Clandestinos
por Marcelo José das Neves
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos
Professor de Direito Marítimo da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante
Clandestinos
Foi noticiado pela mídia que três clandestinos foram encontrados há cerca de 10 dias a bordo do navio Promise2, de bandeira de Hong Kong, atualmente fundeado ao largo da baía de Paranaguá. Pelo que foi apurado junto às autoridades locais, os clandestinos são da Guiné, um país do Continente Africano. Passam bem, estão em boas condições de saúde e estão sendo bem tratados pela tripulação. O navio está aguardando para carregar 30 mil toneladas de soja no Porto deParanaguá. Segundo a Polícia Federal, eles serão retirados de bordo na manhã de quinta-feira, 19, pelo Núcleo Especial de Polícia Marítima (NEPOM). A Marinha do Brasil vai abrir inquérito para apurar quais as condições de acesso dos clandestinos ao navio. Também será aberto um inquérito de migração, para análise de uma possível repatriação[1].
Essa notícia não é única. Constantemente, clandestinos chegam nos portos de norte a sul do país. O ingresso de clandestinos a bordo dos navios geralmente ocorre por conta de crises econômicas ou situações de conflito em determinadas localidades. Na busca desesperada por uma melhor oportunidade de vida, eles se arriscam subindo em navios sem sequer saber o seu destino, sendo este mais um fator que contribui para a crise migratória mundial. O sonho da maioria é chegar a um porto Europeu.
Durante a viagem, muitos não permanecem em seus esconderijos. Tomados pela fome e pela sede, e certos de que o navio não mais poderá voltar à sua origem a fim de repatriá-los, se deixam ser descobertos. Porém, há relatos que por muitos anos, a prática era simplesmente jogá-los ao mar no momento em que eram encontrados.
A normatividade internacional repele tal conduta. A Organização Marítima Internacional (IMO) encoraja fortemente que medidas adequadas sejam tomadas para reduzir os riscos de pessoas não autorizadas embarquem em navios. De acordo com a Convenção Internacional para Facilitação do Tráfego Marítimo, de 1967 (FAL Convention), pretenso-clandestino pode ser conceituado como uma pessoa que esteja escondida em um navio, ou em uma carga posteriormente embarcada no navio, sem o consentimento do armador, do comandante ou de qualquer outra pessoa responsável, e que seja descoberta a bordo do navio antes que ele tenha saído do porto[2]. Descoberto após a saída, será um clandestino.
Dispõe ainda a Convenção FAL que o clandestino, após descoberto, deve ser tratado com toda dignidade possível, com base em princípios humanitários. O comandante do navio deve tomar as medidas adequadas para garantir a proteção, as condições de saúde, o bem-estar e a segurança do clandestino enquanto presente a bordo, inclusive fornecendo alimentação, acomodação e cuidados médicos. O trabalho a bordo é proibido, exceto em situações de emergência ou em relação às suas próprias acomodações, como por exemplo, o trabalho de limpeza.
Outra norma importante a ser observada em relação a clandestinos, tendo em conta que os incidentes de pessoas não autorizadas a bordo representam um sério problema para a indústria naval é a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS). Seu Capítulo XI-2 dispõe sobre medidas para melhorar a segurança marítima, implementando o ISPS Code, que contêm regras claras sobre o controle de acesso e medidas de segurança para navios e instalações portuárias.
A presença de Clandestinos a bordo pode ser considerada pelas autoridades portuárias como motivos óbvios de que o navio não está em conformidade com o ISPS Code. Assim, o navio poderá ter severas dificuldades, chegando até a ser impedido de entrar em um determinado porto, sendo submetido a medidas adicionais de segurança, implicando em custos extras para o armador, incluindo os custos de repatriação, que também devem ser suportados pelo transportador marítimo.
[1]Folha do Litoral. Clandestinos serão retirados de navio pelo Núcleo Especial de Polícia Marítima. Disponível em <https://folhadolitoral.com.br/litoral/clandestinos-serao-retirados-de-navio-pelo-nucleo-especial-de-policia-maritima/#.XYLELfnR-Ul>. Acesso em 18 set. 2019.
[2]Comissão Coordenadora dos Assuntos da IMO – CCA-IMO. Convenções e Códigos. Disponível em <https://www.ccaimo.mar.mil.br/fal>. Acesso em 18 set. 2019.