Os 500 anos da Primeira Circum-navegação do Mundo
Há exatos quinhentos anos, no dia 20 de setembro de 1519, saía da cidade de Sanlúcar de Barrameda, na Espanha, uma expedição de cinco embarcações, lideradas por Fernão de Magalhães, o português que comandaria o que 3 anos depois se evidenciaria a primeira circum-navegação do mundo. Recusado pelo governo português, a quem servira por boa parte de sua vida, seria o rei da Espanha, Carlos I, que daria o aval à Magalhães. Seu objetivo era atingir, pela navegação rumo o Ocidente, as Ilhas Molusca, na atual Indonésia, produtora de cravo e de outras preciosas especiarias. A concessão viria no momento em que Magalhães comprovava e convencia ao rei que as ilhas estavam do lado espanhol da linha demarcada pelo Tratado de Tordesilhas, o que depois se provaria falso.
Foi nesta expedição, descrita por Antonio Pigafetta, italiano voluntário que acompanhara a viagem e seus incríveis acontecimentos, em “A Primeira Viagem ao redor do Mundo”, que o Estreito de Magalhães, localizado no extremo sul da América do Sul, e que separa os Oceanos Atlântico e Pacífico, foi descoberto no dia 21 de outubro de 1520, após meses de exploração em um labirinto de águas em um frio extremo, sendo anos depois nomeado em homenagem a seu desbravador. Não apenas o desbravador superara o estreito, mas ainda conseguiu controlar e sufocar um motim realizado contra ele pelos capitães das outras quatro embarcações, que visavam retornar à Espanha, não crendo haver saída para o outro lado, e inconformados pelo frio.
Na realidade, não se pode falar em Oceano Pacífico até então, tendo sido o oceano nomeado pela tripulação, em que nas palavras de Antonio Pigafetta, recordadas no seu diário de expedição: “Chamamos este mar de Pacífico, porque, durante três meses e vinte dias que gastamos na travessia de cerca de quatro mil léguas, não houve a menor tempestade”. No entanto, a falta de tempestades não significava uma situação plena. A viagem pelo oceano imenso resultou na falta de alimentos e provisões, e as doenças, como o escorbuto, que impossibilitava a tripulação de comer, e resultou em diversas mortes ao longo da travessia.
Dentre os lugares pelos quais a tripulação passou durante os três anos de empresa estão Brasil, Uruguai, Argentina, Japão, Filipinas, Bornéu, Indonésia, além de Cabo Verde e terem cruzado o Cabo da Boa Esperança. Ao longo do caminho, diversas interações com os nativos, com os quais os europeus comercializavam e interagiam das mais diversas formas, sendo alguns destes levados junto a tripulação no seguimento da viagem. Dentre as interações está a que levou a morte de Fernão de Magalhães, na ilha de Máctan, nas atuais Filipinas, em 27 de abril de 1521, durante um combate em que 49 europeus lutaram contra 1500 nativos, uma flecha envenenada atinge a perna de Magalhães, que logo é cercado por diversos nativos, pelos quais é morto.
A viagem continua, e Magalhães será sucedido por Juan Sebastián Elcano, navegador espanhol, sendo ele o responsável pelo retorno da expedição à Espanha, em um longo caminho, desde a Ásia, com uma tripulação envolvida por fome e doenças, e com o planejamento de sempre desviar dos portugueses, que também empreendiam viagens pela costa africana e Oceano Índico. É assim que, em 6 de setembro de 1522, chegavam os sobreviventes da inigualável jornada à Baía de Sanlúcar. É no fim de sua descrição que Pigafetta coloca:
“Desde nossa saída da Baía de Sanlúcar até o regresso, calculamos que percorremos mais de 14.460 léguas, dando a volta completa ao mundo, navegando sempre do Leste para o Oeste”.
Assim, os 500 anos da viagem orquestrada por Magalhães ampliaram as noções que o homem possuía sobre o mundo que o rodeia. Afinal, a era das grandes navegações foi um processo decisivo para a expansão europeia e para os contatos entre civilizações, o que séculos depois daria origem ao sistema e a sociedade internacionais. Mesmo que não tão vívido na população contemporânea, a empreitada da circum-navegação possui um impacto simbólico maior, pode-se dizer, de um outro episódio, com exatos um décimo da idade daquele que aqui tratamos: a ida do homem à Lua em 1969.
Comemorando 50 anos, a chegada da Apollo 11 à Lua foi essencial para redefinir os limites que a humanidade poderia alcançar, até mesmo fora de seu próprio planeta. No entanto, a viagem iniciada em 1519 se dá em um contexto completamente diferente. A tecnologia da época não possibilitava, como na Apollo 11, um contato entre a nave e a base, tendo Magalhães e Elcano um isolamento permanente por toda a viagem, sendo esta empreita muito maior em dificuldadeque a realizada em 1969. A importância da expedição que se iniciava há 500 anos está no conhecimento possibilitado por ela do nosso próprio planeta, em um contexto em que pouco se sabia sobre as distâncias e limites do globo, os outros continentes e os outros povos.
O evento que hoje aniversaria não foi, como pode ser compreendido, um episódio pontual que ocorrera há cinco séculos, mas parte fundamental de um processo que chega com um impacto colossal aos dias de hoje, muito maior que as 14.460 léguas percorridas. O mundo passou a ser maior, uma vez que cada vez mais se conhecia sobre ele, mas se tornou também, e não de forma paradoxal, cada vez menor ao longo dos séculos, no processo que hoje elenca-se como globalização, do qual Fernão de Magalhães e sua tripulação foram peças chaves.
Notícia produzida por Romberg Gondim, estagiário do IBDMAR.