.
Essa mudanças no meio físico já impactam os ecossistemas de maneira observável, alterando a ecologia e distribuição de espécies em ambientes anteriormente cobertos de gelo, como topos de montanhas. A quebra de cadeias alimentares e a desestabilização da interação entre as espécies resulta em efeitos-cascata, impactando inclusive espécies marinhas. Da mesma forma, ambientes costeiros sofrem com o aquecimento.
Os impactos não se resumem aos ecossistemas isolados, contudo, mas afetam também as pessoas e os serviços que aqueles ecossistemas nos proporcionam. Impactos sobre comunidades costeiras, povos indígenas e mesmo sobre a segurança alimentar e riscos de desastres já são desafios para os formuladores de politicas públicas.
O relatório projeta também os efeitos esperados diante do aquecimento projetado para as próximas décadas, o que inclui uma intensificação dos fenômenos vistos até aqui, alterações nos padrões de El Niño/La Niña, aumento nos eventos extremos, bem como no nível do mar de até vários metros, dependendo do nível de emissões de carbono. Tudo isso com as inevitáveis consequências para ecossistemas e para o ser humano.
O informe do IPCC não serve só para apontar os aspectos mais trágicos dos efeitos do aquecimento global, contudo. Dirigido aos policymakers, governantes e legisladores de todo o mundo, ele traz em sua última parte uma série de respostas que podem e devem ser tomadas.
Reconhecendo o tamanho do desafio, particularmente para comunidades mais pobres, mais vulneráveis e com menor capacidade de enfrentar os efeitos, o IPCC sugere com alto grau de confiança que medidas de proteção, restauração e redução de impactos podem ser tomadas e surtir algum efeito sobre os ecossistemas. No entanto, eles também admitem que impedimentos a essas medidas existem e que, mesmo uma vez implementadas, só serão efetivas em níveis baixos de aquecimento (até 1,5 graus Celsius, o valor-limite sob o Acordo de Paris).
Por fim, o IPCC destaca ainda a importância de medidas que permitem que as respostas sejam tomadas: intensificação da cooperação entre governos, educação ambiental (climate literacy) e o uso de todo conhecimento disponível, das mais diversas fontes, compartilhamento de informação e dados, para a construção de uma economia mais resiliente e sustentável.
Essa é a talvez a grande chave para o enfrentamento. Muitas vezes atacado por setores conservadores, o IPCC nada mais é que uma reunião de cientistas que disponibilizam seu tempo e expertisepara informar a sociedade sobre as descobertas mais recentes da ciência sobre o clima e seus impactos.
Ignorar as evidências científicas e o conselho dos especialistas é, sem dúvida, uma opção que as sociedades podem tomar. O preço a pagar por isso vem junto com o conselho, e não é barato.